quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

À sua dor secreta



           À sua criança interior que   durante décadas acalentou o sonho secreto de uma vida melhor, com mais conforto, amigos, amor sincero e lazer e que  durante a árdua caminhada  da vida somente  esbarrou em traição, tropeçou em desilusão e   teve como companheira inseparável em sua  viagem a solidão, lhe desejo  muita cor nos últimos anos em sua estadia terrena. Que seus passos lentos lhe  leve por trilhas coloridas e   que seus olhos cansados de chorar ainda possam apreciar a beleza dos campos e distinguir as  inúmeras tonalidades da natureza e entre uma cor e outra, encontrar a alegria de viver.
          Que  a sua sensibilidade aflore e possa sentir  um suave prazer com a chuva  que molha a estrada e faz florescer a plantação, que você consiga sentir todos os aromas da natureza, a suavidade  da brisa em sua pele,  o mormaço da terra; que possa ouvir o cantar os pássaros e que, nestas coisas singelas, seu coração se  encha de júbilo e se abra novamente para o amor, que você se permita amar e ser amada.
          Que ao entardecer, o seu  olhar seja capaz de acompanhar o voo dos pássaros no horizonte retornando ao ninho e que  a esperança renasça em seu coração, fazendo -a sonhar e que a lua mansa lhe indique todos os caminhos para a  concretização dos sonhos ainda possíveis, da triste criança adormecida dentro de você, que te renove para quando ao pó retornar,  esteja feliz e realizada como o coração repleto de gratidão!

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Destino: Solidão


          Em 2017, a população feminina era composta por 51,6%, de acordo com os dados da PNAD-C – ( Pesquisa Nacional de Domicílios Contínua), e  apenas 48,4% de homens. No quesito força de trabalho, não é um dado  preocupante porque as mulheres estão  exercendo atividades  que em um passado próximo eram de exclusividade masculina. Esta diferença de 3,2% também não compromete o crescimento vegetativo, já que é moda a produção independente de filhos, que são praticamente estocados em creches de qualidade duvidosa, enquanto as mães labutam para colocar comida na mesa.  Sente-se as dores desta estatística, quando o sonho  de amar e ser amada não pode ser concretizado  em virtude da indisponibilidade de  um parceiro, principalmente após aposentadoria, já com filhos criados e tempo disponível para se entregar aos deleites de uma vida a dois.
          Aos  sessenta e cinco anos de idade, Tâmara, ainda deseja encontrar um companheiro, não para  viver uma paixão avassaladora  e a realização  de suas fantasias sensuais,  guardadas  no fundo do baú de seus sonhos secretos, acalentados por no mínimo cinco décadas; procura apenas um companheiro para compartilhar lembranças, rotina e se apoiarem, já que os anos pesam sobre os ombros  de todo vivente. Desde sempre ela fez parte das 3.2% das mulheres excluídas pela força da natureza e, naquela manhã, quando desleixada, caminha lentamente pela calçada rumo ao supermercado, um senhor que aparentava  ser seu contemporâneo  surgiu do nada ao seu lado e puxou assunto e por coincidência, se dirigia ao mesmo estabelecimento e  a chama da esperança acendeu em seu coração amargurado quando ele afirmou estar sozinho há mais de cinco anos.
          Mais rápida do que acendeu  a chama da esperança  se apagou! Já  na primeira chamada, via whatsApp, Tâmara percebeu que o sonho de um relacionamento  sereno e duradouro   era uma ilusão! Ele queria cybersex e hospedagem grátis com direito aos prazeres da carne em sua casa de veraneio em uma estância balneária. Ela não se deixou levar pela  lábia do espertalhão, não chorou nem planejou vingança, apenas recordou do velho  conselho de sua sábia mãe: “mulheres sozinhas, carentes e com situação financeira definida são as preferidas  dos velhacos.”

