terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Gratidão ao ano de 2019



          Por que sou profundamente grata ao ano de 2019, apesar de todos os atropelos na política e das  sangrentas manchetes de jornais?  Porque  após 50 décadas de angústias, enfim, eu tive um ano sereno. Não quero dizer com isto que foi um ano de dinheiro jorrando  da conta, festas e mais festas, paixões arrebatadoras e amores ardentes. Nada disto! 2019  foi um ano  em que eu descobri a  minha verdadeira essência, quem realmente eu sou, não a pessoa que a minha  mãe queria que eu fosse.  E esta descoberta aconteceu naturalmente. Com uma parca aposentadoria, mudei-me para uma cidade praiana, conheci pessoas humildes e descobri  o  prazer das coisas simples, como caminhar no calçadão ao entardecer,  sentar na areia apreciando o azul do mar e ouvindo o marulhar das ondas. Outra descoberta, na qual aprendi o verdadeiro sentido do viver, foi a  convivência nos grupos de terceira idade. Estar juntos,  sem competição, pautada na solidariedade, permitiu que  a  minha verdadeira identidade, que fora sufocada pela  pressão materna,  induzindo-me  a perseguir uma vida de  glamour, em outras querências, florescesse e posso dizer, com segurança, que teria sido bem mais feliz, se  não tivesse deixado minha terra natal em busca de um sonho, que não era meu. Eu teria sido bem mais feliz, em um bairro periférico, cuidando da casa, dos filhos, marido e tomando  a fresca, nas noites quentes, conversando com os vizinhos, visitando os parentes aos domingos, recebendo-os em casa, participando das festas  tradicionais da cidade,enfim, uma vida normal.
          Mas o que foi a minha vida? Foi uma perseguição árdua de uma verdade que não era minha! Sempre na periferia, sonhando em morar e conviver com pessoas dos bairros nobres, mas a intransponível barreira  do dinheiro, sempre impediu-me de estar, onde  eu imaginava que gostaria de estar. Questiono-me sempre, sobre a minha força de vontade, que não fui capaz de lutar  o suficiente, procrastinei muito, não aperfeiçoei-me em nada, não domino nenhum assunto, gastei tempo e dinheiro em congressos, seminários, palestras  e exposições artísticas, e nunca consegui entender a razão dos eventos, impossibilitada de conversar a respeito por não ter base cultural e discernimento do assunto em questão.Queria apenas parecer chic! Deve ser isto? A infelicidade e a incompetência, também foram minhas companheiras  durante minha vida profissional. Por que afirmo categoricamente o meu fracasso profissional? Durante os 30 anos de trabalho, nunca consegui uma promoção, apesar dos esforços, nunca vi a minha foto no painel do funcionário do mês, nunca  recebi um convite profissional. Vários colegas saíam das empresas, já para outra, a convite. Eu sempre bate à porta do patrão, enfrentei filas, fiz testes, participei de dinâmicas,  e sempre conseguia estar o chão da fábrica. Admito, não fui, não sou e acredito não ser jamais, uma boa profissional. Eu teria sido boa esposa, boa mãe, boa nora, porém, não consegui discernir  o meu eu verdadeiro,  uma pessoa que queria apenas ser amada e  persegui um sonho que não  meu, o sonho do luxo,  status social. Não  consegui realizar nenhum dos dois, vivi décadas de angústias e privações, para finalmente, com a aposentadoria, encontrar a serenidade  em uma vida simples, com apenas um desejo a realizar. Viver um relacionamento sério, pautado no respeito e companheirismo. Obrigada  ao ano do porco!
Rosalina, 31 de dezembro de 2019
         

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Mala e ninho vazio



          Engana – se quem pensa que a síndrome do ninho vazio afeta somente as mães. Outras pessoas, como vizinhas, tia, madrinhas, avós, que formaram laços  afetuosos com uma criança, quando esta  parte em busca de seus ideais, sofrem profundamente, apesar de ter ciência que as mudanças são inerentes à vida e    são divididas em três fases marcantes.
I – O período de  crescimento, quando se assimila o mundo  e vai lentamente se preparando para a maturidade e distribuem carinho generosamente;
II – O tão esperado   período da maturidade,  nesta fase, os  processos biológicos estão  voltados  manutenção, reparo, procriação e o mental para realização profissional, aventuras de descobertas de novos horizontes, aventuras e afirmação pessoal e, desligamento do  ninho familiar;
III – E por fim, o não muito esperado período do declínio biológico e mental. O intercâmbio biológico  torna-se lento em relação às necessidades de renovação  e à morte fica cada dia mais próxima. Concomitante ás perdas  característica desta fase, surgem outras necessidades. O desejo de companhia, de reconhecimento  do tempo dedicado aos familiares e amigos que ainda estão vivos,  e este sentimento é mais forte, naquelas  mulheres que abdicaram da maternidade em prol da carreira profissional, e agora se vêem sozinhas e carentes,  cujo afeto guardado no peito, são destinados, prioritariamente a afilhados e sobrinhos que já passaram da fase de querê-las por perto, agora são arrimos de família, outras responsabilidades e objetivos profissionais.
          As lembranças são dolorosas! As lágrimas secaram e já não  mais é possível aliviar a dor no  coração chorando até cansar. Não há mais ombro amigo para ouvir as suas lamurias, restam-lhes apenas ruminar  os fatos, como Rosalina, que relembra incessantemente o  último dia  que recebeu o afilhado, a quem dedicou grande afeto e dinheiro. Ele chegou com uma mala nova, sem perceber que ela estava vazia; ao ser indagado a razão do objeto, já que suas roupas estavam cuidadosamente lavadas e passadas, na parte do guarda-roupa a ele destinado. Objetos de higiene pessoal,  eletrônicos e sapatos, tudo permaneciam  em suas gavetas, na cômoda. A explicação não convenceu: Alegou  que estava  levando-a para o seu irmão que planeja viajar, a madrinha fez que acreditou na  mentira deslavada, a criança ainda  é menor e não pode viajar  e nem poderá  nos próximos cinco anos. Com tristeza, a madrinha observa outras mudanças:
I – Aparência – adotou um visual destoante com as  tradições de sua de família e terra natal. Roupas pretas, justas e bermudas mais curtas e pouco adepto à higiene pessoal;
II -  Maus modos à mesa. Além de  comer rápido, vorazmente, o fazia em silêncio. Finda as refeições, não se oferecia para  ajudar a tirar a mesa. Alegava cansaço, enjoo, e dormia, ou fingia dormir até a hora da próxima refeição. Nos intervalos destas sonecas e refeições, agarrava-se ao celular como se este fosse a salvação de todos os problemas ambientais do mundo. Mas, se  a madrinha  convidava-o a sair, em passeios  turísticos pela cidade, pagando as despesas  de condução e lanche, tinha  cura súbita e a indisposição retornava, assim que pisava em casa  e, se ela pedia  auxílio em alguma tarefa doméstica ou com os eletrônicos, ele o fazia de má vontade e com descuido, mais atrapalhando do que ajudando.
III – O menino falante e amoroso desapareceu e, em seu lugar, nasceu um rapaz, autoritário, arrogante, falso e quando arriscava falar, era para reclamar e colocar defeito em tudo e todos e apresentar soluções fantasiosas para os problemas alheios, sendo incapaz de resolver os seus.
IV – Para a visita do afilhado amado, Rosalina  gastou o que não podia no mercado, para oferecer-lhe refeições tradicionais e saborosas, e,  cheia de boas intenções, comprou um vinho sem álcool para que juntos, comemorassem o seu primeiro emprego. Para o seu espanto, percebeu o quão ele entendia da bebida e juntando um  comentário ao outro, percebeu que ele já faz uso da bebida, além de desdenhar  o produto nacional. Esforçou-se para que ele não percebesse a sua frustração, ao notar que  ele está se transformando na pessoa que ele, desde a mais tenra idade criticou: o próprio pai, um alcoólatra, autoritário e promíscuo.
V – Rosalina refere-se esta última visita como a convivência do silêncio. Em casa, em transito, em eventos, ele apenas respondia com monossílabas,  não se engajava em um assunto. O rosto expressava um  tédio constante, e, foi com alívio que ela  recebeu a notícia que ele iria partir. Enquanto  lavava a louça, ele fez a mala e partiu. Ao retomar a sua rotina diária, ela teve ciência que aquela  fora a última vez que o receberia em seu lar, porque ele levou  todos os seus pertences, razão pela qual, ele chegou com a  mala vazia e deixo o ninho vazio.

