- E o ano de 2023 chega ao fim, e mais uma vez eu sozinha! Sem mensagens, telefonemas de boas festas e convites para sair. Ninguém se importa comigo, esta é a triste constatação. Entre as minhas mais remotas lembranças, até onde a minha memória alcança, só tenho recordações de estar sempre em busca de uma amizade sincera, de ser importante para alguém, de pelo menos, ser lembrada, principalmente, por alguém de minha família. Se nem mesmo, meus pais se preocupam comigo, como ouso querer que mais alguém queira-me bem? Não consigo compreender porque não consigo fazer amizades, procuro ser simpática, prestativa, e não consigo ser gostável por ninguém, parece que as pessoas conversas comigo apenas por educação. Tantas pessoas grosseiras, sem educação vivem rodeadas de amigas e eu, eternamente solitária. O que espero conquistar em 2024? Meus primeiros amigos sinceros e se não for pedir muito, peço também um amor.
domingo, 31 de dezembro de 2023
Adeus 2023
domingo, 19 de novembro de 2023
Trinta e sete reais
A atividade de hoje consiste em escrever durante quinze minutos sem preocupação
qualquer coisa que viesse à mente. O que surgiu espontaneamente foi o PIX, no valor de
trinta e sete reais, que pedi ao meu namorado para fazer para mim,
deixei claro que o pagaria no mesmo dia. O pedido se deu em virtude de minhas
dificuldades tecnológicas e por eu não ter conta bancária, uma vez que trabalho
como diarista e recebo em espécies das
patroas, que não querem deixar rastro para que os maridos não descubram que elas
dizem um valor para ele, embolsam a diferença. Precisei fazer um pagamento e a única
forma aceita era o PIX. Pois é, ele que
recebe em média, dez mil reais por mês,
simplesmente disse que não tinha a quantia, que o dinheiro dele estava todo
aplicado e não poderia ajudar.
Esta não é a primeira vez que ele
demonstra que não valho nada para ele,
que não passo de um objeto descartável que pode ser substituído com um estalar
dos dedos. Acredito que as pessoas que lerão este post devem pensar que eu
tenho muita imaginação, porém, não é verdade. Aconteceu comigo e eu ainda não tomei a atitude de devolvê-lo
para a sogra. Certa vez fomos ao mercado
e eu sugeri a receita de kiwi com atum e tomate e tivemos um
desentendimento porque o prato só pode
ser preparado com atum sólido e que é
mais caro que o ralado. Ele recusou a comprar
o produto que ele comeria, apenas teria que dividir comigo. Só
que ele esquecia que estava hospedado em
minha casa mais ou menos uns cinco dias, com o consumo de água, energia, gás,
alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal em minha responsabilidade.
A primeira demonstração de mesquinharia
comigo se deu, quando fique na casa dele e ele comprou para café da manhã pão com mortadela, como sou alérgica a embutidos, comi apenas pão francês com café. E ele não cansa de contar
dos rodízios de comida japonesa, churrasco e pizza que frequenta com a família. A última vez que
ele se hospedou em minha casa, fiz uma
experiência, o recebi com a geladeira
cheia, de coisas mais baratas, nada de pratos requintados, e ele foi
comendo tudo, quando ficou somente arroz, feijão e salada de abóbora, ele
simplesmente foi embora e até agora não voltou, quando voltar, terá uma surpresa:
regime maluco, sem proteínas e carboidratos, em menos de 24 horas ele irá
cantar em outro freguesia. Se ele quer
regalias de hotel, que pague a diária em moeda corrente.
sábado, 18 de novembro de 2023
250 palavras
Recebi a missão de escrever 250 palavras como treino de escrita de um curso que eu pretendo fazer. Coisas de internet! Após fazer a inscrição, foi que percebi que o dito cujo aconteceu em outubro de 2023 e estamos em meados novembro do corrente ano. A inscrição foi feita e recebi confirmação via e-mail, como veio com a dica de todos os dias escrever este número de palavras, assim, criei coragem e cá estou, sem disposição, inspiração, porém, com uma vontade enorme de vencer a procrastinação, de dar um passo adiante e não ficar alimentado a inveja que me imobiliza e destrói a minha vontade viver. Tenho tentado usar como mantra a frase: “a motivação vem da ação.” Preciso de um incentivo e na falta de uma pessoa para me dar apoio, começo a repetir a frase até conseguir começar, depois do terceiro passo, eu consigo chegar adiante, mas começar é um verdadeiro suplício.
O primeiro parágrafo constou 150 palavras e eu vi que não é impossível, assim, aproveito para responder a pergunta do autor do livro que li está semana. Será que você não é uma lembrança doída na vida de alguém? Com tristeza constatei que sou lembrança dolorosa na vida de inúmeras pessoas que eu tratei com rispidez exagerada, não porque elas merecesses, mas devido a minha incapacidade de dialogar, em decorrência da falta de vocabulário, de compaixão e se for ir mais fundo, na minha inútil tentativa de ocultar os meus complexos de inferioridades que estão arraigados em mim, desde a mais tenra idade. Por ser uma pessoa ferida, ferir o outro é uma prática constante da qual venho tentando me libertar faz mais de 3 décadas. Bem, estou feliz porque ultrapassou o número de palavras!
domingo, 5 de novembro de 2023
Minha mãe, pelo olhar de um orfão
Ontem foi um dia especial porque eu tive a verdadeira dimensão de quem foi a minha mãe e as marcas que ela deixou em inúmeras pessoas com ações simples. Às vezes, deixamos de ajudar as pessoas porque acreditamos que o que temos a oferecer é pouco, porém, para o ajudado, naquele momento representa muito. São tantas atitudes que eu poderia contar aqui, porém, focarei minha atenção em uma visita que fiz ao Sr Zezé, durante sua permanência no hospital, tratando de uma trombose venosa, quando tive o prazer de encontrar com o seu afilhado, Vitor, conhecido como o Vitinho da lavandeira.
Vitinho
nasceu em uma família
literalmente pobre, e pobre em dobro, de dinheiro e inteligência, uma vez que possuíam
um pouco de terra, porém, não tinham a iniciativa de plantar. Ficou órfão de pai
aos sete anos de idade, dois anos após a morte do esposo, a mãe de Vitinho faleceu repentinamente e ele ficou aos
cuidados dos irmãos mais velhos, todos menores de 18 anos, vivendo como podiam.
E nesta época, minha genitora, tomou a iniciativa comum a toda mulher católica praticante, se fez
presente na vida deles, como podia, ofereceu amor de mãe, colo, conselhos, muitas orações e o mais importante:
o uso das mãos para ganhar o pão de cada
dia.
Em nosso encontro, Vitinho relatou que
tem viva em sua memória, o rosto de minha mãe, já falecida a mais de trinta
anos, a lembrança de seu colo macio, no
qual deitou várias vezes, em momentos de
carência, de suas panquecas e também, da preocupação dela, em ir à casa deles, levar leite, carnes e demais
produtos oriundos de suas colheitas no pomar e na horta. Entre as doces lembranças do cuidado que recebeu, em sua infância e
adolescência, ressaltou que somente a minha família prestou auxílio aos órfãos,
os demais vizinhos, quando eles iam lá, pedir um litro de leite, eram convidados a se retirarem e não poupavam
palavras ofensivas. Um litro de leite, um pedaço de carne, uma penca de banana,
representava pouco para meus pais, mas para ele era exatamente o que precisava
naquele momento de carestia.
domingo, 8 de outubro de 2023
Podcast do Chico da Tiana
Quando a vida se torna vazia e a solidão assola o peito, ao pobre, resta apenas o celular e os vídeos dos humoristas mais simples, para conseguir arrancar um projeto de sorriso nos rostos amargurados.
Eu confesso, sou uma destas pessoas e lá pelas 14 horas e antes de dormir, gosto de assistir um podcast do Chico da Tiana porque ele consegue de maneira humorada, porém, respeitosa, comentar as coisas mais simples do dia a dia do povo, que de tão simples, passam a desapercebidas, como os planos que os pobres fazem para os feriados, pautados na realidade, ou seja, sem gastar dinheiro, como consertar a fechadura da porta, dar um banho no cachorro, arrancar o mato da calçada e por aí afora.
Esta é a dura realidade do trabalhador ativo e inativo. Planejar! O triste é que até os planos são pequenos, e os sonhos? Faz tempo que deixaram de sonhar e quando os filhos ousam falar em novas oportunidades, progresso, rapidamente um adulto planta em sua mente a única e possível alternativa: acordar às 4 horas da manhã para pegar o “busão” e procurar emprego.
quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Onda de calor
- Neste início de primavera, ao amanhecer, quando os pássaros começam a cantar, uma leve brisa balança as folhas das árvores e fazem tremular as cortinas, das janelas abertas, mesmo com o risco de entrada de um intruso,o trabalhador finalmente consegue pegar no sono, refrescou, mas, antes que ele comece a sonhar, toca o despertador e ele salta apavorado da cama, sonolento, cansando, corpo suado. Independente da onda de calor que assola o Brasil, para botar comida na mesa, ele engole apressado um gole de café requentado, se aperta dentro do ônibus e, finalmente chega ao trabalho.