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Trabalhadores




           O sol de verão brilha  e um calor escaldante aquece a terra. O  interior das residências parece uma sauna. O termômetro registra 36º! Nada há que possa ser feito, já que os ventiladores não conseguem  refrescar o ambiente e ar condicionado é um privilégio de poucos brasileiros porque em um país onde a maioria da população recebe salário mínimo, pagar a conta de energia é carta fora do baralho e, diante deste fato resta ao povo somente lamentar e clamar  pelas chuvas de verão.
           A natureza  segue o seu curso natural, quiçá São Pedro dê uma ajuda e    as fortes pancadas de  chuva de verão caem sobre a terra, acompanhadas por raios e trovões  e deixa um rastro de destruição: Aparelhos domésticos queimados, cidades alagadas, casas inundadas, plantações perdidas, animais mortos por afogamento; o prejuízo  é grande. Ao povo resta  lamentar e pedir o retorno do astro rei!
          Reclamar, sonhar e  abster é a sina do trabalhador.   Não porque ele seja ingrato e preguiçoso, pelo contrário, não tem medo de serviço, mas  pelas condições em que ele vive  e das dificuldades para chegar ao posto de trabalho, do assédio moral em virtude de metas impossíveis de serem cumpridas. Faça chuva, faça sol, faça frio, faça calor ele vai labutando à vida, enfrentando sol escaldante  e enchentes. Não  há perspectiva de melhoras a curto prazo, nada virá do horizonte profissional que possa beneficiar estes verdadeiros heróis nacionais: Os trabalhadores!

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Quem escolhe?



          Às vezes as pessoas se  veem pensando se  o indivíduo escolhe o seu caminho ou se  é escolhido por ele. Fato é que quando uma pessoa se propõe a caminhar, ela o faz com disposição para  superar as dificuldades com  coragem e determinação  e aceita com gratidão  a ajuda daqueles  com os quais vai cruzando na longa jornada da existência.
          Situações banais do dia a dia como assistir um filme   ambientado em determinada época pode tornar esta dúvida ainda mais cruel. Amarga Colheita,  do diretor  George Mendeluk,  tendo como pano de fundo a grande fome ucraniana (holodomor)   um dos piores períodos da história da Ucrânia quando centenas de milhares de famílias trabalhadoras do campo foram perseguidas pelo regime stalinista e morreram à míngua é um bom exemplo. Embora o filme  tenha recebido críticas negativas,  foi uma brilhante ideia  do diretor retratar cinematograficamente,   a ascensão do comunismo na União Soviética   a partir do ponto de vista das vítimas do genocídio – os  camponeses ucranianos;  vale a pena assisti-lo.
          Diante de tamanha atrocidade  em que inocentes são as principais vítimas não há como se perguntar:
- Por que o caminhar de determinados povos   foram  tão dolorosos?
- Eles  tiveram opção  para seguirem por outros  caminhos?
- Terá valido a pena suportar tanta dor para sobreviver como um povo?
- O que se pode fazer para que  fatos terríveis como   o Holodomor não se repita?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Sete quilos de veneno



          Que o Brasil é  um país que paga as suas contas graças ao agronegócio   é sabido por toda a população, porém, o que deixa os consumidores  preocupados são   as notícias divergentes sobre o uso correto de pesticidas. reportagens alarmantes  são divulgas  pelos meios de comunicação sobre o excesso e uso de produtos proibidos em outros países,  o “pacote do veneno”, defendido com vigor pela  “Musa do veneno”  como ficou conhecida  a  parlamentar responsável pela pasta  da agricultura, atirou mais lenha na fogueira.
 Depois que a Rússia anunciou  a possibilidade de  suspender a importação da soja brasileira porque os produtores estão extrapolando no uso de agrotóxicos na produção dos grãos, donas de casas preocupadas  em oferecer uma  alimentação saudável à família,  refazem constantemente as contas,  para ver se há a possibilidade de comprar apenas produtos orgânicos.
Pesquisas exaustivas  e infrutíferas  confunde mais a cabeça do consumidor porque as reportagens sãos divergentes e, diante da impossibilidade de saber qual  meio de comunicação publicou os resultados verdadeiros sobre o uso de agrotóxico no Brasil e de oferecer somente produtos orgânicos à família,  a dona de casa vê como única saída,  pedir a Deus saúde em abundância para todos. A distância entre o querer e o poder é bem grande e ao trabalhador só lhe resta consumir  com resignação seus sete quilos e meios de  veneno anualmente..