sábado, 28 de dezembro de 2019

Cerrado: Bioma em extinção




          Rosalina percorre as grandes redes de supermercados, mercadinhos de bairro, feiras livres em busca de  araticum,  uma das grandes  riquezas do cerrado, porém, seus olhos apenas  encontram,  prioritariamente, as frutas que foram introduzidas no país pelos colonizadores: maçã, pêra, uva, laranja entre outras e nenhuma  nativa do cerrado: amora preta, araticum, ananás,  bacupari, buritici, murici, cagaita, cajuzinho do cerrado, gabiroba, gravatá, jatobá, jenipapo, lobeira, mangaba, pequi, pitanga, pêra –do- cerrado entre outras delicias de alto valor nutricional. Desiludida  retorna ao lar, sua tristeza não é apenas por não ter adquirido uma fruta que fez parte de sua infância, mas, principalmente, pela certeza que o não consumo dos frutos  nativos pela população urbana  é uma  perda cultural irreparável e, sinônimo de desmatamento, seja para pastagens ou  monocultura.
          Gritar algo mundo, que é preciso  preservar a biodiversidade brasileira é necessário e importante, mas  não é o suficiente, é preciso atitude individual, de cada cidadão brasileiro. Consumir um fruto do cerrado é mais do que desfrutar de um sabor peculiar: é ajudar a preservar o   bioma e toda a riqueza de sua fauna e flora. É contribuir com a geração de renda  das populações rurais que farão a coleta dos frutos. É ajudar a preservar a caixa d’água do Brasil, por que o cerrado é berço de inúmeras  nascentes.
          A escola e os meios de comunicação  não incentivam a inclusão dos frutos do cerrado na alimentação diária. As famílias, onde se  formam os hábitos alimentares, parece que esqueceram o que um dia aprenderam que uma pequena atitude individual e  diária, se torna grande, quando juntas. Por acreditar nessa premissa, Roslina continua a sua luta diária,  postando em sua redes  sociais,  receitas com frutos do cerrado, perguntando aos feirantes, e quando encontra, faz questão de oferecer às pessoas próximas, talvez ela não possa ver o resultado de sua luta, mas quem sabe num futuro próximo,  o sabor peculiar do araticum possa ser apreciado pelas crianças, em creches, e em todo o país.

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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Natal solitário



       Nasci no alto do Morro, pelas mãos da parteira Dona Zica, uma santa, que acudia as parturientes da favela em sua hora. Quem já ouviu, na voz da grande Marlene, o samba de carnaval, Lata d’água,  dos compositores Luiz Antônio de Jota  Júnior, consegue imaginar  que a vida daquelas mulheres, no início do século XX não era fácil, moravam em barracos, sem nenhum saneamento básico e parindo um filho por ano. A criançada, em meio a tanta miséria, era feliz porque não conhecia outra forma de viver, algumas privilegiadas, como eu, quando completavam sete anos de idade, passavam a frequentar a  escola, que ficava a uns três quilômetro do Morro e com a ampliação de meus horizontes de  favelada,  começou a minha infelicidade porque comecei a desejar o que eu  sequer sabia que existia, como comemorações de aniversário e natal. Não sei a razão pela qual  minha família e vizinhos não frequentavam  a igreja, e assim, ao ouvir as novas colegas falarem do Menino Deus e  papai Noel, minha imaginação  entrava em ação. Eu era discriminada pela minha timidez e aparência maltrapilha, pés descalços e  nenhuma etiqueta social, apenas ouvia as  colegas discorrerem sobre as alegrias das comemorações natalina e  presentes  generosos que esperavam receber do bom velhinho. Uma vez arrisquei a perguntar à minha mãe  quem era o papai Noel e o que eu deveria fazer para ganhar  um presente dele, com desdém, ela respondeu que ele presenteava apenas as crianças ricas, que colocam os sapatinhos na janela, na noite de natal.  Meu barraco não tinha janela, e eu não sabia qual noite era a de natal e acalentei este sonho durante uns três anos. Quando mudamos para um barraco melhor, que havia uma janela, eu já contava com  uns dez anos de idade, já havia feito uma ou duas amizades  na escola e um fio de esperança nasceu em  meu coração e graças a estas amizades descobri tudo sobre o natal, do ponto de vistas de meninas, com um poder aquisitivo bem maior que o meu.
       Enfim chegou a tão esperada noite de natal! Fiquei na cama acordada até ouvir o ressonar dos meus pais, aí, levantei-me na ponta dos  pés, coloquei minhas sandálias gastas  na janela e entreguei-me aos braços de Morfeu  e  não ouvi  o cantar do galo anunciando a aurora. Fui acordada com  as gargalhadas de deboche de meus pais, rindo de minha inocência ao acreditar que o papai Noel fosse subir o Morro para deixar um brinquedo  para  mim e até o  último suspiro, eles lembram   deste episódio o que deixava-me profundamente humilhada e crescia o desejo secreto de   vivenciar o natal tradicional, como os ricos: Missa do galo, ceia de   natal, presentes, abraços. Isto não aconteceu enquanto eu residi com os meus pais, mas como quem nasce na periferia, apenas troca de periferia, fui trabalhar em casa de família,  enquanto todos festejavam, eu servia-os e depois, recolhia em  lágrimas, à solidão de meu quarto de empregada.
       Os anos  se passaram, saí do emprego doméstico e fui para uma empresa de prestação de serviço 24 por dia, 365 dias por ano e finalmente, eu consegui vivenciar pela primeira vez a tão sonhada experiência natalina: Amigo secreto, ceia oferecida pelo patrão, abraços e retorno ao trabalho. Foi  lindo!  Durante  vinte  longos anos, eu fazia questão de trabalhar na véspera de natal, simplesmente para  estar ao lado de alguém porque confraternizar com estranhos, é melhor que estar sozinha. Com a minha melhora financeira, finalmente acreditei que enfim, iria comemorar em família esta data, mas não deu certo, mais uma vez minha boa vontade foi desdenhada. Tentei trazer  as amigas para o meu natal, mas esbarrei em outro obstáculo, já que todas optam por comemorar com os parentes.  Em uma medida de desespero, ofereci-me como voluntária na igreja, para de uma maneira ou outra, ter com quem comemorar e foi mais uma derrota, minha falta de tato social, fez com que eu fosse gentilmente  convidada a deixar o voluntariado.
       A aposentadoria chegou e com ela  o baixo salário, o círculo de amizades renovou-se, com pessoas do mesmo poder aquisitivo, porém, com boas relações familiares e que não desejam mulher avulsa agregada para festejar e o que já era triste permanece triste já que esta é a sina de quem não pode fazer um cruzeiro ou qualquer outra viagem  nesta data, menos ainda, comprar o peru para assar para uma ceia solitária.

