quarta-feira, 17 de maio de 2017

Pés queimados

                          A leitura  para as pessoas pobres corresponde às férias dos ricos que viajam  por vários países e conhecem costumes diferentes. Para viajar  eles  têm uma  opção  a altura de seus minguados recursos:  A literatura, principalmente a  épica  que apresenta de maneira romanceada e leitura fácil,  a cultura  de vários povos em diferentes épocas, e  muitas jovens românticas e sonhadoras, que tem ciência de  seu destino, de não poder usufruir do que lhe garante a Carta Magna brasileira, o  direito de ir e vir, porque sabem que  jamais terão  dinheiro para viagem de lazer, dão asas a  imaginação e  assim vão  colorindo os seus dias cinzas. Sárita, quando sua mãe implicava com o tempo dedicado aos livros,  com expressão serena  dizia. -Mamãe, leio para trazer um pouco de cor a minha vida  de carestia e tristeza.
            A noite de  réveillon, de 2015, passou com o carteira e a despensa  vazias e, para se distrair iniciou a leitura de  O  Egípcio,  de Mika Waltari, escritor finlandês. Mergulhou profundamente na trama,  e na solidão de seu quarto, discutia com os personagens, principalmente  com as patroas, que tinham o péssimo hábito, de quando zangadas, jogar água quente nos pés dos escravos. Estava com fome, não tinha o que comer, foi ao quintal  e pegou  algumas folhas de hortelã para fazer um chá e enganar o estômago.
            Enquanto  esperava a água ferver, revoltava-se  este  hábito antigo, para ela desumano, de  jogar água quente nos pés dos escravos,  que já sofriam  com o calor do Egito, andando sempre com  pés descalços. Talvez por distração, ou por maldição  das antigas mulheres egípcias,  virou a chaleira com água fervendo em seus pés. Por sorte, dias atrás,  havia passado uma reportagem na televisão,  orientando como proceder em caso de queimaduras domésticas até o socorro chegar, no caso dela, nunca!  Rapidamente  mergulhou seus pés vermelhos em uma bacia com água fria e assim permaneceu por quase uma hora, até que parou de arder, e finalmente, ela pode dormir. Amanheceu 2015, e elas com os pés vermelhos, inchados, mas sem bolhas e com grande expectativas que não deixasse cicatriz.

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