terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Gratidão ao ano de 2019



          Por que sou profundamente grata ao ano de 2019, apesar de todos os atropelos na política e das  sangrentas manchetes de jornais?  Porque  após 50 décadas de angústias, enfim, eu tive um ano sereno. Não quero dizer com isto que foi um ano de dinheiro jorrando  da conta, festas e mais festas, paixões arrebatadoras e amores ardentes. Nada disto! 2019  foi um ano  em que eu descobri a  minha verdadeira essência, quem realmente eu sou, não a pessoa que a minha  mãe queria que eu fosse.  E esta descoberta aconteceu naturalmente. Com uma parca aposentadoria, mudei-me para uma cidade praiana, conheci pessoas humildes e descobri  o  prazer das coisas simples, como caminhar no calçadão ao entardecer,  sentar na areia apreciando o azul do mar e ouvindo o marulhar das ondas. Outra descoberta, na qual aprendi o verdadeiro sentido do viver, foi a  convivência nos grupos de terceira idade. Estar juntos,  sem competição, pautada na solidariedade, permitiu que  a  minha verdadeira identidade, que fora sufocada pela  pressão materna,  induzindo-me  a perseguir uma vida de  glamour, em outras querências, florescesse e posso dizer, com segurança, que teria sido bem mais feliz, se  não tivesse deixado minha terra natal em busca de um sonho, que não era meu. Eu teria sido bem mais feliz, em um bairro periférico, cuidando da casa, dos filhos, marido e tomando  a fresca, nas noites quentes, conversando com os vizinhos, visitando os parentes aos domingos, recebendo-os em casa, participando das festas  tradicionais da cidade,enfim, uma vida normal.
          Mas o que foi a minha vida? Foi uma perseguição árdua de uma verdade que não era minha! Sempre na periferia, sonhando em morar e conviver com pessoas dos bairros nobres, mas a intransponível barreira  do dinheiro, sempre impediu-me de estar, onde  eu imaginava que gostaria de estar. Questiono-me sempre, sobre a minha força de vontade, que não fui capaz de lutar  o suficiente, procrastinei muito, não aperfeiçoei-me em nada, não domino nenhum assunto, gastei tempo e dinheiro em congressos, seminários, palestras  e exposições artísticas, e nunca consegui entender a razão dos eventos, impossibilitada de conversar a respeito por não ter base cultural e discernimento do assunto em questão.Queria apenas parecer chic! Deve ser isto? A infelicidade e a incompetência, também foram minhas companheiras  durante minha vida profissional. Por que afirmo categoricamente o meu fracasso profissional? Durante os 30 anos de trabalho, nunca consegui uma promoção, apesar dos esforços, nunca vi a minha foto no painel do funcionário do mês, nunca  recebi um convite profissional. Vários colegas saíam das empresas, já para outra, a convite. Eu sempre bate à porta do patrão, enfrentei filas, fiz testes, participei de dinâmicas,  e sempre conseguia estar o chão da fábrica. Admito, não fui, não sou e acredito não ser jamais, uma boa profissional. Eu teria sido boa esposa, boa mãe, boa nora, porém, não consegui discernir  o meu eu verdadeiro,  uma pessoa que queria apenas ser amada e  persegui um sonho que não  meu, o sonho do luxo,  status social. Não  consegui realizar nenhum dos dois, vivi décadas de angústias e privações, para finalmente, com a aposentadoria, encontrar a serenidade  em uma vida simples, com apenas um desejo a realizar. Viver um relacionamento sério, pautado no respeito e companheirismo. Obrigada  ao ano do porco!
Rosalina, 31 de dezembro de 2019
         