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Corroída pela inveja




Eu sou Caetana, goiana, tenho 70 anos e esta é a história  de  meus fracassos, consequências de  eu ter despendido muito tempo e energia em ruminar  a imensa inveja que sinto de minha irmã adotiva e de todo o carinho e admiração a ela dispensada  por parte de minha genitora, e a mim, filha legítima, desde a mais tenra idade, além da falta de atenção, críticas exacerbadas, todo o trabalho pesado da casa, daqueles idos tempos em que a tecnologia   avançada  em casa de pobre era o fogão a lenha com serpentina e  que proporcionava um delicioso banho de chuveiro  e quente, e o melhor, adeus  aos banhos  em grandes bacias de alumínios, o famoso banho de canequinha. A  minha rotina era pesada! Eu  pulava da cama às seis horas da manhã e iniciava a lida, enquanto minha irmã ficava na cama  até a hora do almoço, sendo que eu era a mais nova, quem deveria gozar deste privilégio. Após  o jantar, ela recolhia-se aos seus aposentos enquanto eu tinha que cuidar da louça, alimentar os animais domésticos e às vezes, de tão exausta, sequer escovava os dentes  antes de ir para a cama. Não sei precisar a data  em que este destrutivo sentimento penetrou em meu coração e fez dele o seu lar definitivo, apenas  que em todas as minhas lembranças, ele se faz  presente.
Eu sempre invejei:
I – O carinho dispensado a ela pelos nossos pais;
II – A sua inteligência;
III – A sua educação;
IV – A sua facilidade  nos estudos, sua capacidade de discernimentos dos texto mais complexos,  sua fluência verbal, o uso impecável da língua materna;
V - O seu bom gosto musical, literário e para se vestir;
VI – A sua capacidade de concentração na leitura;
VII – A sua facilidade em atrair a atenção dos  rapazes;
VIII - A  sua facilidade em fazer amizades fiéis e duradouras;
XIX -  A sua diplomacia;
X – A sua capacidade  estratégica para alcançar os seus objetivos sem muito esforço;
XI - A sua inimitável capacidade de vitimizar – se para eximir-se de culpa e transferi-la a outrem;
XII – A sua capacidade de fazer-se amada e  admirada em coisas pequenas e também, a sua altivez;
XIII = A sua  facilidade em conseguir  bons trabalhos;
XIV - A  sua inacreditável capacidade de receber ajuda financeira de parentes , sem necessidade de retorno;
XV - A sua  admirável  habilidade em não ser  flagrada  infringindo as  regras da família e, quando acusada,  fazer-se acreditar por todos em suas  explicações fictícias.
          Consumindo meus dias  com este sentimento destrutivo, sem entusiasmo  nos estudos e em subempregos, rejubilei-me quando  os  percalços da vida fizeram com que ela caísse em desgraça financeira  e conjugal, e eu solícita e amorosa ofereci ajuda econômica, não por generosidade, por amor ao próximo, mas para que os familiares e amigos percebessem o quão  boa eu era ao ampará-la, quanto todos lhe viraram as coisas, porém, a razão maior que fez com que eu, por dez  anos, a sustentasse  e também  aos seus filhos  é inconfessável: o prazer de vê-la dependendo  justo de mim, a quem ela dizia que tinha uma inteligência limitada e  hoje, com uma  profunda dor e vergonha, admito que  minha irmã adotiva tinha razão. Enquanto eu me  regozijava com um plano de vingança pueril,  ela  estudava uma  estratégia para  sair da situação de dependência e conseguiu. Atualmente, enquanto eu faço empréstimo consignado para um bate e volta  na praia, com a inseparável caixa de isopor com a cerveja e os salgados, ela desfruta da gastronomia portuguesa, em Lisboa. Ela compra suas roupas na Europa, eu no  Brás. Ela vai às compras de carro em grandes hipermercados, eu vou a feira, puxando carrinho. Ela mora em uma cobertura, eu em um quarto e cozinha  com lavanderia coletiva. Ela freqüenta coquetéis,  teatro, exposições, eu  os shows promovidos  pela prefeitura  em espaço aberto gratuitos.
          A inveja, um dos sete pecados capitais   é a verdadeira responsável pelas privações de minha velhice porque dediquei anos de minha vida a observar e desejar o que era da outra, a planejar  vingança, quando poderia ter utilizado o tempo dedicado à cobiça ao aprimoramento pessoal para conseguir o que eu realmente desejava:  ser amada e admirada pelos  meus pais, um trabalho bem remunerado, um esposo, enfim, um lar feliz e com uma prole numerosa, férias em família e em Las Vegas.  Estou colhendo o que plantei. Não nos falamos, quando precisei de seu apoio financeiro, ela simplesmente virou-me as costas; não posso culpá-la afinal, quem quer estar ao lado de uma pessoa com inteligência limitada e invejosa?