- Assim, repete-se a rotina todos os dias. Faminto, sonolento, cansado, não consegue cumprir com as metas estabelecidas, o medo de ser dispensado ronda seus pensamentos, as relações entre empregados e superiores ficam tensas e, quando não é o aviso prévio que chega, é a licença médica por esgotamento nervoso e ainda nem chegou o verão 2023 nos trópicos
domingo, 17 de setembro de 2023
Fragilidade emocional
À beira dos 80 anos de idade, mesmo
tendo passado por inúmeros processos de
cura, toda vez que tenho que tomar uma
decisão, que irá interferir na vida de
outras pessoas, o velho nervosismo vêm à tona,
e eu me torno aquela menininha frágil que mendigava afeto dos genitores,
e que se humilhava, trabalhava feito uma
mula de carga, sofria todas as injustiças apenas para ser notada. Quase oito décadas, anos de terapia, dezenas
de livros de autoajuda, palestras e apenas consegui adormecer á frágil criancinha.
Admito que investi tempo e dinheiro em meu fortalecimento interior, porém, percebo
que consegui apenas uma aparência de fortaleza. Sabe aquela história
da carroça vazia, na qual o pai diz ao filho que ela está fazendo muito barulho porque está
vazia e completa: assim são as pessoas, quanto mais vazias, mais
barulhentas, os fortes são silêncios,
focados, mostram o seu valor e ganham respeito pela competência profissional e
sabedoria em suas decisões e
relacionamentos.
O que estou me perguntando é: porque eu não consigo me silenciar, falar
apenas aquilo que precisa ser dito, intrometer menos na vida dos outros, ser mais educada? Hoje tenho uma reunião familiar e terei que fazer um comunicado importante de
uma atitude que tomei perante à família, estou nervosa, com diarréia, vômito,
roendo unhas, como uma adolescente que vai fazer uma prova final, na qual
precisa tirar nota 9, para poder
continuar com o namorico. Eu tenho bens materiais, boa renda mensal, não
preciso financeiramente de ninguém, e não consigo me libertar desta fragilidade
que consome os meus dias.
sábado, 22 de julho de 2023
Aprimoramento profissional
A minha saga
em busca de aprimoramento e refinamento
cultural, é confirmada pelo grande número de documentos que tenho guardado, nestas sete décadas
de vida, e que hoje, nesta fase de
desapego, rasgarei e jogarei no lixo, uma vez
que não tenho ninguém que possa
se orgulhar de quem eu fui um dia, porque a mediocridade foi, é, e sempre será
minha marca, serei medíocre, embora tenha iniciado uma jornada
em busca de conhecimento nos anos oitenta. Enquanto revirava gavetas, lágrimas
de frustração e arrependimento rolavam
silenciosas em minha fase porque finalmente, entendi que a minha ansiedade em
ser uma pessoa admirada e respeitada, paralisou o que realmente importa: a ação. Em uma corrida cega, em
busca de novos saberes, não assimilei o novo, consequentemente, não compartilhei e saber e não transbordar, é o mesmo que não saber.
Em julho de
1981, fiz um curso de artes cênicas e o certificado veio assinado por uma
instituição que não tenho ideia do que era
na época: “Mobral”. Também, não tenho nenhuma lembrança do que
estudamos, quem foi o professor, colegas,
nada, nada, tudo ficou literalmente,
nos anos oitenta. Pelos
certificados esquecidos na gaveta
da cômoda, fiquei exatamente 10 anos e um mês, sem participar de cursos. Em
agosto de 1991, tenho um atestado de presença,
2000- Pela
quantidade de certificado, foi um ano agitado, boas oportunidades de
aprendizagem, pouca assimilação e zero prática e o que posso fazer, é
listar os cursos e oficinas em que
participei. No mês de abril, tenho um certificado de um curso de jogos
educativos, realizado pela Editora Informal, recordo que foi bem divertido,
recebi uma apostilha que ficou por décadas, acumulando ácaro na estante, e um
dia, a larguei em um banco de ônibus urbano,
na expectativa que fosse encontrada por um professor de educação física
comprometido com o desenvolvimento do alunado, não apenas um tradicional ”rola bola”. Também participei de um curso de
embalagens de páscoa, realizado pelo
Shopping D. Em junho, aparece mais um certificado de curso de Marketing
Cultural, não tenho menor ideia do que foi dito lá nem em qual espaço físico aconteceu. Em
agosto, mais um curso, apagado de minha
mente, Imaginação e ação, promovido pela Editora Ática. Também em junho,
um certificado de um curso promovido pelo Sebrae, intitulado EMP - orientação
para o crédito. Acho que foi neste curso, que fizemos uma dinâmica em que abríamos uma firma e falimos, e nada
mais recordo. Em agosto, participei de mais um curso promovido pela Editora Ática
intitulado: era uma vez... sacis, cucas, mulas-sem-cabeça... no mundo de
hoje??? Valha me Deus! Deste evento, nada restou em minha memória. Este agosto
foi agitado, participei de mais um curso
promovido pela editora Informal, intitulado: técnicas de contar histórias. Foi
um dia maravilho! Aconteceu no bairro de Santana, história lindas que recordo
até hoje, bastante teatralizadas, só de olhar o
certificado, revivi a felicidade vivenciada naquele espaço. Em setembro,
participei do curso Lei Rouanet 8.313/91, nem ouse me perguntar do que se trata
porque não sei.
O ano 2001,
tive inúmeras oportunidades de aperfeiçoamento profissional, com a minha participação em cursos, nos quais
recebia material para aplicar no trabalho, e eu não soube aproveitar, apenas
guardei na estante. Em fevereiro, participei do curso Como e por que trabalhar
técnicas de gravura na escola? Promovido pelo Itaú Cultural. Em maio, Refletir
e agir na educação, promovido pela editora Positivo. Sinto dizer que eu não sou
agir. E junho, mais uma grande oportunidade perdida com o curso A luz na
pintura brasileira, promovida pelo Itaú Cultural. Em outubro, História em
Quadrinho, promovido pelo Itaú Cultural, neste mesmo mês, participei de um
curso promovido idealizado Melhoramentos/Todaba/Greenpeace, mais um evento que
sumiu de minha mente, pelo visto, estive lá, somente de corpo presente.
Em 2002,
passei por uma fase zen e fiz um curso
de tarot egípcio, recordo o sacrifício que fiz para pagá-lo, comprar o jogo de
cartas, a apostila, não pratiquei, e tudo foi parar no lixo, uns 15 anos
depois, agora, dou adeus ao certificado.
2003 foi um
ano calmo, tenho comprovado que participei somente de um evento promovido pela
editora Positivo, sem a menor recordação do que foi ensinado. Em 2004, não encontrei
nenhum certificado, pelo que tudo indicada, eu não participei de nenhum evento cultural,
fato que nunca fez diferença, já que não aprendia nada nem aproveitava o material recebido.
2005 foi um
ano em que participei de mais um evento
da Editora Positivo no mês de maio e outro em novembro, intitulado” inclusão
pela arte, recebi um CD maravilhoso, que doei, junto com outros, em uma banca
de livros e CDs usados, e para fechar o
ano, em novembro, participei do VII Congresso Makiguti em Ação com o tema: Educação Soka – Educação para a criação de valores humanos. O que foi
dito, não me recordo, mas o capricho com que organizaram o espaço para receber
os cursistas, a recepção cerimoniosa à moda oriental, o lanche, guardo em meu
coração até hoje.
2006, foi um ano de
luto e recomeço, com comprovação em certificado, encontrei apenas um, 1º
seminário de História e Memórias, em
agosto, a única lembrança é que encontrei um parente do qual eu gostei muito
quando bebê, e lá, homem feito, não me reconheceu e eu não o procurei, em
virtude dos desafetos com os pais deles.
2007 foi tranquilo,
em julho, participei de mais um evento relacionado as leis de incentivos à cultura; hoje estou cá a pensar,
por que eu me interessa por este assunto? Nunca sequer procurei trabalho na área. Em dezembro, participei do Encontro - Ensinar e aprender Arte Contemporânea. Vol
III, organizado pelo Centro da Cultura Judaica,
ganhei um material de qualidade, porém, está
em minha estante, esperando, esperando e esperando ser usado, podendo enfim,
cumprir a sua missão de circular o conhecimento. Às vezes fico na dúvida se sou realmente
incompetente ou egoísta a ponto de não
assimilar nada, para não correr o risco
de dividir o que aprendi com os outros?
2008, participei do
curso de capacitação de educadores para o trânsito, promovido pela Polícia
Civil. Este eu consegui focar atenção em vista de minha vontade de aprender a dirigir, e claro,
desejo não realizado em virtude de minha procrastinação crônica. Também,
participei de um curso promovido pela Acrilex: pintar, criar e aprender. Mais
um que estive apenas de corpo presente, pois não recordo sequer, o espaço
físico, onde aconteceu.