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Mala e ninho vazio



          Engana – se quem pensa que a síndrome do ninho vazio afeta somente as mães. Outras pessoas, como vizinhas, tia, madrinhas, avós, que formaram laços  afetuosos com uma criança, quando esta  parte em busca de seus ideais, sofrem profundamente, apesar de ter ciência que as mudanças são inerentes à vida e    são divididas em três fases marcantes.
I – O período de  crescimento, quando se assimila o mundo  e vai lentamente se preparando para a maturidade e distribuem carinho generosamente;
II – O tão esperado   período da maturidade,  nesta fase, os  processos biológicos estão  voltados  manutenção, reparo, procriação e o mental para realização profissional, aventuras de descobertas de novos horizontes, aventuras e afirmação pessoal e, desligamento do  ninho familiar;
III – E por fim, o não muito esperado período do declínio biológico e mental. O intercâmbio biológico  torna-se lento em relação às necessidades de renovação  e à morte fica cada dia mais próxima. Concomitante ás perdas  característica desta fase, surgem outras necessidades. O desejo de companhia, de reconhecimento  do tempo dedicado aos familiares e amigos que ainda estão vivos,  e este sentimento é mais forte, naquelas  mulheres que abdicaram da maternidade em prol da carreira profissional, e agora se vêem sozinhas e carentes,  cujo afeto guardado no peito, são destinados, prioritariamente a afilhados e sobrinhos que já passaram da fase de querê-las por perto, agora são arrimos de família, outras responsabilidades e objetivos profissionais.
          As lembranças são dolorosas! As lágrimas secaram e já não  mais é possível aliviar a dor no  coração chorando até cansar. Não há mais ombro amigo para ouvir as suas lamurias, restam-lhes apenas ruminar  os fatos, como Rosalina, que relembra incessantemente o  último dia  que recebeu o afilhado, a quem dedicou grande afeto e dinheiro. Ele chegou com uma mala nova, sem perceber que ela estava vazia; ao ser indagado a razão do objeto, já que suas roupas estavam cuidadosamente lavadas e passadas, na parte do guarda-roupa a ele destinado. Objetos de higiene pessoal,  eletrônicos e sapatos, tudo permaneciam  em suas gavetas, na cômoda. A explicação não convenceu: Alegou  que estava  levando-a para o seu irmão que planeja viajar, a madrinha fez que acreditou na  mentira deslavada, a criança ainda  é menor e não pode viajar  e nem poderá  nos próximos cinco anos. Com tristeza, a madrinha observa outras mudanças:
I – Aparência – adotou um visual destoante com as  tradições de sua de família e terra natal. Roupas pretas, justas e bermudas mais curtas e pouco adepto à higiene pessoal;
II -  Maus modos à mesa. Além de  comer rápido, vorazmente, o fazia em silêncio. Finda as refeições, não se oferecia para  ajudar a tirar a mesa. Alegava cansaço, enjoo, e dormia, ou fingia dormir até a hora da próxima refeição. Nos intervalos destas sonecas e refeições, agarrava-se ao celular como se este fosse a salvação de todos os problemas ambientais do mundo. Mas, se  a madrinha  convidava-o a sair, em passeios  turísticos pela cidade, pagando as despesas  de condução e lanche, tinha  cura súbita e a indisposição retornava, assim que pisava em casa  e, se ela pedia  auxílio em alguma tarefa doméstica ou com os eletrônicos, ele o fazia de má vontade e com descuido, mais atrapalhando do que ajudando.
III – O menino falante e amoroso desapareceu e, em seu lugar, nasceu um rapaz, autoritário, arrogante, falso e quando arriscava falar, era para reclamar e colocar defeito em tudo e todos e apresentar soluções fantasiosas para os problemas alheios, sendo incapaz de resolver os seus.
IV – Para a visita do afilhado amado, Rosalina  gastou o que não podia no mercado, para oferecer-lhe refeições tradicionais e saborosas, e,  cheia de boas intenções, comprou um vinho sem álcool para que juntos, comemorassem o seu primeiro emprego. Para o seu espanto, percebeu o quão ele entendia da bebida e juntando um  comentário ao outro, percebeu que ele já faz uso da bebida, além de desdenhar  o produto nacional. Esforçou-se para que ele não percebesse a sua frustração, ao notar que  ele está se transformando na pessoa que ele, desde a mais tenra idade criticou: o próprio pai, um alcoólatra, autoritário e promíscuo.
V – Rosalina refere-se esta última visita como a convivência do silêncio. Em casa, em transito, em eventos, ele apenas respondia com monossílabas,  não se engajava em um assunto. O rosto expressava um  tédio constante, e, foi com alívio que ela  recebeu a notícia que ele iria partir. Enquanto  lavava a louça, ele fez a mala e partiu. Ao retomar a sua rotina diária, ela teve ciência que aquela  fora a última vez que o receberia em seu lar, porque ele levou  todos os seus pertences, razão pela qual, ele chegou com a  mala vazia e deixo o ninho vazio.