Deixe seus comentários caso já tenha vivido situação semelhante.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Candidata a madrinha



          Em tempos idos, batizar uma criança era assumir a responsabilidade de  instruí-la na fé  e transformá-la em uma pessoa piedosa, segundo os preceitos da  Santa Madre Igreja Católica Apostólica Roma e os padrinhos eram escolhidos  entre os familiares dos  dois costados   e também entre as  pessoas próximas que professavam a mesma fé. O batismo é o primeiro dos sete sacramentos; o que introduz o sujeito ao seio da comunidade religiosa, perdoa o pecado original  e    confere ao batizado o privilégio de tornar-se  para sempre um filho de Deus e membro inalienável da Igreja de  Cristo. Neste ritual alguns símbolos estão  presentes, entre eles: Á água que purifica e liberta do pecado original, o óleo que representa a fortaleza do  Espírito Santo e confere  ao batizado a força necessária para vencer as lutas cotidianas. A vela que simboliza Cristo, a Luz do mundo e o sal que dá sabor e conserva, simboliza a sabedoria e é presságio dos alimentos divinos ““Vós sois o sal da terra...”(Mateus 5, 13) Bíblia de Jerusalém. No decorrer dos séculos  o batismo perdeu sua sacralidade e   foi reduzido apenas a  um evento comercial  e festivo e a nobre responsabilidade  moral dos padrinhos  de  conduzir o afilhado nas trilhas do Senhor perdeu-se nas brumas do tempo e  em seu lugar ficou a dura sina de presenteá-lo anualmente, por ocasião de seu aniversário natalício, natal, dia da criança, formatura  e recebê-los  em férias. Haja dinheiro e paciência!
          Enya  recebeu de sua irmã  o convite para batizar o seu filho. Solteira, solitária e sem filhos, aceitou com prazer, e   ingenuamente acreditou que o afilhado iria trazer cores aos seus dias  continuamente envolvidos em brumas de tristezas e ressentimentos. Por morarem em cidades distintas, começou uma  rigorosa economia, privando-se inclusive de uma refeição da noite, para conseguir o dinheiro das passagens e presente para o afilhado e com ansiedade, esperava o nascimento e o dia do batizado.   
          Na vida de Enya sempre houve uma peculiaridade: toda alegria sempre vinha acompanhada de uma grande tristeza, e, ciente desta sina, dobrava os joelhos e clamava ao Misericordioso para que o bebê nascesse forte e saudável. Como o fato ocorreu na década de 1980, e a facilidade das redes sociais ainda estavam para ser inventadas, o  telefone fixo era  o meio de comunicação à distância mais eficiente, porém  era privilégio de alguns, as noticias demoravam a chegar, já que o serviço mais eficiente para os pobre era o Correio e a carta simples, que é mais barata, Telegrama? Nem pensar!  Era pago por palavra e assim, ia correndo os dias.
          Em uma tarde fresca de primavera, Enya resolveu passar algumas horas em companhia de sua mãe, já que fora dispensada do trabalho em virtude de uma dedetização na Empresa e por coincidência, enquanto  degustavam um delicioso bolo de fubá com  erva doce e  tomavam café, ouviu-se  o grito tão esperado: “Carteiro”  finalmente chegara a carta de sua irmã, comunicando à avó  o nascimento e convidando-a para o batizado do neto, que aconteceria na próxima semana e, também explicava que havia hotéis baratos na cidade, caso ela desejasse participar do evento, já que não tinha como hospedá-la. O coração de Enya explodiu de alegria, esqueceu-se do bolo, da mãe e retornou rápido ao lar, na expectativa de também ter recebido a tão esperada missiva que de fato, estava à sua espera, na caixa de correios.
          As lágrimas que  escorreram de seus olhos não foram de alegria, mas de dor, decepção! Sua irmã, comunicava-a, que  escolhera outra pessoa para  batizar o primogênito porque ela morava distante e a nova madrinha escolhida, era vizinha e iria acompanhar o  crescimento da criança e  mais uma vez: uma grande alegria acompanhada de imensa tristeza.

Deixe o seu comentário, caso já tenha sofrido uma grande decepção   em família.
         
         

terça-feira, 10 de dezembro de 2019


Fotografias antigas e recordações
          Fez-se sucesso por muitos anos os álbuns de fotografia de  papel, porém,  com a digitalização de imagens, eles caíram em desuso e há, até pessoas, que nunca viram um, porém, quem os tinha, esqueceu-se deles no maleiro do guarda-roupa ou na parte inferir da estante, junto a outras quinquilharias especializadas em acumular ácaros e traças, sendo Rosalina, uma septuagénaria, ela têm uns três  ou mais, esquecidos em algum canto qualquer e, em 06 de dezembro, dia tradicional das famílias montarem a árvore de natal, em busca dos enfeites encontrou um, esqueceu-se da decoração e perdeu-se nas brumas do tempo.
          O registro em papel tem o poder de abrir as comportas do passado e não é fácil folheá-los, sem que  as  lágrimas brotem generosamente em olhos saudosistas. Sorte ou infelicidade, fato é que Rosalina encontrou exatamente o álbum que continha várias  fotos suas, em diferentes  épocas  e ao observá-las teve ciência  das marcas do tempo a começar  pelas mãos. Quando  ainda, uma balzaquiana, não tinha consciência da beleza e delicadeza de suas mãos alvas como o algodão, macias como a seda e sem manchas sênior. Passados  quarenta anos, ela percebe o quão ridículo é uma mulher acreditar que possa mentir a sua idade. O corpo, silenciosamente,  registra cada janeiro vivido.  Os olhos alegres, vivos e brilhantes, hoje estão cansados, escondidos atrás dos óculos e pálpebras  caídas. Os  cabelos fartos e sedosos, hoje, raros, opacos e ressecados, não agradecem  as caras hidratações e tinturas.
          O seu coração sangrou  ao olhar as fotos de biquini, pernas bem torneadas,  sem celulites, varizes, manchas de sol e verrugas
 - Meu Deus! Como a minha cintura era fina! - exclama com surpresa e com tristeza, percebe que atualmente ela se perdeu entre os tradicionais pneus e uma protuberante barriga que resiste a horas de  pesados exercícios em academias e dietas severas  e a contragosto, tornou-se  companheira inseparável.  E os lábios? Um dia, foram carnudos e sedutores, atualmente, finos e expressam somente sorrisos amarelos pelas tristezas acumuladas  na vida.
          Rosalina, perdida em seus devaneios, percebe-se que o envelhecimento chega de mansinho, sem que as pessoas se dêem contas das perdas. Perde-se a cada dia um pouco da alegria de viver, da esperança em dias melhores, da vontade de lutar, e nesta lista, acrescenta-se também, a perda do equilíbrio físico, tato, paladar, audição, visão, olfato, memória, a força física. E o que se ganha com a idade? Medo das condições em que ocorrerá a sua morte, do sofrimento que está por vir. O remorso pelos erros do passado. A angústia de  sua experiência de vida não ser exemplo para  os jovens, para que eles  não cometam os mesmos erros. E a tão falada sabedoria da maturidade? Ah! Ela é uma ilusão criada para aplacar a dor  causada pelas estupidezes da juventude e a famosa benevolência dos idosos nada mais é do que  falta de forças para persuadir a nova geração a seguir o mesmo caminho trilhado  por eles. – Envelhecer é doloroso! -  diz Rosalina  e num impulso,  
começa a chorar compulsivamente enquanto vai rasgando as fotografias,  que estão como ela,  estão envelhecidas pelo tempo.