2011- em
março, participei do lançamento da exposição “Marcados para, no Centro da
Cultura Judaica, neste evento, recebi material
que utilizei bastante e tenho boas recordações. Em dezembro, participei
do seminário promovido pela Associação Palas Athena: Valores da convivência na
vida pública e privada. Como tudo que é organizado pela instituição, foi de excelência, porém, por
força do hábito, nada assimilei.
2012,
participei do mini-curso , Colecionar selo, uma arte, este sim, foi um evento
que eu assimilei, pratiquei e que colhi frutos, pena eu não ter sabido
aproveitar os demais.
2015- é o meu
recorde de esquecimento, tenho um certificado de uma roda conversa da virada da
educação. Um apagão total referente ao evento,
2019- tenho um certificado de uma participação em
um treinamento de brigada de incêndio, e
a única lembrança que tenho, é do vendaval que
teve no exato momento do evento, o teto caiu, janelas foram arrancadas e
ninguém se feriu, graças a agilidade da palestrante, que percebeu o perigo e
evacuou o local em tempo hábil.
Tempo e
dinheiro perdido em tantos cursos? Não tenho resposta para este questionamento.
Se ainda hoje, quase no final da vida, ainda tenho dificuldades em relacionar-me
com as pessoas, se não tivesse passado
por esta vasta experiência em busca de saber e transformação pessoal, eu seria
uma pessoa pior, do que ainda sou? Ando
em busca de mim, faz tanto tempo!
segunda-feira, 17 de julho de 2023
Relacionamentos descartáveis
Solidão é o meu nome e tristeza meu sobrenome. Na fila do Posto de Saúde, sem ter com quem conversar, enviar mensagem, telefonar, restou-me presta atenção naqueles que tinham companhia e o assunto girava em torno das relações contemporâneas, quando a solidão é a companheira fiel de todas as horas e justificavam à fala, com o argumento de que as relações atuais, são pautadas na substituição. Isto mesmo! Não olhamos para as pessoas como elas são, mas como gostaríamos que elas fossem, ou seja, pessoas idealizadas e que nos podem ter uma serventia, e se em curto prazo, não correspondem às nossas expectativas, são substituídas rapidamente por outras, idealizadas, é claro.
A fala abalou meus alicerces e mexeu
com o cerne de meu ser e constatei que
eu fui uma das pioneiras nesta prática
de não lidar com as pessoas como elas são, com suas qualidades e defeito porque
fazemos parte da família humana. Não
foquei meus relacionamentos em convivência, mas em ascensão profissional e
esqueci que a aposentadoria e velhice
chega para todos aqueles que não ficaram
nas curvas da estrada da vida.
O período laboral, ficou no passado, o
tempo, antes escasso, agora sobra, os dias
são longos e as noites intermináveis!
Tantas pessoas encantadoras deixei pelo
caminho porque não me serviam mais
profissionalmente, e agora estou
convivendo com o meu desencanto pela vida. Falta dinheiro, energia
vital, relacionamentos sinceros e o mais
doloroso, não tenho lembranças de
momentos agradáveis com pessoas queridas. Somente agora constatei
que as lembranças são os antídotos para
as dores inerentes à velhice, mas o
estrago já está feito.
quarta-feira, 12 de julho de 2023
Banheiro para idoso
Esperar pelo o tempo do outro é um dos exercícios mais difíceis que conheço; para a minha personalidade que é: falou! Cumpriu! Estou a mais de dez dias esperando a entrega da nova casa, onde residirei durante um ano, até encontrar outra para comprar, que esteja dentro do meu orçamento e com uma folga para reformar o banheiro. Exatamente! Depois dos setenta anos, o banheiro se torna o cômodo principal da casa uma vez que a velhice não chega sozinha, ela vem acompanhada da perda de equilíbrio, coordenação motora grossa e fina, visão, audição, destreza das mãos, lentidão e fraqueza das pernas e tudo isso, somado aos terríveis problemas gastrointestinais e urinários.
Pensei
em um banheiro, com dois metro e meio de
largura por quatro de comprimento, sendo a divisória do chuveiro feita em
alvenaria, com um metro e meio de altura, para fixar e barra de segurança para
apoio durante o banho e uso do vaso
sanitário, sendo a porta para o boxe de
A questão é o custo do metro quadrado e encontrar profissionais qualificados e responsáveis para executarem os serviços. Dizem que na internet de acha de tudo, então, o problemas é comigo, que não estou sabendo fazer a pergunta certa, ao oráculo Google, porque até agora, não encontrei a resposta para a pergunta que não quer calar:
Qual o preço de um metro quadro de um banheiro adaptado para idosos?
domingo, 25 de junho de 2023
Em busca de mim
segunda-feira, 17 de abril de 2023
Frango a passarinho
Frango ensopado, aos domingos, em tempos
de crise é uma boa opção para a classe
D/E, e como pertenço a esta categoria,
ao deparar com uma promoção, um quilo de frango a passarinho, de uma
marca conhecida, por apenas dez reais, não
hesitei e coloquei no carrinho, depois,
fui ao setor de hortifrutigranjeiros para adquirir o quiabo e retornei feliz ao lar.
Domingo, a tão esperada hora do almoço, comecei os
preparativos e para a minha surpresa, o frango a passarinho, veio sem miúdos, pés,
pescoço e cabeça, asa, havia 10, isto mesmo, comprei uma ave sem pés e com
cinco pares de asas, e também, não encontrei as costelas e as coxas, a parte
maior e mais suculenta não foi embalada. Que decepção!
Com a aquisição desta ave exótica, fui
obrigada a mudar a receita, do
tradicional frango ensopado com quiabo, parti para o churrasco de apartamento “ feito na frigideira antiaderente” , que por sinal ficou muito
bom, uma vez que temperei com limão siciliano e coloquei fatias finas de bacon
por cima e deixei as asinhas ficarem tem torradinhas. Delícia para o paladar e
terrível para o colesterol!
domingo, 9 de abril de 2023
Páscoa solitária
Levei sete décadas para perceber
que eu ansiei por uma vida que não minha
pertencia e sim, a minha mãe. Ela ansiou por uma vida diferente, com glamour e
cultura e eu, por ingenuidade ou carência afetiva, absorvi o seu sonho frustrado e
saí em busca do que eu não queria, pois de fato, eu sempre quis o amor de mãe, e este nunca tive, e a última
vez que nos vimos, lembro-me que ela me chamou de falsa, quando a minha
essência, é harmonizar as relações. Abdiquei da maternidade e agora estou só,
completamente só, sem ter dado a minha
contribuição para a perpetuação da espécie humana. Nada é mais triste do
que a certeza, que a tua vida, terminará,
definitivamente, no dia de sua morte, que não viverei até a minha sétima geração.
Pesquisadores chamam a atenção para a liquidez das relações
da atualidade, quando nada é feito para durar, e, em busca de sucesso, não
investi em relacionamentos sólidos e, hoje, posso dizer com segurança, que todas as minhas relações são frágeis, não
duram além do interesse do momento, tirar vantagem um do outro. Hoje, domingo
de Páscoa, não recebi uma mensagem de feliz
páscoa, direcionada a mim, as de grupo de trabalho não contam pois são
da turma dos puxa saco, que sequer vão à igreja.
A facilidade de contatar
pessoas pelas redes sociais, distanciou a comunicação sincera e fragilizou as
pessoas, que não conseguem mais lidar com as dificuldades naturais da convivência diária, deletar é
mais fácil, porém, os amigos virtuais, não preencher o vazio interior porque somos seres grupais,
precisamos uns dos outros. Solidariedade agora virou serventia! Quando uma
pessoa não satisfaz os interesses egocêntricos, simplesmente substituímos por outras nos
mesmos moldes, que descartaremos logo
.
sexta-feira, 7 de abril de 2023
Solidão de Sexta-Feira Santa
Hoje
é sexta–feira e eu procurei uma imagem de Cristo Crucificado para colocar em
minhas redes sociais, pois tão grande é a minha solidão, que não tenho nada a
postar, nem mesmo o bacalhau eu comprei, por falta de dinheiro mesmo, e pela mesma razão, não irei
a igreja, que apesar de ter atividades gratuitas, com toda esta chuvarada, não poderei comparecer, pagar táxi ou chamar motorista de aplicativo é para quem pode, não para quem quer.
Sempre
me pergunto onde foi que eu errei em não
ter conseguido casar, ter filhos,
construir uma família, hoje poderia estar levando netinhos à igreja, para
assistir a paixão de Cristo, nosso Salvador, e assim, despertar nela,
sentimentos de compaixão. Por necessidade financeira, não consegui olhar nada, além do trabalho, que bota a comida
mesa? Esteja onde estiver o erro que cometi, hoje não é mais possível consertá-lo
porque na vida, há tempo para tudo, para errar, corrigir o erro e seguir em
frente, e também, para errar, não perceber o erro, e já tarde demais, arcar com
as consequências nefastas dos erros e
escolhas do passado.