sábado, 28 de dezembro de 2019

Cerrado: Bioma em extinção




          Rosalina percorre as grandes redes de supermercados, mercadinhos de bairro, feiras livres em busca de  araticum,  uma das grandes  riquezas do cerrado, porém, seus olhos apenas  encontram,  prioritariamente, as frutas que foram introduzidas no país pelos colonizadores: maçã, pêra, uva, laranja entre outras e nenhuma  nativa do cerrado: amora preta, araticum, ananás,  bacupari, buritici, murici, cagaita, cajuzinho do cerrado, gabiroba, gravatá, jatobá, jenipapo, lobeira, mangaba, pequi, pitanga, pêra –do- cerrado entre outras delicias de alto valor nutricional. Desiludida  retorna ao lar, sua tristeza não é apenas por não ter adquirido uma fruta que fez parte de sua infância, mas, principalmente, pela certeza que o não consumo dos frutos  nativos pela população urbana  é uma  perda cultural irreparável e, sinônimo de desmatamento, seja para pastagens ou  monocultura.
          Gritar algo mundo, que é preciso  preservar a biodiversidade brasileira é necessário e importante, mas  não é o suficiente, é preciso atitude individual, de cada cidadão brasileiro. Consumir um fruto do cerrado é mais do que desfrutar de um sabor peculiar: é ajudar a preservar o   bioma e toda a riqueza de sua fauna e flora. É contribuir com a geração de renda  das populações rurais que farão a coleta dos frutos. É ajudar a preservar a caixa d’água do Brasil, por que o cerrado é berço de inúmeras  nascentes.
          A escola e os meios de comunicação  não incentivam a inclusão dos frutos do cerrado na alimentação diária. As famílias, onde se  formam os hábitos alimentares, parece que esqueceram o que um dia aprenderam que uma pequena atitude individual e  diária, se torna grande, quando juntas. Por acreditar nessa premissa, Roslina continua a sua luta diária,  postando em sua redes  sociais,  receitas com frutos do cerrado, perguntando aos feirantes, e quando encontra, faz questão de oferecer às pessoas próximas, talvez ela não possa ver o resultado de sua luta, mas quem sabe num futuro próximo,  o sabor peculiar do araticum possa ser apreciado pelas crianças, em creches, e em todo o país.

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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Natal solitário



       Nasci no alto do Morro, pelas mãos da parteira Dona Zica, uma santa, que acudia as parturientes da favela em sua hora. Quem já ouviu, na voz da grande Marlene, o samba de carnaval, Lata d’água,  dos compositores Luiz Antônio de Jota  Júnior, consegue imaginar  que a vida daquelas mulheres, no início do século XX não era fácil, moravam em barracos, sem nenhum saneamento básico e parindo um filho por ano. A criançada, em meio a tanta miséria, era feliz porque não conhecia outra forma de viver, algumas privilegiadas, como eu, quando completavam sete anos de idade, passavam a frequentar a  escola, que ficava a uns três quilômetro do Morro e com a ampliação de meus horizontes de  favelada,  começou a minha infelicidade porque comecei a desejar o que eu  sequer sabia que existia, como comemorações de aniversário e natal. Não sei a razão pela qual  minha família e vizinhos não frequentavam  a igreja, e assim, ao ouvir as novas colegas falarem do Menino Deus e  papai Noel, minha imaginação  entrava em ação. Eu era discriminada pela minha timidez e aparência maltrapilha, pés descalços e  nenhuma etiqueta social, apenas ouvia as  colegas discorrerem sobre as alegrias das comemorações natalina e  presentes  generosos que esperavam receber do bom velhinho. Uma vez arrisquei a perguntar à minha mãe  quem era o papai Noel e o que eu deveria fazer para ganhar  um presente dele, com desdém, ela respondeu que ele presenteava apenas as crianças ricas, que colocam os sapatinhos na janela, na noite de natal.  Meu barraco não tinha janela, e eu não sabia qual noite era a de natal e acalentei este sonho durante uns três anos. Quando mudamos para um barraco melhor, que havia uma janela, eu já contava com  uns dez anos de idade, já havia feito uma ou duas amizades  na escola e um fio de esperança nasceu em  meu coração e graças a estas amizades descobri tudo sobre o natal, do ponto de vistas de meninas, com um poder aquisitivo bem maior que o meu.
       Enfim chegou a tão esperada noite de natal! Fiquei na cama acordada até ouvir o ressonar dos meus pais, aí, levantei-me na ponta dos  pés, coloquei minhas sandálias gastas  na janela e entreguei-me aos braços de Morfeu  e  não ouvi  o cantar do galo anunciando a aurora. Fui acordada com  as gargalhadas de deboche de meus pais, rindo de minha inocência ao acreditar que o papai Noel fosse subir o Morro para deixar um brinquedo  para  mim e até o  último suspiro, eles lembram   deste episódio o que deixava-me profundamente humilhada e crescia o desejo secreto de   vivenciar o natal tradicional, como os ricos: Missa do galo, ceia de   natal, presentes, abraços. Isto não aconteceu enquanto eu residi com os meus pais, mas como quem nasce na periferia, apenas troca de periferia, fui trabalhar em casa de família,  enquanto todos festejavam, eu servia-os e depois, recolhia em  lágrimas, à solidão de meu quarto de empregada.
       Os anos  se passaram, saí do emprego doméstico e fui para uma empresa de prestação de serviço 24 por dia, 365 dias por ano e finalmente, eu consegui vivenciar pela primeira vez a tão sonhada experiência natalina: Amigo secreto, ceia oferecida pelo patrão, abraços e retorno ao trabalho. Foi  lindo!  Durante  vinte  longos anos, eu fazia questão de trabalhar na véspera de natal, simplesmente para  estar ao lado de alguém porque confraternizar com estranhos, é melhor que estar sozinha. Com a minha melhora financeira, finalmente acreditei que enfim, iria comemorar em família esta data, mas não deu certo, mais uma vez minha boa vontade foi desdenhada. Tentei trazer  as amigas para o meu natal, mas esbarrei em outro obstáculo, já que todas optam por comemorar com os parentes.  Em uma medida de desespero, ofereci-me como voluntária na igreja, para de uma maneira ou outra, ter com quem comemorar e foi mais uma derrota, minha falta de tato social, fez com que eu fosse gentilmente  convidada a deixar o voluntariado.
       A aposentadoria chegou e com ela  o baixo salário, o círculo de amizades renovou-se, com pessoas do mesmo poder aquisitivo, porém, com boas relações familiares e que não desejam mulher avulsa agregada para festejar e o que já era triste permanece triste já que esta é a sina de quem não pode fazer um cruzeiro ou qualquer outra viagem  nesta data, menos ainda, comprar o peru para assar para uma ceia solitária.