Deixe o seu comentário como você têm lidado com o peso dos anos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Fim de namoro pelo WhatsApp



          Terminar um relacionamento é difícil e dói, principalmente para a parte que não desejava o fim, e neste contexto, é muito difícil tirar da mente  os pensamentos de vingança ou de investidas para reatar  o namoro. É um tanto irônico, mas usuários de WhatsApp e Facebook têm um forte aliado para evitar que a alma sofredora  humilhe – se, implorando um afeto que não existe mais: a possibilidade de bloquear a pessoa amada. Funciona melhor que ficar lamuriando com parentes e amigos porque as intenções de apoio podem ser conflitantes. Uns podem aconselhar a esquecer e seguir em frente em busca de  um novo amor, e outros, a arquitetar planos maliciosos para dar o troco, já  em redes sociais,  o processo é simplificado, bloqueia-se a pessoa e assim, o coração sangrará  silenciosamente até estancar o sangue da desilusão e a ferida cicatrizar.
          O coração de Rosalina  rejubilou-se enquanto em uma tarde quente de verão, caminhava tranquila pelas  ruas de  sua cidade e  foi abordada por um rapaz, que aparentava  ter a sua idade, e naquele  olhar analítico rápido, também percebeu que teria a mesma condição financeira que a sua, ou seja, pobre. Quando os sonhos  românticos da juventude  desaparecem nas brumas  do tempo e o coração sofre de  solidão crônica, outros valores passam a ter prioridades:  o desejo de ostentação financeira cede espaço para a necessidade de companheirismo, a ilusão de viver um conto de fadas torna-se ridícula porque com os janeiros  as pessoas percebem que respeito e  solidariedade são o que realmente importam na velhice, e acreditando que  finalmente encontrara o companheiro definitivo,  informou os seus contatos e seguiu feliz com a expectativa de finalmente, construir a sua vida ao lado de um homem, pobre, porém  honrado.
          Não demorou muito para ela perceber que as intenções dele não eram de  construir um lar, mas desfrutar  apenas dos prazeres da pouca juventude que ainda restava em seu corpo. Mesmo considerando a situação ridícula e humilhante, seguiu adiante por longos onze meses até  que em uma noite fresca de  primavera, ela  enviou-lhe uma mensagem cobrando mais a sua presença, e em  segundos, ele retornou pondo fim ao affair dos dois e dizendo que doravante somente amigos. Com o coração dilacerado, ela não titubeou, bloqueou-o  no Facebook e no WhastApp,  e também apagou o telefone dele de seu celular porque quando se tem uma grande  carência afetiva, a possibilidade de  implorar por migalhas de afeto é grande e Rosalina sabe que o seu desejo de ser amada,  tem suas raízes na infância e as marcas dos primeiros anos de vida, dificilmente desaparecem para sempre.


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sábado, 30 de novembro de 2019

Carestia em casa de pobre



          Tem coisas que sempre existiram desde que o mundo é mundo, e tem coisas que não há como mudar, por mais que o homem tente intervir na criação divina e uma delas é a carestia em casa de pobre.  No outono é a época da grande safra da natureza,  mas o citadino  está distante dela e o roceiro não sabe apreciar a riqueza de seus frutos. No inverno, o  frio chega para todos, os dias ficam menores e as noites mais  longas e o corpo sofre com a temperatura . Na primavera, chuvas esparsas, a beleza das flores e alegria dos pássaros invade os prados, porém, os casebres continuam sombrios. No verão, férias, praia e mar convidam, mas a carteira continua vazia, o trabalho  pesado, porém,  a carestia continua   em casa de pobre.
          Passam-se os anos, mudam-se as leis,  os governos,  a tecnologia avança, o homem desbrava o espaço, novas religiões surgem, novos cursos universitários, mas a carestia continua fincada na casa do pobre.
          A ciência pode provar que o sol não emite calor, que a água do mar não é salgada e que a lua tem brilho próprio, porém ela será incapaz  de negar a carestia  da casa do pobre.
          Nem mesmo a criação de programas sociais como cotas universitárias, Fies, Prouni, bolsa família,  minha casa minha vida, nada  disso será capaz de  expulsar a carestia da casa do pobre.
          Existem aqueles que acreditam  em meritocracia,  reencarnação, em carma a ser cumprido, maldição, sina, castigo de Deus e  existem aqueles que  apenas creem  na perenidade da carestia em casa de pobre.
          Enquanto alimentos são desperdiçados durante o transporte, em  suntuosos banquetes nas mansões dos milionários, a carestia  segue firme na casa do pobre.
          A ciência avança, as   igrejas, escolas e famílias abastadas procuram adequar-se aos novos tempos e a  carestia continua despreocupada nas casas dos pobres.
          O universo segue o seu ritmo indiferente  ao desejo  do homem  de desbravá-lo e dominá-lo igualzinho a carestia em casa de pobre porque assim sempre foi e assim sempre será, apesar dos  inflamados  discursos durante as campanhas eleitorais.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Economia no mercado



        A velhice chega para todos, exceto os que ficaram no meio do caminho, em outros países não se sabe, mas no Brasil,  o sofrimento dos idosos é triplo.
Primeiro porque  a aposentadoria mal dá para os remédios e contas básicas, como luz, condomínio,IPTU, destas, ninguém escapa e a alimentação que fica a cada dia mais comprometida.
O segundo sofrimento é decorrente da maneira como educou os filhos, priorizando o trabalho, os amigos, deixando-os de lado e agora, eles repetem o comportamento, e sequer  enviam mensagem via redes sociais para saber como estão, se precisam de alguma ou coisa.
O terceiro e mais doloroso é o remorso pelas escolhas erradas sejam profissionais, amorosas e educação dos filhos que eram  vistos como um entrave em sua juventude e, agora, em sua solidão, percebe o quão ingênuo foram  em não priorizar os laços de  família: amor, respeito, companheirismo, solidariedade e compaixão.
Agora, na solidão de sua casa vazia, sofre o coração e o estômago. O coração por carência de calor humano e o estômago porque não há alimento suficiente em casa, e quando vão ao mercado, é no dia de oferta, compra-se somente o produto da promoção do dia e  os prazeres da mesa, da boa gastronomia somente  em  sonhos.
Triste demais!  A pessoa trabalhar em média 35 anos e em sua velhice ser forçada a economizar no  supermercado o alimento necessário para garantir o mínimo de saúde.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Chuvas de primavera