Mas
voltando ao assunto, consegui encontrar uma imagem de Cristo, carregando a
cruz, de autoria do gênio da pintura, El Greco, uma imagem que beira à perfeição, com as pinceladas características do artista, e estas pinceladas são as responsáveis
por moldar os volumes e distorcer os
corpos, para que evidencie
a espiritualidade de Cristo e dos cristãos. Abençoados sejam os
artistas, que com o seu talento, preenchem o vazio das almas solitárias,
como a minha.
domingo, 26 de março de 2023
Você pode mais
Encontro de Mulheres foi maravilhoso! Saí revigorada e transbordando. Bem organizado, bom
acolhimento, água e lanche com fartura e excelente louvação, nada a reclamar, só
a agradecer a energia que emanou da Santíssima
Trindade. Você é um diamante que
se continuar se lapidando diariamente,
transformará centenas de milhares
de fiéis todos os dias pelas redes sociais e em eventos presenciais, quando estes ocorrerem.
Você foi muito feliz quando falou
do DNA de Deus em Adão, nunca havia
pensando nesta possibilidade e sobre as costelas que protegem órgãos vitais e Eva foi feita de uma costela de Adão. Explore
mais o tema: o papel da mulher na
harmonização do lar e criação de filhos saudáveis.
1- Confie no sopro de
Nossa Senhora do Equilíbrio e também pesquise e faça um roteiro;
2- Explore mais as suas formações acadêmicas, você tem
autoridade para isso, garantidas pelos seus diplomas universitários;
domingo, 19 de março de 2023
Prova de vida
Fui
aluna de Marília durante os dois últimos anos de faculdade e,
como morávamos mesmo bairro, retornávamos juntas,
de Metrô, para casa, pois sempre foi perigoso paras mulheres sozinhas
circularem à noite, antes, por medo dos animais silvestres noturnos e hoje, por temor a própria espécie,
que ao contrários dos outros mamíferos/carnívoros, que atacam
somente quando acuados e para matar a fome, o bicho/homem ataca, com requinte
de crueldade, apenas pelo prazer de ver o medo estampado no rosto da vítima. A
relação mestra/aluna evoluiu para sincera e longa amizade.
Marília chegou aos 80 anos com boa saúde
física, porém, o que é característica dos últimos anos de vida, ela não ficou
imune, está com perda de memória recente
e por inúmeras vezes, quando
incendiou a casa, isto somente não
aconteceu porque o seu olfato ainda
resiste, ao contrário da visão, audição
que já se perderam nas brumas do tempo. Mas o INSS, não perdoa, tem que fazer a
“ prova de vida” provar que ainda perambula neste mundo e faz jus aos parcos
recursos pagos pela Instituição.
A sobrinha neta, sempre a atenta a este detalhe, pediu que
eu acompanhasse a tia; para cumprir com a obrigação anual, deixou os documentos e endereço juntos, dentro de uma pasta e lá fomos nós,
para a alegria da octogenária, que manteve firme a ideia de irmos a uma pastelaria famosa no centro da
cidade, a qual ela foi assídua frequentadora
em sua juventude e idade madura. Foi um dia difícil, ela esquecia porque estamos
lá e dezenas de vezes, tive que lembrá-la
a razão de termos saído de casa. A
experiência serviu para chamar a minha atenção para o peso dos anos, e, que o
mais prudente a fazer, é ficar atenta a formação de novos hábitos que
facilitarão, quando a memória faltar, pois quem não fica pelo meio do caminho,
fatalmente, irá enfrentar a perda de
memória recente.
terça-feira, 14 de março de 2023
Assediada
Assediada
Era uma noite
qualquer da primavera de 1979. O ar estava parado, porém o frescor
característico da estação entrava pela
janela e apesar da temperatura amena Rosalina sentia o suor escorrer
pelo seu rosto; o coração batia apressado e suas mãos tremiam de nervoso, temia
que algo pudesse sair errado. Apesar de ter planejado este momento por mais de uma década, em seu
íntimo ela sabia que a distância entre o
sonho e a ação vai para mais de mil léguas. Também
tinha ciência que o caminho a ser percorrido
era desconhecido e haveria muitos a obstáculo a vencer, mas lhe faltava a
percepção do julgamento moral que enfrentavam ás moças solteiras quando deixavam a casa paterna e da dificuldade que
é arcar com os custos de moradia e alimentação; até então, vivera sobre a
tutela de seus pais. Pela ajuda na lavoura, recebia um quarto do salário mínimo para gastos
pessoais com coisas tipicamente
femininas e nunca ajudara com um centavo nas despesas de casa. Como o plano
de partir era antigo, ela economizara o
máximo que pôde até juntar a quantia necessária para cobrir
as despesas essenciais durante o
período de busca de uma colocação no mercado de
trabalho, que ela calculou de no
máximo, sessenta dias. Sentia medo do
novo e de uma possível reação violenta de seu pai quando ele soubesse que a
partida era definitiva. Ele poderia dar
queixa à Polícia e ser levada de volta
ao lar não lhe soava nada animador. Nem
queria imaginar como seria a sua
vida depois porque os costumes eram outros e a honra de uma família era um
valor inestimável e importante nas relações sociais e comerciais. Melhor seria
que todos acreditassem que ela estaria
vivendo na capital, sob a proteção de sua madrinha. Arrumara uma mala básica sob os olhares vigilantes de suas irmãs e
quando ouviu-as ressonarem tranquilas em seus leitos, aproveitara a claridade
do luar para incluir todos os seus
pertences e esconder bem as suas economias para evitar surpresas desagradáveis
como assaltos. O mais prudente
seria reparti-la nos bolsos das calças, dentro das meias
e emba’ixo das palmilhas dos sapatos. Em sua bolsa, somente o necessário para o transporte, um copo de água e um pão na
chapa. Ninguém sabia o real motivo de sua partida, se soubessem que ia em busca de um sonho
inacessível a uma garota roceira que cursou apenas a oitava série, em uma
escola pública da periferia e aprovada com as notas mínimas. Ela era considerada
uma aluna fraca pelo corpo docente, e sempre precisou da misericórdia de um
ponto ou mais para não ser reprovada,
isto graças ao seu comportamento exemplar em sala de aula, abria a boca
somente para responder a chamada. Se seus genitores descobrissem o seu segredo e com a sabedoria
peculiar das pessoas simples e mais velhas, tentariam dissuadi-la
de ingressar em alguma carreira artística e mais provável que com uma vara de bambu. Rosalina nascera em uma
tradicional família de sitiantes, que nunca conhecera outra atividade a não ser
a lida campeira no cuidado com o gado e plantação. Não
possuíam o domínio da forma culta
da língua materna, tinham as mãos calejadas, a pele queimada
pelo sol e o andar curvado. Eram pessoas trabalhadoras e honradas, mas
faltavam-lhes elegância e boas maneiras
à mesa e malícia no trato com negócios e
estranhos, havia dificuldades até no diálogo
entre os parentes; executavam as
tarefas como os antepassados, os mais
novos aprendiam pela observação, questionamentos e explicações eram
desnecessárias e provavelmente porque
sempre fora assim, consequentemente,
Rosalina não desenvolveu a habilidade de
elaborar perguntas e manter um diálogo
longo, desconhecia o que era direitos
humanos e trabalhistas, apenas cumpria com a sua obrigação. A sua percepção de
um mundo novo além do horizonte se deu quando passou a frequentar a biblioteca da
escola e teve acesso as revistas
como Claudia, Grande Hotel,
Capricho, Vogue, Sétimo Céu e outras e
desde então, emergiu das profundezas de seu coração, um desejo imenso de ver a sua foto nas páginas das revistas e
admirada por todos, principalmente pelos seus pais que pareciam não enxerga-la
como pessoa, apenas como o máquina programada para o trabalho. Da boca
deles nunca saia um elogio ou um
agradecimento pelas inúmeras tarefas executadas do nascer ao pôr-do-sol,
enquanto suas irmãs, principalmente a mais velha, ficava com a
responsabilidade de serviços mais leves. Ela estava envelhecendo rápido
devido as longas horas expostas ao sol
ardente na labuta diária na lavoura e
sem protetor solar, que não era conhecido
em sua região naquela época. Sequer tinha um chapéu ou mesmo um lenço
para proteger os seus longos cabelos ruivos, sempre trançados para evitar acidentes durante as tarefas mais
perigosas como fazer ração para o gado, soltos, alguns fios poderiam serem
pegos pelo motor e ela ser escalpelada.