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Corroída pela inveja




Eu sou Caetana, goiana, tenho 70 anos e esta é a história  de  meus fracassos, consequências de  eu ter despendido muito tempo e energia em ruminar  a imensa inveja que sinto de minha irmã adotiva e de todo o carinho e admiração a ela dispensada  por parte de minha genitora, e a mim, filha legítima, desde a mais tenra idade, além da falta de atenção, críticas exacerbadas, todo o trabalho pesado da casa, daqueles idos tempos em que a tecnologia   avançada  em casa de pobre era o fogão a lenha com serpentina e  que proporcionava um delicioso banho de chuveiro  e quente, e o melhor, adeus  aos banhos  em grandes bacias de alumínios, o famoso banho de canequinha. A  minha rotina era pesada! Eu  pulava da cama às seis horas da manhã e iniciava a lida, enquanto minha irmã ficava na cama  até a hora do almoço, sendo que eu era a mais nova, quem deveria gozar deste privilégio. Após  o jantar, ela recolhia-se aos seus aposentos enquanto eu tinha que cuidar da louça, alimentar os animais domésticos e às vezes, de tão exausta, sequer escovava os dentes  antes de ir para a cama. Não sei precisar a data  em que este destrutivo sentimento penetrou em meu coração e fez dele o seu lar definitivo, apenas  que em todas as minhas lembranças, ele se faz  presente.
Eu sempre invejei:
I – O carinho dispensado a ela pelos nossos pais;
II – A sua inteligência;
III – A sua educação;
IV – A sua facilidade  nos estudos, sua capacidade de discernimentos dos texto mais complexos,  sua fluência verbal, o uso impecável da língua materna;
V - O seu bom gosto musical, literário e para se vestir;
VI – A sua capacidade de concentração na leitura;
VII – A sua facilidade em atrair a atenção dos  rapazes;
VIII - A  sua facilidade em fazer amizades fiéis e duradouras;
XIX -  A sua diplomacia;
X – A sua capacidade  estratégica para alcançar os seus objetivos sem muito esforço;
XI - A sua inimitável capacidade de vitimizar – se para eximir-se de culpa e transferi-la a outrem;
XII – A sua capacidade de fazer-se amada e  admirada em coisas pequenas e também, a sua altivez;
XIII = A sua  facilidade em conseguir  bons trabalhos;
XIV - A  sua inacreditável capacidade de receber ajuda financeira de parentes , sem necessidade de retorno;
XV - A sua  admirável  habilidade em não ser  flagrada  infringindo as  regras da família e, quando acusada,  fazer-se acreditar por todos em suas  explicações fictícias.
          Consumindo meus dias  com este sentimento destrutivo, sem entusiasmo  nos estudos e em subempregos, rejubilei-me quando  os  percalços da vida fizeram com que ela caísse em desgraça financeira  e conjugal, e eu solícita e amorosa ofereci ajuda econômica, não por generosidade, por amor ao próximo, mas para que os familiares e amigos percebessem o quão  boa eu era ao ampará-la, quanto todos lhe viraram as coisas, porém, a razão maior que fez com que eu, por dez  anos, a sustentasse  e também  aos seus filhos  é inconfessável: o prazer de vê-la dependendo  justo de mim, a quem ela dizia que tinha uma inteligência limitada e  hoje, com uma  profunda dor e vergonha, admito que  minha irmã adotiva tinha razão. Enquanto eu me  regozijava com um plano de vingança pueril,  ela  estudava uma  estratégia para  sair da situação de dependência e conseguiu. Atualmente, enquanto eu faço empréstimo consignado para um bate e volta  na praia, com a inseparável caixa de isopor com a cerveja e os salgados, ela desfruta da gastronomia portuguesa, em Lisboa. Ela compra suas roupas na Europa, eu no  Brás. Ela vai às compras de carro em grandes hipermercados, eu vou a feira, puxando carrinho. Ela mora em uma cobertura, eu em um quarto e cozinha  com lavanderia coletiva. Ela freqüenta coquetéis,  teatro, exposições, eu  os shows promovidos  pela prefeitura  em espaço aberto gratuitos.
          A inveja, um dos sete pecados capitais   é a verdadeira responsável pelas privações de minha velhice porque dediquei anos de minha vida a observar e desejar o que era da outra, a planejar  vingança, quando poderia ter utilizado o tempo dedicado à cobiça ao aprimoramento pessoal para conseguir o que eu realmente desejava:  ser amada e admirada pelos  meus pais, um trabalho bem remunerado, um esposo, enfim, um lar feliz e com uma prole numerosa, férias em família e em Las Vegas.  Estou colhendo o que plantei. Não nos falamos, quando precisei de seu apoio financeiro, ela simplesmente virou-me as costas; não posso culpá-la afinal, quem quer estar ao lado de uma pessoa com inteligência limitada e invejosa?

Deixe seus comentários caso já tenha vivido situação semelhante.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Candidata a madrinha