          A primavera é a estação mais linda do ano somente para as pessoas abastadas ou aquelas, que por  sorte, moram em casas ou apartamento que foram construídos por pessoas  sérias, porém, aqueles que gastaram as economias de uma vida e  endividaram – se  na aquisição de seu imóvel  popular, além de outras privações, somar-se-a mais   uns pequenos problemas  ao iniciar a  temporada das  águas, as tão famosas chuvas das flores, como   se diz no meio rural.
          Uma coisa puxa a outra. Pouco dinheiro é sinônimo de profissionais despreparados ou até mesmo irresponsáveis e   serviços mal feitos e  sofrimento perene dos moradores  porque estes não dispõem de recursos para fazer os reparos necessários para combater a umidade, goteiras, infiltrações, e a água que escorre generosamente pelas fretas das janelas que não foram instaladas de maneira correta, principalmente nos dias de  tempestades  com ventos fortes.
          Com ter tempo para ouvir o piar dos pássaros, as flores que brotam nas frestas das calçadas, ouvirem o vento se a vida dos moradores é torcer panos, na tentativa de secar a casa, limpar interior dos  armários no combate diário  contra o mofo? Como apreciar a beleza da estação, se seus olhos estão sempre voltados para as perdas anuais em conseqüências de  um serviço mal feito? A culpa não é da chuva e sim, dos profissionais irresponsáveis ou incompetentes. Suspirar e trabalhar é a sina do pobre, que dorme sonhando com a inundação de sua casa e até de seu apartamento, com a água que entra pela fresta da janela.

Deixe o seu comentário se  você também sofre com as chuvas

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Formatura traumática



Desde tempos imemoriais o homem celebra: a partida  e o retorno da caça, o nascimento, a  maturidade e a morte, e com o surgimento da escrita e a criação  das escolas, um novo ritual nasceu: o da formatura! Acredita-se que esta celebração tem suas raízes  nas Universidades Medievais no século XI, na França e em Paris,  a cidade luz, das artes, da cultura, boemia, alta costura e gastronomia;  e na Itália, em Bolonha, a cidade vermelha que encanta moradores e turistas com os prédios  milenares em terracota e ornamentados com pórticos que cobrem as calçadas, além dos arcos que além de embelezar,  protege  o caminhante  do sol escaldante do verão e das frias e fortes chuvas durante a estação das águas. Naqueles idos tempos, o discípulo ao se tornar mestre ou  artesão, no final da cerimônia, ele recebia  um testemunho de habilidade, atualmente   conhecido como  diploma.
Tantos são os saberes e todos tem o seu espaço na sociedade e por mais simples que seja o curso, a celebração  da conclusão de um ciclo de estudos é necessária. Não importa o grau de sofisticação ou simplicidade, o que vale é celebrar a vitória em um ritual de passagem  capaz de fixar os valores da cultura dos participantes. O poder dos rituais está em sua capacidade de  devolver ao indivíduo  a consciência   de que na sociedade e na natureza deve prevalecer sempre a solidariedade, a cooperação e a interdependência  entre os homens e a terra. Durante 100 horas de aulas, alunas de um curso de capacitação de mulheres feministas efetuaram vários trabalhos para celebrar a vitória do saber sobre a ignorância.

Diz um velho adágio popular, “que o que começa  errado, termina errado”  e  mais uma  vez a sabedoria tradicional comprovou sua eficácia. O curso iniciou-se com 100 participantes, formaram 10. E as possíveis falhas serão analisadas uma a uma.
I -  A recepção – Por se tratar de um movimento   popular  voluntário,  os coordenadores não eram os mais eficazes, mas aqueles que se dispuseram a trabalhar sem remuneração e não souberam proporcionar aos iniciantes, nem uma boa acolhida, menos ainda, esclarecimentos  sobre  o movimento, seus objetivos, seu campo de atuação e sua importância para as mulheres em situação de vulnerabilidade
II - Falas contraditórias. Na tentativa de  explicar o movimento,  repetiu-se a exaustão que  lá eram todas apenas mulheres, sem distinção de classe social, étnica, credo e que não havia  qualquer vínculo com partidos políticos. Mas  já na primeira aula, a palestrante   voluntária deixou bem claro que era  militante esquerdista e  as coordenadoras se entusiasmaram e o que era para ser assunto  tipicamente feminino, terminou em uma discussão política/partidária e neste dia, já houve  várias  desistência.
III – Durante a aula inaugural, foram vendidas canecas com a logomarca do movimento, alegando que era para arrecadar fundos para a formatura e também, orientou que as estudantes as levassem em todas as aulas  para evitar o uso de copos descartáveis que  levam  mais de cem anos para se decompor na natureza e  que todas, como futuras feministas militantes, deveriam dar o  exemplo de preservação da natureza. Solicitou que todas contribuíssem  em espécie com o café que seria servido meia hora antes do início de cada aula porque algumas saiam do trabalho direto para o curso, com certeza, cansadas e famintas. Também orientou as mães que quando não tivessem com quem deixar o seu rebento, que o levasse, uma coordenadora ficaria responsável por eles. Vendeu-se um projeto fantástico!
IV - Na segunda aula, a primeira decepção: nem mesmo as coordenadoras  levaram as canecas, o café foi servido após a aula, o que impediu que muitas pudessem saciar a fome porque perderiam o último ônibus, ficando impossibilitadas de  retornar ao lar  usando transporte público e, sendo moradoras de periferia,  o preço de   um  táxi ou motorista de aplicativo estava além de suas posses, sem falar na decepção que foi a aula. Uma atividade prática para que todas percebessem que vencer na vida somente pelo trabalho é uma tarefa quase impossível e, para completar, crianças correndo, falando alto comprometendo o entendimento  da proposta  da atividade,se é que havia.
V -  Não é necessário dizer que  a evasão, que já era  grande  intensificou-se com a terceira aula: a confecção de uma boneca de pano tradicional, bonita por sinal, porém, a oficineira não  conseguiu explicar com clareza o objetivo da atividade, e  para confundir mais as egressas, na aula anterior, a palestrante  havia criticado  a tradição milenar de oferecer bonecas as meninas, alegando que já estavam preparando a menina  para a maternidade e  cuidados com casa. Ninguém ousou contestar, mas com certeza, uma dúvida  tirou o sono de muitas delas, afinal, a maternidade não é tipicamente da biologia feminina? A gestação, o parto e a amamentação são por natureza, atributos das mulheres, que  moram em casas e o cuidado do lar deve ser compartilhado com todos os moradores, assim, como a responsabilidade com os filhos, portanto, menina brincar com bonecas é saudável, sinal que será boa mãe, e o menino também deve participar das brincadeiras porque será pai e quanto mais cedo ele exercitar  a responsabilidade da paternidade melhor será para a família. E assim seguiam as aulas, sempre na contramão da proposta, que se  dizia apartidária  e  no discurso prático político/partidário e esquerdista  prevalecia,  e muitas vezes, discussões baseadas no senso comum, sem nenhum fundamento antropológico e a sala de aula cada dia mais vazia.
VI  Para angariar fundos para a formatura, foram feitos dois grandes eventos, com altos custos para as participantes, não só em tempo, mas com material e transportes. Algumas trabalham com empenho até a exaustão, enquanto outras, sequer ajudaram financeiramente. Quanto foi arrecado? Não se sabe! Não houve prestação de contas.
VII – Em virtude da incapacidade das palestrantes e coordenadoras de agregar,  espontaneamente, formou-se dois grupos, o de maior e o outro de menor poder aquisitivo o que dificultava as discussões, porque se o grupo A, falava, o B emudecia, empobrecendo assim, o debate. Entre uma animosidade e outra chegou o dia da tão esperada formatura. Aí, sim, a situação  ficou bem tensa porque grupo B deseja uma formatura simples, bem informal, já o grupo A, queria apenas  o ritual tradicional, com as bandeiras do  país, estado e município, composição da mesa, hino nacional. Falou-se em hino nacional, os  ânimos se alteraram e o grupo  B, posicionou-se contra, protestou alegando que a proposta do projeto é a desconstrução dos valores vigentes  da sociedade patriarcal, vale ressaltar que a proposta da Carta de Princípios é  o combate ao machismo e  a violência doméstica pela informação, o conhecimento dos direitos e deveres das mulheres. Sem entender  a recusa em executar a maior canção do pátria e sem disposição para discussão infrutífera, baseada  no senso comum, uma voz do grupo A se levantou e alegou que fazia questão  do protocolo, e houve aparente concordância do grupo opositor. Sem prestação  de contas, as coordenadoras alegaram que não havia dinheiro para  a formatura e ela aconteceu na garagem da casa de   uma formanda,  com o  tradicional pratinho, sem autoridades locais, imprensa, bandeiras, composição de mesa e quando a  Mestre de Cerimônia pediu que todos ficassem de pé para a audição do hino nacional, uma desagradável surpresa: a coordenadora responsável pelo som, cortou-o  pela metade e alegou problemas técnicos. Mistério! O som funcionava bem antes do hino e findo o ritual,  funcionou perfeitamente, e os vizinhos tiveram que chamar  uma viatura policial porque estavam incomodados com o som alto.