É sabido que a distância entre o sonho e a realidade é grande e até inacessível para aqueles que não tem contato com pessoas do meio e desconhecem o mercado de atuação e as habilidades necessárias para a profissão, que no caso de modelo que ser fotogênica é essencial como também, fazer cursos para corrigir a postura, aprender poses e expressões faciais para fotografia, e de como comportar-se em uma entrevista, looks para portfólio, técnicas para se portar adequadamente em frente a uma câmera, enquadramentos, iluminação, cuidados básicos com a pele, dentes, cabelos. Mas quem desconhece o perigo não o teme, e confiante que uma vida glamourosa esperava por ela, aproveitada a claridade do luar para terminar de arrumar a mala, não desejava que suas irmãs percebesse que a partida era definitiva. Rosalina completara 21 anos de idade a menos de um mês, mas aparentava ter uns 25 ou mais e acreditava piamente que em pouco tempo a vida de privação e incompreensão seria apenas uma lembrança; e na primeira visita à família, todo ficariam encantados com a sua beleza e saldo da conta bancaria. Rosalina era uma exceção, ela não partia em busca de trabalho para saciar a fome, mas em busca de um sonho e para realiza-lo seria necessário submeter-se a qualquer ocupação desde que dentro da Lei de Deus e dos homens, portando, o que ela não poderia era ter problemas com a polícia. “O trabalho dignifica o homem” expressão que ouvia desde menina, seja limpando o chão, atendendo balcão, em um escritório, o importante era receber o salário. Muita coisa irá mudar, passará a usar roupas e sapatos novos, um prazer que nunca teve, sempre usara a roupa da irmã mais velha e lavará os cabelos com xampu e enxágua-los com creme rinse, irão ficar sedosos, macios e brilhantes; esse luxo não faz parte dos cuidados pessoas da população campesina , o costume é fazer a higiene do corpo e dos cabelos com sabão de óleo de coco babaçu, fabricado em casa, um costume bem antigo. Enquanto os objetos pessoais vão sendo apertados na mala, os novos hábitos vão sendo desenhados na mente da jovem que almeja conhecer uma nova maneira de viver, experimentar novos sabores gastronômicos, fazer amizades com pessoas interessantes, frequentar lugares elegantes e ser admirada e respeitada que não a chamarão de lunática porque gosta de folhear revistas, jornais e de ler romances. Rosalina sempre desejou conversar com a família sobre sentimentos e as poucas tentativas que fez as feridas demoraram para cicatriz tão grande foi a zombaria. O que fora a sua vida até hoje? Trabalho silencioso e ouvido atento as severas críticas maternas que nunca estava satisfeita com os resultados, por mais que se esforce, sempre havia uma reclamação finalizada com: “ você não faz nada direito, não aprende nunca. Que castigo meu Deus, ter uma filha assim.” E nunca completava a frase e menos ainda apontava a falha e orientava-a a como executar a tarefa corretamente. Rosalina não tinha consciência que não desejava partir e que iria embora em busca de reconhecimento como ser humano e que dinheiro e prestígio podiam camuflar, amenizar, mas não a findar com a sua dor existencial e carência afetiva.
No céu a lua segue o seu curso a iluminar a paisagem que adquiri uma aparência mágica entre a escuridão e claridade e os olhos de Rosalina percorrem os campos a despedir-se do pedaço de chão onde nasceu e cresceu. O desejo de partir em busca de uma realização profissional é grande como é a dor de abandonar tudo aquilo que lhe é familiar, bom seria se não fosse necessário abrir mão de nada nesta vida. Mas a vida é feita de escolhas e ela escolheu seguir o caminho que pedia o seu coração. Abandonar a terra natal não é fácil para ninguém porque cada pessoa em sua pequenez compõe a alma do lugar com o seu jeito peculiar de falar e ver mundo, de seu trabalho, expressão cultural e suas memórias que se confundem com a história da região, daqueles que vieram antes e deram identidade ao local. O assovio do vento, as floradas dos ipês, a safra de araticum e pequi com seus sabores e cheiros peculiares, o cacarejar das galinhas, o aboio dos vaqueiros, o uivo do lobo guará, o tilintar das enxadas e o coro das mulheres em suas ladainhas noturnas são o coração a pulsar do lugar, é a vida em toda a sua plenitude que está sempre em transformação, a que se dá o nome de progresso que assusta os mais conservadores e encantam os progressistas, enquanto que os velhos matutos, estão sempre a recordar como eram as coisas nos idos tempos de sua infância, os jovens caipiras anseiam por novidades. Esta memória é necessária para que nasça na alma da nova geração o sentimento de pertencimento, pois é o conhecimento do passado que possibilita a pessoa saber quem é no presente e lhe proporciona as ferramentas necessárias para projetar o futuro com precisão. A memória ancestral e as técnicas adquiridas pelos antepassados são os alicerces e não há dúvida de que humanidade caminha sob os trilhos dos que vieram antes, acrescentando e transformando algo que já existia como a título de exemplo, nas artes. Primeiro veio a descoberta da pintura, depois a fotografia apropriou-se de algumas regras básicas já conhecidas pelos pintores, depois veio o cinema e deu movimento a estas imagens, mais tarde, acrescentou-se as falas. Assim tudo parecia perfeito, mas depois veio a televisão e nem de casa o público precisava sair, o entretenimento adentrava nos lares e a radionovela ganhou imagens. A energia elétrica era um luxo para os citadinos, no campo apenas o desejo de ver imagens e o som eficiente dos rádios de pilha, a esperança de desfrutar destas novidades floresce no coração de Rosalina, quem sabe ser uma atriz de radionovela ou da televisão, tudo é possível. Desta gleba deseja levar o belo, o silêncio dos prados quebrado pelo chilrear dos pássaros, o ritmo compassado do caminhar do gado ao entardecer rumo ao curral em busca de sal, a magia do orvalho ao amanhecer, mas também deseja deixar e apagar do seu coração a dor de não se sentir amada pelos seus genitores, de ser rejeitada pelas irmãs que a chamavam de vaca malhada em virtude de suas sardas, de ser uma estranha na própria terra e que tanto ama. Ter nascido ruiva em uma família de morenos não foi um privilégio, e sim, um castigo, a situação se agravou após a morte do avô que, lembrava a todos os indiscretos que ela herdara os cabelos dourados do patriarca da família, o velho Scott, o escocês que no início do século XIX, chegara aquela região para trabalhar na lavoura, não fez fortuna mas deixou descendentes trabalhadores e apegados a terra. Um lapso de culpa atinge o coração da jovem: abandonar mais de um século de tradição não seria uma ofensa ao seu tataravô? Seu pensamento é desviado por uma lufada de vento que bate a janela e ela teme que o barulho desperte suas irmãs, assim, abandona os devaneios, fecha a mala, acerta o relógio e recolhe-se ao seu leito. Tem um sono agitado pelo medo de perder a hora e também, pela expectativa de uma nova vida, na qual lhe falta a técnica e o conhecimento para subir os primeiros degraus da escada da fama, ela não sabe que está mais para dar um passo no escuro a beira de um precipícios que brilhar sob as luzes da ribalta. Em sua bagagem ela guardou um bem precisos: A esperança...
Romper os laços de afeto com a terra natal e com os membros da família e comunidade é doloroso e com a firme convicção em dias melhores, Rosalina parte sozinha, sem despedidas, sem apoio levando consigo os valores de sua família: honestidade, apreço ao trabalho e a crença que a cada amanhecer a vida renova-se, isto é o seu bem maior: acreditar! Ela não conhece os perigos a que estão expostas as moças sozinhas, na capital; quem não conhece os perigos não os teme, mas a prudência é uma virtude que nunca deve ser esquecida e por esta razão não há de esquecer o sábio conselho de sua mãe “ ver, ouvir e calar”, isto a ajudará a não entrar em nenhuma confusão; apesar da distância, o respeito aos ensinamentos paternos deverão ser seguidos, porque o seu pai, um homem rude e severo, nunca perdeu uma oportunidade de lembrar a sua prole que jamais as buscaria na Delegacia de Polícia, não criaria neto filho de mãe solteira e menos ainda daria assistência em casos de doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e hanseníase, que naquela época e região ainda eram bastante comuns. Ela tinha bem claro em sua mente, a importância da obediência filial, amava seu pai e não desejava romper definitivamente este laço, famosa e com dinheiro, sua fuga seria perdoada, mas solteira, doente e com um filho nos braços, ninguém lhe estenderia a mão, nem mesmo as cafetinas das casas de tolerância acolheriam uma moça nestas condições, disto ela tinha certeza. Com os valores aprendidos em casa como balizas em sua nova jornada, coragem e disposição para trabalhar, Rosalina acreditava que conseguiria ingressar com facilidade na carreira artista, ela desconhecia a força do popular “Q.I,” (quem indica) tão necessário no mercado de trabalho e, nas condições dela, talvez seria de pouca utilidade porque já constava com 22 anos de idade, desconhecia as regras da linguagem dramática, não sabia dançar, no canto era desafinada e somada a falta de habilidades artística, ainda era tímida e sua dicção precisava ser trabalhada por uma fonoaudióloga.