          Em tempos idos, batizar uma criança era assumir a responsabilidade de  instruí-la na fé  e transformá-la em uma pessoa piedosa, segundo os preceitos da  Santa Madre Igreja Católica Apostólica Roma e os padrinhos eram escolhidos  entre os familiares dos  dois costados   e também entre as  pessoas próximas que professavam a mesma fé. O batismo é o primeiro dos sete sacramentos; o que introduz o sujeito ao seio da comunidade religiosa, perdoa o pecado original  e    confere ao batizado o privilégio de tornar-se  para sempre um filho de Deus e membro inalienável da Igreja de  Cristo. Neste ritual alguns símbolos estão  presentes, entre eles: Á água que purifica e liberta do pecado original, o óleo que representa a fortaleza do  Espírito Santo e confere  ao batizado a força necessária para vencer as lutas cotidianas. A vela que simboliza Cristo, a Luz do mundo e o sal que dá sabor e conserva, simboliza a sabedoria e é presságio dos alimentos divinos ““Vós sois o sal da terra...”(Mateus 5, 13) Bíblia de Jerusalém. No decorrer dos séculos  o batismo perdeu sua sacralidade e   foi reduzido apenas a  um evento comercial  e festivo e a nobre responsabilidade  moral dos padrinhos  de  conduzir o afilhado nas trilhas do Senhor perdeu-se nas brumas do tempo e  em seu lugar ficou a dura sina de presenteá-lo anualmente, por ocasião de seu aniversário natalício, natal, dia da criança, formatura  e recebê-los  em férias. Haja dinheiro e paciência!
          Enya  recebeu de sua irmã  o convite para batizar o seu filho. Solteira, solitária e sem filhos, aceitou com prazer, e   ingenuamente acreditou que o afilhado iria trazer cores aos seus dias  continuamente envolvidos em brumas de tristezas e ressentimentos. Por morarem em cidades distintas, começou uma  rigorosa economia, privando-se inclusive de uma refeição da noite, para conseguir o dinheiro das passagens e presente para o afilhado e com ansiedade, esperava o nascimento e o dia do batizado.   
          Na vida de Enya sempre houve uma peculiaridade: toda alegria sempre vinha acompanhada de uma grande tristeza, e, ciente desta sina, dobrava os joelhos e clamava ao Misericordioso para que o bebê nascesse forte e saudável. Como o fato ocorreu na década de 1980, e a facilidade das redes sociais ainda estavam para ser inventadas, o  telefone fixo era  o meio de comunicação à distância mais eficiente, porém  era privilégio de alguns, as noticias demoravam a chegar, já que o serviço mais eficiente para os pobre era o Correio e a carta simples, que é mais barata, Telegrama? Nem pensar!  Era pago por palavra e assim, ia correndo os dias.
          Em uma tarde fresca de primavera, Enya resolveu passar algumas horas em companhia de sua mãe, já que fora dispensada do trabalho em virtude de uma dedetização na Empresa e por coincidência, enquanto  degustavam um delicioso bolo de fubá com  erva doce e  tomavam café, ouviu-se  o grito tão esperado: “Carteiro”  finalmente chegara a carta de sua irmã, comunicando à avó  o nascimento e convidando-a para o batizado do neto, que aconteceria na próxima semana e, também explicava que havia hotéis baratos na cidade, caso ela desejasse participar do evento, já que não tinha como hospedá-la. O coração de Enya explodiu de alegria, esqueceu-se do bolo, da mãe e retornou rápido ao lar, na expectativa de também ter recebido a tão esperada missiva que de fato, estava à sua espera, na caixa de correios.