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Bailando a tristeza



         
          Nilza  é contemporânea das feministas da década de1960 e, a exemplo das revolucionárias, abdicou da tradição familiar para  alçar voos  em  outros ares, que naquela época, acreditava-se ser o melhor para a mulher moderna e independente financeiramente. Ao completar 18 anos providenciou seus documentos, procurou trabalho, economizou e partiu de sua pacata cidade rumo à capital, na expectativa de uma vida divertida   freqüentando lugares elegantes com os amigos. Viagens ao exterior e renovação  anual do  guarda-roupa com os últimos lançamentos da moda parisiense faziam parte da bagagem. Quanta ilusão!
          Sem indicação e qualificação, levou  mais de um ano para conseguir  um trabalho. Recebia um salário mínimo que mal dava para o transporte, alimentação básica e moradia em uma casa de família em que alugou um quarto coletivo. As colegas de quarto, como ela, iludidas  com a emancipação da mulher,  não conseguiam enxergar que  sonhar é bom, porém, qualificação profissional, esforço, persistência e um pouco de sorte são necessários  para  alcançar os objetivos e assim iam vivendo os seus dias contando com a possibilidade de um milagre e enquanto ele não acontecia, percorriam lojas de ruas populares,  promoções e pontas de estoque para manter um  visual apresentável e  uma fome crônica, já que os minguados recursos mal davam para  comprar os  produtos da cesta básica nas promoções dos mercados próximos à residência ou trabalho, para economizar o dinheiro da condução e assim, no domingo, comprar algumas verduras  na xepa da feira livre.
          Nos vinte anos  em que viveu no interior, Nilza queixava-se das poucas oportunidades de lazer que a cidade oferecia: missa  diária, festas  do calendário  católico: solenidades da semana santa, pentecostes,  dia de finado, natal. Alguns casamentos e batizados, festa do padroeiro da cidade, aniversário da cidade e barzinhos e restaurantes, e aos sócios do clube, as atividades   exclusivas para os freqüentadores. Para ela era pouco, queria mais.  O sonho de  desfrutar da  riqueza cultura  da capital foi por terra com a  velocidade de um tornado. Trabalhava muito, ganhava  pouco e estava sempre cansada e sem dinheiro, nem  das atividades religiosas participava mais porque mesmo sendo abertas  à comunidade, não dispunha de tempo e do dinheiro para a   condução.  Em meio a desilusão e carestia, passaram-se trinta anos e  ela deixou a dura vida de trabalhadora e pode enfim, gozar o privilégio da aposentadoria  e, ingenuamente acreditou  que enfim, iria encontrar um pouco de diversão e alegria.
          Tão logo sentiu o peso do ócio,  saiu em busca de afazeres que pudesse preencher o seu vazio existencial, e  novamente encontrou a barreira de seus parcos recursos. O que lhe restou? Atividades grátis ou  a  preços módicos  e um novo círculo de amizades com pessoas com o mesmo perfil: pobres, solitárias e desiludidas.  Diante da impossibilidade de realizar os sonhos acalentados de fazer um cruzeiro, uma viagem internacional, freqüentar restaurantes elegantes, aceitou o convite das amigas para um baile popular da terceira idade, na expectativa de encontrar um  cavalheiro  para conversar, dançar e talvez  até quem sabe, iniciar um namorico, porém, já na entrada, percebeu que apenas acrescentaria mais uma desilusão em sua vida.  Em virtude da escassez de cavalheiros, os organizadores contratam monitores para dançar com as mulheres e, assim, a noite que prometia muito,  ficou resumida à  cinco horas sentada, em silêncio, porque  o som alto não permitia  conversa, e mesmo se o ambiente   permitisse diálogo, nada haveria a dizer porque em suas vidas acumularam apenas frustrações e tardiamente perceberam  a sabedoria das avós que diziam “que a vida se renova com os filhos, netos e bisnetos!”