Para a jovem sonhadora, o ato de fechar a mala simbolizava o prenúncio de uma nova vida e do adeus as lembranças dolorosas e constrangedoras, as quais ela não tinha ciência que tratava-se de um crime denominado abuso sexual, e mesmo se soubesse, quem acreditaria que o seu tio materno, já deslizou sua mão por baixo de seu vestido, tocou os seus seios e indagou se ela permitia que seus namoradinhos desfrutassem de suas delícias. Ela sabia da gravidade do ato, mas preferiu calar-se porque tinha a firme convicção que seria chamada de mentirosa e talvez até levasse uma surra pela difamação do parente, já que a sua alcunha era “ cabeças nas nuvens”.Em sua região, o incesto era uma prática condenada não somente pelo pecado, perante a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, mas também pela possibilidade de gerar uma criança com uma deficiência física ou mental. Com relação ao episodio com o tio, Rosalina sentia-se aliviada, com a sua partida, uma tragédia iria ser evitada. Apesar das mulheres mais velhas de sua família não falarem sobre a sexualidade feminina ela lia em revistas e observava a copulação entre os animais do sítio e sabia que o macho persiste até conseguir acasalar e o tio iria lutar até conseguir o seu objetivo. Ela nunca havia namorado, não por falta de pretendentes, mas porque sempre desejou partir e não queria cair na cilada da paixão, como acontecera com várias moças das redondezas que acabaram casando às pressas para que ninguém percebesse que havia uma criança a caminho.
Rosalina desceu do ônibus um pouco tonta, e com dores nas pernas, nunca havia permanecido tanto tempo dentro de um veículo em movimento, era a primeira vez que ia a capital e ficou estupefata com o burburinho e tamanho do Terminal Rodoviário e seu coração rejubilou-se quando viu a sua prima a esperá-la na plataforma de desembarque, sozinha, ela não saberia sequer encontrar a saída e as surpresas estavam só começando.Tudo era novidade, a escada rolante, o transporte coletivo, o agito das ruas, a diversidade do comércio, arquitetura moderna com seus altos edifícios, as longas distâncias a indiferença entre as pessoas, e os batedores de carteiras, mas ela não poder perder tempo apreciando o novo, precisa prestar atenção no trajeto, anotar os pontos de referências, nomes das ruas para aprender a andar sozinha porque sua prima trabalhava e não poderia servir-lhe de guia. Nem sempre a realidade condiz com o sonho e a expectativa de uma vida melhor sem o apoio financeiro e emocional dos pais não é fácil e Rosalina teve ciência disto assim que adentrou em sua nova morada: um barracão em uma favela, sem móveis, apenas um colchão de solteiro e um fogão de duas boas. Roupas e mantimentos ficavam em caixas de papelão que atraiam baratas em abundância e para completar o quadro a prima confessou que estava grávida de três meses de um aventureiro casado que afirmou que não iria assumir a criança para não ter problemas com o sogro. Apesar da pobreza nunca experimentada por ela antes, já que no sítio sempre faltou dinheiro, mas em contrapartida, sempre havia abundância de alimentos porque além da horta, cultivavam para as despesas, arroz, feijão, milho, mandioca e diversas árvores frutíferas, sem falar na criação de porcos, galinha e algumas vacas leiteiras. Diante desta nova realidade, a moça não esmoreceu, e aceitou de bom grado a sugestão de prima de que ela cuidasse da casa e do bebê porque ela já tinha emprego com carteira registrada e arcaria com as despesas da casa e do aluguel, ambas estavam no mesmo barco, sem poder regressarem ao conforto da casa paterna, então o melhor a fazer era uma apoiar a outra, a prima não sabia do sonho de Rosalina tornar-me uma modelo ou uma atriz famosa e mais uma vez ela preferiu calar-se e concordou, aproveitaria o tempo de espera para a chegada da criança para conhecer a cidade, a biblioteca municipal e descobrir uma maneira de entrar em contato com o mundo artístico.
Rosalina procurou adaptar-se à nova realidade da favela: esgoto a céu aberto, ruas sem calçamento, som alto, briga entre familiares e vizinhos e a presença constante da Polícia Militar; nos momento de maior tensão, firmava o pensamento e repetia a si mesma que era apenas uma fase ruim e que iria passar, em breve, estaria morando em um lugar melhor e com mais comida na despensa; acostumada a colher fruta do pé, sempre que sentia vontade entre os intervalos das refeições, agora não havia sequer um pedaço de pão amanhecido e a fome corroia o seu estômago mas ela resistia, sabia que não podia voltar e nem abandonar o seu sonho acalentando a tanto tempo. Em uma manhã fria, já com seis meses de gravidez, a prima sentiu dores na barriga enquanto se arrumava para o trabalho e não podia faltar, preocupada, Rosalina decidiu acompanhá-la. No ônibus, durante o trajeto a situação agravou-se e uma senhora orientou as jovens inexperientes a procurarem uma maternidade porque a criança iria nascer em breve, o que elas não sabiam é que era um aborto espontâneo. Com a perda do bebê, ela precisava conseguir um trabalho para se manter e ajudar nas despesas da casa; Sem dinheiro para a condução, ela saia de manhã, dirigia-se a biblioteca municipal que disponibilizava o jornal do dia para as pessoas e sem perda de tempo lia o caderno de classificados em busca de uma vaga de balconista, recepcionista, babá,ascensorista, qualquer ocupação que ela acreditava que fosse capaz de executar, mas ela não tinha registro em carteira, carta de referência e nem experiência. Com o estômago a reclamar alimento, sede, dores nos pés, ela ia aos endereços anunciados, preenchia fichas e nunca chegava um telegrama convocando para uma entrevista. Os dias pareciam iguais e a busca por uma ocupação estava bem mais difícil do que o esperado. Além da leitura dos classificados, percorria as ruas do centro lendo os cartazes dos plaqueiros, entrando nos comércios e indagando se não havia vagas, sempre ouvindo não e promessas das agências de emprego para aguardar. Somada a esta maratona diária, limpava a casa, cozinhava, lavava e passava as roupas de ambas e quando pedia dinheiro a prima para comprar fichas telefônicas para saber como chegar a algum endereço ou pedir uma informação sobre trabalho, invariavelmente ouvia que ela precisava economizar porque o dinheiro mal dava para o supermercado, aluguel, já que a luz e água eram gatos. Ela precisa urgente de um trabalho para a sua sobrevivência e também para renovar o seu guarda-roupa, pois sempre usara as roupas das irmãs mais velhas compradas por um preço simbólico e já estavam bem gastas.
O que estava ruim ficou um pouco pior quando a sua prima arrumou um namorado, um homem uns quinze anos mais velho que ela, desempregado que vivia de pequenos trabalhos temporários e o levou para morar com elas. Ele chegou apenas com um colchão e sem nenhum dinheiro no bolso, uma situação constrangedora porque dormiam os três no mesmo quarto. O desespero crescia a cada dia, não podia voltar ao lar humilhada, pedindo perdão aos pais por ter fugido de casa e caso conseguisse o perdão paterno, que futuro teria ela? Quem iria acreditar em sua história de que saíra de casa em busca de trabalho e que a sua virgindade estava preservada? Nenhum rapaz casaria com ela, as primas e amigas afastariam para não ficarem faladas e não mais poderia andar sozinha porque sempre haveria um homem a sondar a possibilidade de conseguir desfrutar do prazer carnal, para a comunidade rural , ela seria uma mulher desonrada e desprezada, e na cidade, o máximo que conseguira seria um emprego para ganhar meio salário mínimo e amargar o remorso de não ter tentado o suficiente. Ela não podia esmorecer. Tinha que lutar até exaurir todas as suas forças. Apesar dos esforços diários, a tão almejada oportunidade não aparecia e voltar para casa antes da prima era um suplício porque o namorado já tentara tocar-lhe os seios e ela temia que o pior poderia acontecer. E se ela engravidasse do homem da mulher que a acolhera em seu lar, desempregada, sem dinheiro e sozinha em uma cidade grande? Sem filhos já estava difícil conseguir um trabalho imagine uma mãe solteira, refletia desesperada. Frente a esta dura realidade, procurava não pensar em seu sonho profissional e investir todas as suas energias em busca de qualquer trabalho, desde que fosse honrado, que pudesse dizer com orgulho que era ascensorista no edifício tal, ou balconista na loja X. A exemplos dos camponeses que em tempos de secas prolongadas lutam até esgotarem todas as possibilidades para impedir o gado de morrer de fome ou de sede, Rosalina saia, todas as manhãs, de segunda –feira a sexta-feira, enfrentando chuva e sol ardente em sua jornada infrutífera, a perambular pelo centro da cidade, de porta em porta a preencher ficha de solicitação de emprego, e numa tarde fria um fio de esperança nasceu em seu coração ao ler um anúncio que admitia moças sem experiência e não perdeu tempo, pediu o endereço ao plaqueiro e com alegria preencheu a ficha e seu coração bateu forte quando a recepcionista pediu que aguardasse na sala ao lado para ser chamada para a entrevista. Parecia um sonho e os minutos pareciam horas.