          As lágrimas que  escorreram de seus olhos não foram de alegria, mas de dor, decepção! Sua irmã, comunicava-a, que  escolhera outra pessoa para  batizar o primogênito porque ela morava distante e a nova madrinha escolhida, era vizinha e iria acompanhar o  crescimento da criança e  mais uma vez: uma grande alegria acompanhada de imensa tristeza.

Deixe o seu comentário, caso já tenha sofrido uma grande decepção   em família.
         
         

terça-feira, 10 de dezembro de 2019


Fotografias antigas e recordações
          Fez-se sucesso por muitos anos os álbuns de fotografia de  papel, porém,  com a digitalização de imagens, eles caíram em desuso e há, até pessoas, que nunca viram um, porém, quem os tinha, esqueceu-se deles no maleiro do guarda-roupa ou na parte inferir da estante, junto a outras quinquilharias especializadas em acumular ácaros e traças, sendo Rosalina, uma septuagénaria, ela têm uns três  ou mais, esquecidos em algum canto qualquer e, em 06 de dezembro, dia tradicional das famílias montarem a árvore de natal, em busca dos enfeites encontrou um, esqueceu-se da decoração e perdeu-se nas brumas do tempo.
          O registro em papel tem o poder de abrir as comportas do passado e não é fácil folheá-los, sem que  as  lágrimas brotem generosamente em olhos saudosistas. Sorte ou infelicidade, fato é que Rosalina encontrou exatamente o álbum que continha várias  fotos suas, em diferentes  épocas  e ao observá-las teve ciência  das marcas do tempo a começar  pelas mãos. Quando  ainda, uma balzaquiana, não tinha consciência da beleza e delicadeza de suas mãos alvas como o algodão, macias como a seda e sem manchas sênior. Passados  quarenta anos, ela percebe o quão ridículo é uma mulher acreditar que possa mentir a sua idade. O corpo, silenciosamente,  registra cada janeiro vivido.  Os olhos alegres, vivos e brilhantes, hoje estão cansados, escondidos atrás dos óculos e pálpebras  caídas. Os  cabelos fartos e sedosos, hoje, raros, opacos e ressecados, não agradecem  as caras hidratações e tinturas.
          O seu coração sangrou  ao olhar as fotos de biquini, pernas bem torneadas,  sem celulites, varizes, manchas de sol e verrugas
 - Meu Deus! Como a minha cintura era fina! - exclama com surpresa e com tristeza, percebe que atualmente ela se perdeu entre os tradicionais pneus e uma protuberante barriga que resiste a horas de  pesados exercícios em academias e dietas severas  e a contragosto, tornou-se  companheira inseparável.  E os lábios? Um dia, foram carnudos e sedutores, atualmente, finos e expressam somente sorrisos amarelos pelas tristezas acumuladas  na vida.
          Rosalina, perdida em seus devaneios, percebe-se que o envelhecimento chega de mansinho, sem que as pessoas se dêem contas das perdas. Perde-se a cada dia um pouco da alegria de viver, da esperança em dias melhores, da vontade de lutar, e nesta lista, acrescenta-se também, a perda do equilíbrio físico, tato, paladar, audição, visão, olfato, memória, a força física. E o que se ganha com a idade? Medo das condições em que ocorrerá a sua morte, do sofrimento que está por vir. O remorso pelos erros do passado. A angústia de  sua experiência de vida não ser exemplo para  os jovens, para que eles  não cometam os mesmos erros. E a tão falada sabedoria da maturidade? Ah! Ela é uma ilusão criada para aplacar a dor  causada pelas estupidezes da juventude e a famosa benevolência dos idosos nada mais é do que  falta de forças para persuadir a nova geração a seguir o mesmo caminho trilhado  por eles. – Envelhecer é doloroso! -  diz Rosalina  e num impulso,  
começa a chorar compulsivamente enquanto vai rasgando as fotografias,  que estão como ela,  estão envelhecidas pelo tempo.