Deixe os seus comentários sobre  as dificuldades enfrentadas em sua formatura.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Gentileza gera gentileza




Em 1996, durante uma conferência em Tóquio,   foi proposto a criação  do Dia Mundial da Gentileza e a data foi oficializada  em 2000 com o intuito de  inspirar as pessoas do mundo inteiro a se relacionarem com mais educação e respeito, e  assim, harmonizarem as relações  no lar, trabalho e em todas as esferas das relações humanas. Incrível é que a ideia surgiu em uma nação reconhecida mundialmente pela gentileza  não somente entre os japoneses,  mas com todas as pessoas independente de nacionalidade e  religião. A Associação Brasileira de Qualidade de Vida, é a representante do movimento  no  país, e acreditem, faz exatamente 23 anos que comemora-se esta data e  milhares de  pessoas   nem sequer  sabem que existe um dia do ano, para tentar ser gentil com o outro e aos poucos, ir incorporando no dia a dia, pequenos gestos de delicadeza.
Em um país, como o Brasil, em que centenas de milhares de pessoas, de bebês  a idosos, perdem a vida por motivo fútil, ou da própria natureza, como o caso de  um recém - nascido que foi espancado até a morte, pelo pai, porque estava chorando. Quanta crueldade e descontrole emocional do genitor! Chorar  é a única   maneira dos bebês se comunicarem com os seus responsáveis, é a natureza humana! Diante destas atrocidades, acredita-se que uma pequena atitude como a comemoração do dia da gentileza, é  uma luz no final do túnel.
Estranhamente a mídia não dá  o destaque  necessário  para a propagação da cultura da gentileza, optam por  divulgar as mazelas sangrentas  que se tornaram rotina no Brasil. E as escolas e as famílias? Por  incrível que pareça, as  duas instituições que mais queixam da violência  generalizada, com raríssimas exceções, sequer tocam no assunto, não criam projetos  para conscientização,  não dão exemplos com pequenas atitudes diárias. Vinte e três anos se passaram, 23 oportunidades de contribuir para  a melhoria das relações humanas perdidas.
    
Por gentileza, você que leu este post, deixe  o seu comentário sobre uma atitude  diária que todas as pessoas podem fazer para melhorar as relações humanas.