Rosalina estava eufórica! Pela primeira teria a oportunidade de explicar ao entrevistador que apesar de não ter registro em carteira, tinha disposição para aprender e valores sólidos como pontualidade, perseverança, honestidade, que não tinha medo de serviço e que desde criança ajudava os pais na lida diária. Ela não sabe quanto tempo esperou e quando finalmente, a porta abriu, saiu uma jovem que pediu que ela entrasse. – Preciso falar pausadamente e sem gaguejar, pensou. Foi recebida por um senhor moreno e sério e que trajava um terno de linho amarelo, fato que chamou a sua atenção, pois em sua região, em eventos sociais, a preferência masculina era por trajes de cores sóbrias, como o preto, azul escuro e marrom e cinza, em frações de segundo veio a sua mente o casamento de Afonsina, que o noivo usou um traje xadrez e a sua avó paterna chamou todas as netas e orientou-as que quando fossem casar, que não deixe a escolha do terno somente na responsabilidade do noivo. Mas isso foi há uns cinco anos, talvez a moda na capital seja outra, mas o que realmente importava era a vaga, ele poderia estar até de bermuda. Imersa em suas reflexões, não deu atenção ao olhar devorador dele e com dificuldade conseguiu cumprimentá-lo. Não foi como ela esperava, ele apenas disse para ela pedir à recepcionista que agendasse a entrevista para o outro dia ás onze horas. Decepcionada ela não questionou porque lhe faltou coragem e palavras mas cumpriu a ordem. Talvez este fosse o jeito dele trabalhar e a esperança de um encaminhamento para uma vaga renasceu em seu coração e aproveitou o resto do dia para dar uma volta no parque municipal, renovar as energias porque a sua hora havia chegado, assim acreditava a inocente jovem.
O silêncio era uma característica de Rosalina e ela nada disse à prima sobre a entrevista, porém, arrumou-se com mais esmero e um pouco antes das onze horas, ela já havia informado seu nome à recepcionista e feliz, aguardava na sala de espera, acreditava que não iria demorar porque não havia ninguém em sua frente. O relógio da parede marcou onze horas e vinte minutos, a recepcionista saiu para o almoço sem nada lhe dizer e fechou a porta da recepção. De repente, a porta da sala de entrevistas abriu e o mesmo senhor, com o mesmo terno amarelo disse para ela entrar, com as pernas trêmulas ela acatou a ordem. Ele não indicou a cadeira para ela sentar, como de praxe, fechou a porta, encostou-a na parede e começou a beijar o seu rosto, pescoço, boca, enquanto sua mão desabotoava a sua blusa, e quando desnudou-lhe os seios, apertava-os com tanta força que lágrimas de dor brotaram em seus olhos assustados diante da situação inusitada. Ele continuou seguindo seus impulsos sexuais, desceu suavemente a mão pelo corpo da jovem, levantou sua saia e sua não acariciou por um longo tempo suas partes íntimas e já saciado, sentou a jovem no sofá, deitou em seu colo, acariciou-lhe os seios e mamou por um longo tempo com a serenidade de um bebê. Neste tempo, nenhuma palavra foi dita e a jovem permaneceu estática, sem nenhuma reação enquanto ele desfrutava de seu corpo à sua maneira. Em sua região, nunca soube de um patrão tivesse agido assim com uma trabalhadora, também não havia na região nenhuma mãe solteira, as que cederam a tão falada prova de amor, casaram rápido graças ao acordo firmado pelos pais de ambos. A vida no campo enfrenta perigos constantes com animais peçonhentos e selvagens, e desde a mais tenra idade, as crianças aprendem com agir quando se vêem frente a frente a frente com o inimigo e por analogia instintiva, ela percebeu que não havia como lutar. Ela não tinha forças para imobilizá-lo. Não havia mais ninguém na agência, gritar seria inútil, quem iria ouvir o seu chamado? Fugir não seria fácil, a porta da recepção poderia estar trancada, e a tentativa de fuga poderia despertar a iria de seu algoz e acontecer uma tragédia. O que a teria salvado da situação seria a argumentação, mas a voz desapareceu e não conseguiu sequer esboçar um gemido de dor ou um pedido de clemência. Desesperada, com medo que o ato sexual fosse consumado, firmou o pensamento em Deus e pediu-lhe que a salvasse do perigo iminente; uma gravidez era a última coisa que poderia lhe acontecer. Embora gostasse de crianças, filhos são presentes divinos e promessas de continuidade da vida, mas precisam ser alimentados e cuidados, sem dinheiro, sem emprego, seria mais uma tragédia. Se Deus ouviu o clamor ou não, nunca saberemos, fato é que saciado, ele levantou, tirou um lenço do bolso, secou o suor que lhe escorria pelas frontes e disse que ela podia ir. Perplexa, aliviada e grata por não ter acontecido o pior, Rosalina não disse nada, se recompôs e como um zumbi, percorreu por horas as ruas da cidade até conseguir forças para voltar para casa. Se ao menos ela tivesse alguém para falar sobre o ocorrido e aliviar a tensão e assim, não viu outra alternativa senão calar. Em sua família, nunca lhe foi dada atenção, qualquer incômodo físico ou emocional era interpretado como preguiça, um jeito de furtar-se do trabalho. Ademais, sempre teve fama de mentirosa pela sua maneira peculiar de ver o mundo, com mais leveza e cores belas. Suas conversas profundas sempre eram com os animais do sítio, mas agora, sequer tinha um gatinho. - Que decadência! Sequer posso alimentar um bichinho de estimação. E assim, concluiu que o melhor era não comentar nada com a prima e agradecer a Deus por estar viva e sem carregar em seu ventre, uma vida inocente. Ela queria apenas uma oportunidade de trabalho!
Em sua peregrinação pela cidade em
busca de trabalho, este assédio sexual foi um caso isolado e ela continuou a
ouvir a frase padrão das recepcionistas das agências de emprego, “ È só aguardar,
assim que surgir vagas, entraremos
Rosalina estava feliz, mas nem tudo eram flores, o namorado da prima, irritado com as constantes recusas da jovem diante de suas investidas, pediu que ela deixasse a casa e se não o fizesse dentro de um mês ela iria arrepender-se profundamente. Temerosa, ela conversou com as colegas de trabalho e consegui alugar um barraco nos fundos da casa da mãe de uma delas, e o melhor, apenas três quilômetros do trabalho, em dias de sol, poderia ir caminhando e economizar o dinheiro da passagem. O inconveniente era que os proprietários eram bastantes ruidosos, a lavanderia era comunitária. Rosalina fez um crediário, comprou um fogão e um colchão, o básico para conseguir viver e agradeceu a Deus por poder dormir tranquila, sem o risco de ser molestada. Com o tempo as coisas iriam melhor
Pesquisar a transição do governo militar.
Ignorando a dor nos pés decorrente dos sapatos apertados, ela caminha até o trabalho e com o dinheiro economizado, pagava as contas de luz, água e comprava o jornal de domingo com olho nos classificados em busca de oportunidade no meio das artes. O pouco que sobrava, escondia em um buraco da parede para futuramente renovar o guarda-roupa e apresentar-se melhor em sua nova jornada. As coisas pareciam caminhar em direção aos seus objetivos. Estava trabalhando, morando sozinha e agora, por meio das colegas, descobria uma escola de estética próximo a loja que recrutava modelos voluntárias para as alunas e ela não perdeu essa oportunidade de cuidar da pele. Sofreu um pouco com a inexperiência das futuras depiladoras e manicuras, mas mesmo assim, ela agradecia a oportunidade por ela não tinha condição de procurar profissionais competentes. Embora sempre faminta, estava feliz e acreditava que estava aos poucos, vencendo os obstáculos impostos pela vida, mas em seu novo caminhar, espinhos maiores ainda iriam cobrir a sua estrada e ferir o seu corpo e a sua alma. Ás segundas- feira, sempre que se encontra sozinha no escritório, entrava em contato com os anunciantes e marcava horário sempre após o expediente ou horário de almoço e lá ia ela com o estômago corroído pela fome em busca de um sonho. Fazia apenas uma refeição ao dia que consistia em arroz, ovo frito, uma rodela de tomate e uma folha de alface, o mais barato que existia na redondeza.
Apesar de estar morando na capital, Rosalinha não desenvolveu a habilidade de fazer perguntas, assim, não dispunha de informações precisas para ingressar na carreira de modelo e mantinha a sua dinâmica aos domingos, comprar o jornal de maior circulação, ler os classificados de emprego, sem uma explicação plausível, confiava na seriedade dos anúncios, assim como os apostadores de casas lotéricas, nada questionam e acredita em um prêmio que nunca chega. Em sua ingenuidade, ela sequer cogitava a possibilidade de que uma empresa que anunciava em um veículo de comunicação de credibilidade pudesse abusar da inocência de um candidato e nem a prática lhe mostrou que a postura das agencias “caça –níquel” não era tão sérias como ela imaginava. Ela perdeu a conta de quanto dinheiro gastou em taxas de inscrição e material de divulgação. Não ouviu um não e o pior, nenhuma alma misericordiosa orientou-a, que primeiro ela deveria estudar, fazer cursos na área, para aprimorar o talento que ela acreditava ter, cuidar da aparência, pelo contrário, elogiavam os seus cabelos ruivos, quebradiços, diziam que era o seu diferencial, mas a palavra final é do cliente, diziam. O investimento em material fotográfico pesava no orçamento, cada agência exigia um padrão diferente e lá ia mais dinheiro. Ela desconhecia estas artinhas dos empresários para arrancar dinheiro dos ingênuos aspirantes ao mundo do glamour.