Deixe o seu comentário como você têm lidado com o peso dos anos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Fim de namoro pelo WhatsApp



          Terminar um relacionamento é difícil e dói, principalmente para a parte que não desejava o fim, e neste contexto, é muito difícil tirar da mente  os pensamentos de vingança ou de investidas para reatar  o namoro. É um tanto irônico, mas usuários de WhatsApp e Facebook têm um forte aliado para evitar que a alma sofredora  humilhe – se, implorando um afeto que não existe mais: a possibilidade de bloquear a pessoa amada. Funciona melhor que ficar lamuriando com parentes e amigos porque as intenções de apoio podem ser conflitantes. Uns podem aconselhar a esquecer e seguir em frente em busca de  um novo amor, e outros, a arquitetar planos maliciosos para dar o troco, já  em redes sociais,  o processo é simplificado, bloqueia-se a pessoa e assim, o coração sangrará  silenciosamente até estancar o sangue da desilusão e a ferida cicatrizar.
          O coração de Rosalina  rejubilou-se enquanto em uma tarde quente de verão, caminhava tranquila pelas  ruas de  sua cidade e  foi abordada por um rapaz, que aparentava  ter a sua idade, e naquele  olhar analítico rápido, também percebeu que teria a mesma condição financeira que a sua, ou seja, pobre. Quando os sonhos  românticos da juventude  desaparecem nas brumas  do tempo e o coração sofre de  solidão crônica, outros valores passam a ter prioridades:  o desejo de ostentação financeira cede espaço para a necessidade de companheirismo, a ilusão de viver um conto de fadas torna-se ridícula porque com os janeiros  as pessoas percebem que respeito e  solidariedade são o que realmente importam na velhice, e acreditando que  finalmente encontrara o companheiro definitivo,  informou os seus contatos e seguiu feliz com a expectativa de finalmente, construir a sua vida ao lado de um homem, pobre, porém  honrado.
          Não demorou muito para ela perceber que as intenções dele não eram de  construir um lar, mas desfrutar  apenas dos prazeres da pouca juventude que ainda restava em seu corpo. Mesmo considerando a situação ridícula e humilhante, seguiu adiante por longos onze meses até  que em uma noite fresca de  primavera, ela  enviou-lhe uma mensagem cobrando mais a sua presença, e em  segundos, ele retornou pondo fim ao affair dos dois e dizendo que doravante somente amigos. Com o coração dilacerado, ela não titubeou, bloqueou-o  no Facebook e no WhastApp,  e também apagou o telefone dele de seu celular porque quando se tem uma grande  carência afetiva, a possibilidade de  implorar por migalhas de afeto é grande e Rosalina sabe que o seu desejo de ser amada,  tem suas raízes na infância e as marcas dos primeiros anos de vida, dificilmente desaparecem para sempre.


Deixe nos comentários  a sua opinião sobre o fim de relacionamentos  pelo WhatsApp ou outra rede  social