sábado, 9 de novembro de 2019

Mãe infeliz



Era uma vez, não pense que um conto de fadas, é uma história triste  e aconteceu faz pouco, não muito distante daqui. É a  história de uma menina que tinha uma mãe infeliz. Ela gritava, ofendia verbalmente e as tarefas mais pesadas da casa, a ela eram  destinadas, desde a alvorada dos pássaros até o pio das corujas noturnas, ela ficava na lida, sob o olhar vigilante e severo de sua genitora. Elas moravam às margens da represa de Três Marias, de águas límpidas e prateadas. Uma noite, após um exaustivo dia trabalho, a garotinha  não conseguia dormir  por causa do calor e do zumbido dos pernilongos, então, ela levantou, olhou para a janela e viu a lua refletida nas águas da represa,  levantou os olhos  para o céu e viu  a lua cheia e teve a impressão   de ouvir a voz dela a  lhe dizer baixinho: Não fique triste, um dia você vai conseguir  partir para longe e viver uma outra  vida, bem mais divertida, mas para que isso aconteça, você precisa trabalhar muito e economizar ainda mais.- Economizar como? Se eu não lido com dinheiro, tudo que visto são as roupas de minhas irmãs mais velhas? Somente trabalho, levo broncas e palmadas injustamente. E a lua respondeu: A partir de amanhã, você proporá à sua mãe que lhe irá trabalhar com muita dedicação e cuidará com mais empenho ainda do galinheiro, e que os ovos não consumidos irá vendê-los e guardar o dinheiro para a sua velhice. Não comente os seus planos de partir, pois será motivo de chacota, não compre nada para você, preste atenção nas notícias do rádio, para que conheça um pouco do mundo lá fora, também não  fale sobre o seu dinheiro. Agora vai, retorne ao seu leito e durma tranqüila.
Ao cantar do galo, a garotinha acordou, espreguiçou um pouco e pensou em sua conversa com a lua. Será que tinha sonhado? Nunca ouvira alguém dizer que  lua falasse! Ela pensou em sua  rotina diária, ouvindo sua mãe reclamar de tudo e  principalmente dela, por mais que se esforçasse, nunca conseguia agradá-la e este era o seu maior desejo: aconchegar-se nos braços macios de sua mãe e ouvi-la dize que ela era uma filha  muito amada. Por mais que a garotinha puxasse pela memória, não conseguia lembrar sequer de  uma única vez  de ter agradado à genitora, pelo contrário, sempre ouvira dizer que ela era um castigo de Deus, que tudo que ela mais detestava era mulher loira de olhos azuis e dera a luz a uma, que mal teria feito para  ser punida assim: uma filha  loira? E ainda acrescentava: - Filha desajeitada, não tem elegância para andar,  sentar e falar. – Se a felicidade existe, aqui eu não a encontrarei, pensou a menina, e já que  não acostumada com os maus tratos e injustiças maternas, decidiu  seguir os conselhos da lua e propôs à matriarca  que cuidaria com esmero do galinheiro e venderia  os ovos não consumidos. Uma sonora gargalhada ecoou pela casa  ao ouvir a proposta da filha e disse: - Uma pessoa feia e ignorante como você  não vai conseguir vender sequer um ovo, se quiser arriscar a ser motivo de deboche dos vizinhos, pode  fazer o que desejas. Eu não me oponho não incentivo e não ajudo.
E os dias seguiam  lentamente, a menina trabalhava  a semana inteira e aos domingos, quando iam à missa na cidade, levava os ovos em sua mochila e  vendia-os  na venda do Senhor Adão e não comprava  nem uma bala, guarda em segredo o seu dinheiro e ninguém da família percebia nada porque ela não descuidava de suas obrigações  mas prestava muita atenção nas falas das pessoas adultas, nas noticias do rádio, lia os jornais velhos que encontrava.Os anos foram se passando, ela ficou maior de idade, tirou seus documentos e disse a sua mãe que iria morar na  capital. Sua mãe quase explodiu de tanto rir, e disse que pagaria para ver como ela iria se virar, já que era uma incompetente. Ela nada respondeu, abaixou a cabeça e foi cuidar de suas obrigações, já que era a Gata Borralheira da  casa e à noite, á luz do luar, arrumou a sua trouxinha, pegou o seu dinheiro e partiu para a casa. Passou frio, fome, medo, humilhação, mas conseguiu um bom trabalho, estudou, comprou casa própria e  anualmente ia visitar a mãe e lhe cobria de presente, e talvez por força do hábito, ela continuava a reclamar e a humilhá-la e a enaltecer as outras duas filhas. Porém, as irmãs mais velhas  casaram,  esqueceram  e  abandonaram a mãe em seu leito de morte, sequer avisaram a nossa protagonista de sua doença e de sua morte,  lhe negaram o direito de  velar a sua mãe.

Deixe os seus comentário sobre as relações mães e filhas. Grata!!!



         

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Ruminar é viver

                     
          A trajetória afetiva, familiar e profissional de Rosalina é um fracasso generalizado  tanto que conseguiu para companhia em sua velhice apenas duas companheiras inseparáveis: a solidão e a carestia. Sem dinheiro para  extravasar sua angustia em compras e viagens e com os olhos já cansados das telas dos aparelhos eletrônicos, para matar o tempo, sai a caminhar pelas perigosas ruas da capital paulista, para matar o tempo, controlar a ansiedade e o estresses decorrente do ócio improdutivo. Além dos benefícios físicos da caminhada sem destino, agrega-se a eles, o entretenimento do espírito em  admirar a  arquitetura, vitrines, pessoas diferentes e apressadas, como a fugir da própria sombra, além é claro, de ativar o  sistema de alarme corporal para não ser mais uma vítimas de crianças e adolescentes, especializados em pequenos furtos e a mão armada. Após  uma peregrinação de umas duas horas, já ao entardecer, ela sempre retorna agradecida  não ter passado por nenhuma aventura constrangedora ou perigosa.
          O roteiro preferido de Rosalina é a mais paulista de todas as avenidas, a rica e bela av. Paulista, ela a percorre inteira, admira os carros, os transeuntes, aprecia as  exposições temporárias do  Itaú Cultural e Fiesp, às vezes, aproveita para  adentrar ao ParqueTrianon para admirar as árvores, sempre verdes  a oferecer  sombra generosa  que abranda o calor do verão e se perde em devaneios ouvindo o cantar dos pássaros, alheiros as dores humanas, oriundas de escolha erradas e falta de oportunidades.
          Rosalina procurar sentar próximo à guarita dos guardas municipais, por uma questão de aparente segurança, já que os meliantes paulistanos não temem as fardas, e lá, muitas vezes fica horas ruminando  dores e erros do passado. Quando ela rumina, ela é sincera, porque não teme julgamento nem censura,  é uma forma de autoterapia. Se tivesse  amigas, talvez, não usasse de franqueza por medo do ridículo ou de ofender  a interlocutora. Ruminar é bom, é sincero e profundo. Falar exige raciocínio e ponderação, principalmente nesta época  que vive-se a  tirania das minorias e  das redes sociais. - Bons tempos o de sua infância - suspira Rosalina,- quando o whatsApp era as pessoas sentadas  na calçadas nas noites quentes do verão brasileiro, conversando sobre assuntos de família e do trabalho, comentando as noticias que ouvira no rádio e as fofocas das revistas especializadas, ninguém falava dos próprios sentimentos e angústias.
          Como não ruminar a  ingenuidade dos sonhos  da  infância e adolescência da menina que um dia fora? Nascida  em uma  zona rural, lá nos cafundós do Judas, em uma família de costumes rudes, que só tomavam banho aos domingos,  e apenas os adultos  eventualmente escovavam os dentes, quando iam a igreja ou a cidade. Ela mesma, Rosalina, ganhou a sua primeira escova de dente  aos doze anos de idade.Vale  ressaltar que ganhou apenas a escova, e fazia a higiene bucal  usando  sabonete, razão pela qual, aos 15 anos, já tinha perdido cinco de seus dentes permanentes e até hoje,  o que já gastou com implantes, daria para comprar   um carro ou  um cruzeiro internacional.
            Rosalina adquiriu o  habito de ruminar ainda na infância, porque   era motivo de chacota quando expressava o seu desejo de ser rica, famosa, viajar para vários lugares e acima de tudo, ser amada, admirada e respeitada. Por ser morada da zona rural,  começava na lida antes do nascer do sol e  parava quando ele   desaparecia atrás das montes. E assim sempre fora,  mesmo quando fugiu de casa para morar na capital, trabalhava como uma mula de carga, sem falar, sem reclamar, com dores no corpo e sonhos na alma; sonhos até hoje não realizados.

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