E a vida de Rosalina transformou-se em círculo vicioso, gastava dinheiro em pagamento de taxa de inscrição e material de divulgação, consequentemente, faltava para uma alimentação adequada e cuidado físicos, importantíssimo para quem pretende viver da imagem. Demorou, mas finalmente ela acordou parcialmente para a realidade e decidiu que continuaria a olhar os classificados em busca de algo mais acessível. Em domingo frio e chuvoso um anúncio chamou a sua atenção, o de uma agência de modelo que selecionava moças sem experiências e que não cobrava taxa de agenciamento e book, porém, cada candidata teria que vender dez ingressos de um desfile produzido pela própria agência, e no ato da entrega do dinheiro fariam as fotos de trabalho. E mais uma vez, munida apenas com a sua inseparável companheira, a esperança e com os ingressos em mãos, iniciou uma planilha de gastos para ver onde poderia cortar e economizar para comprar os ingressos porque não podia contar com o auxílio de parentes e amigos como é de praxe na vida de artistas iniciantes que não pertencem ao meio artístico. Assim, Rosalina se viu obrigada a lançar mão de suas economias e abdicar do almoço no restaurante popular e do transporte; naqueles idos tempos em que as empresas não eram obrigadas a fornecer vale transporte e alimentação; ir ao trabalho caminhando com a marmita no bolso representava uma boa economia. Do seu salário mínimo, ela separou a quantia exata para as despesas essenciais de aluguel, água, luz, supermercado e ainda teve que preparar um cardápio rigoroso e durante quinze dias, o seu café da manhã era um pão francês com um copo de água com açúcar e no almoço, arroz, feijão e polenta que ela devorava rapidamente para que as colegas não percebessem a carestia que enfrentava e no jantar, apenas polenta porque o fubá era o mais barato dos três ingredientes.
Foram quinze dias difíceis! Rosalina estava sempre com fome, perdeu peso, mas conseguiu o dinheiro para pagar os ingressos e com um brilho verde de esperança em seu olhar, no seu horário de almoço, correu até a agência para efetuar o pagamento e marcar as fotos. O Selecionador conferiu o dinheiro, anotou o seu nome e pediu que retornasse no outro dia às 19 horas e levasse trajes de banho. A peça faltava em seu guarda-roupa e sem dinheiro para comprar uma nova, sem a menor ideia da importância da produção em um ensaio fotográfico, improvisou com o que tinha, um velho colan, atualmente conhecido como body, em voga na época. Era uma quarta-feira fria de inverno, cansada, faminta, sem dinheiro para a condução, subiu a Rua do Ouvidor a passos rápidos, foram mais de 40 minutos de caminhada, porém, chegou no horário marcado, e foi recebida pelo selecionador/fotógrafo que já havia percebido a sua inexperiência e sequer a orientou a pentear os cabelos secos e quebradiços, passar um batom. Era uma agência sem estrutura, daquelas chamadas pelos profissionais experientes de “caça níquel e sexo fácil” da qual eles mantinham distâncias, mas para a sonhadora Rosalina, era a sua chance, assim, deixou-se guiar pelo fotógrafo, que direcionava-a para que fosse retirando a roupa e quando já estava com o sei0s desnudos, ele deixou de lado o seu instrumento de trabalho e começou a acariciar-lhe os seios, enquanto beija o seu pescoço e murmurava promessas vãs de fazê-la brilhar nas passarelas e capas de revistas conhecidas. Perplexa com o rumo que as coisas tomaram e como era de sua natureza, não gritou e nem lutou para desvencilhar dele, tampouco correspondeu às suas carícias. Por proteção divina ou pela inércia da jovem, ele não seguiu adiante com seus carinhos e disse apenas que ela retornasse dentro de dois dias para ver a prova das fotos.
Se sua razão não estivesse ofuscada pelo desejo de iniciar uma nova etapa profissional, Rosalina teria percebido que estava trilhando o caminho da humilhação e perda de tempo e em sua ingenuidade, ela voltou para casa acompanhada de suas amigas inseparáveis: a fome e a esperança! Sentia a necessidade de falar com alguém para aliviar a angústia que já não cabia em seu peito. Conversar com quem? Não era prudente conversar com as colegas de trabalho sobre o seu sonho profissional acalentado há tantos anos, expor os seus sentimentos, isto seria bom, mas aprendera desde criança a discrição para evitar a zombaria dos outros. Agora, seus assuntos eram repetitivos e giram em torno das mazelas do dia a dia do pobre, como o alto preço do aluguel, produtos alimentícios e condução. Se tivesse televisão, poderia conversar sobre as novelas, se tivesse condições para frequentar a vida noturna, poderia discorrer sobre os melhores barzinhos, filmes e peças de teatro. A sua vida se resumia em trabalho, banca de jornal e a leitura dos classificados, sequer lia os outros cadernos para ampliar a sua visão de mundo, se o tivesse feito, teria percebido que o conhecimento é o melhor conselheiro. Passado os dois dias, após o expediente, retornou à agência e foi recebida pelo fotógrafo que lhe informou que as fotos não ficaram boas e que ela voltasse em dois meses, para pegar mais dez ingressos, para ganhar outra sessão de fotos. Em um lapso de lucidez, Rosalina levantou, pegou sua bolsa e saiu sem se despedir. Lágrimas de desilusão rolavam silenciosas em seu rosto e passos lentos a levavam para casa. Precisa dormir para esquecer a fome, a tristeza e a sensação de fracasso. Estava cansada e só, como sempre esteve, mesmo quando morava com a sua família. Desejou aconchegar-se no colo de sua avó, como quando era criança. Era tudo que ela precisa um colo e alguém que lhe afagasse os cabelos e dissesse que o amanhã seria diferente e melhor do que o hoje.
Rosalina acordou atrasada e cansada, parecia que o peso do mundo desabara sobre os seus ombros, mas não podia fraquejar, precisava trabalhar. Para saciar a sua fome, ela dispunha apenas de um pão velho, e desejou uma xícara de café para aquecer-lhe o corpo e alma, mas teve que se contentar com um copo de água doce (água com açúcar). Sem dinheiro para a condução, foi caminhado até o trabalho, e entre um passo e outro, pensava na dureza da vida, não tinha lembranças de quando começou na lida: primeiro ajudando com os irmãos menores, alimentos as aves domésticas, cães e gatos, depois já adolescente foi assumindo outras tarefas que exigiam mais destreza como lidar com o gado leiteiro e na lavoura. Agora, na cidade, a dureza era a mesma, sempre a obedecer e ter que entregar o serviço na hora certa. Ela acreditava ser uma moça trabalhadeira e não entendia porque ninguém lhe dava uma oportunidade, queriam apenas desfrutar de seu corpo. À jovem, faltava-lhe malícia, conhecimento e a ciência de seu despreparo para exercer qualquer função na carreira artística. Nem sequer tinha clareza do que desejava: ser atriz de cinema, teatro, televisão ou modelo fotográfico, mas o sonho crescia na mesma proporção que a sua ingenuidade e mesmo antes de chegar à loja, já havia traçado um novo plano de ação para economizar. Compraria o jornal somente no primeiro domingo do mês e um dia, ela pensou mais uma vez que a sua grande oportunidade tinha chegado. Apresentou – se na agência, uma simpática recepcionista orientou-a sobre as fotos, perguntou-lhe se ela já tinha um fotógrafo, como disse que não, ela lhe entregou o cartão de uma fotógrafa que trabalhada para a agência. Rosalina respirou aliviada porque pressentiu que desta vez não seria assediada. Agradeceu à jovem e saiu em direção a uma banca de jornal para comprar fichas telefônicas; contatou a profissional e agendou o ensaio para um domingo de manhã e pela primeira vez, em sua busca infrutífera recebeu uma orientação. Sim, a fotógrafa sugeriu que no dia, levasse três trajes diferentes: um de noite, esportivo e casual. Por desconhecimento e também por não Tê-los, em sua mochila constava somente, além das roupas, somente um batom e um lápis para os olhos de qualidade duvidosa. Nem sapatos e nem adereços faziam parte da bagagem, o que não desmotivou a fotógrafa que deu o seu melhor, orientou-a em como melhor utilizar a sua parca produção, ajeitou os seus cabelos ruivos e maltratados, procurou os melhores ângulos e pela primeira vez, Rosalina sentiu-se respeitada e o resultado foi positivo. As fotos ficaram lindas! Assim que as teve em suas mãos, um leve tremor percorreu o seu corpo, nem parecia ela. Desejou ter dinheiro para revelar mais fotos, além daquelas que deveriam ser entres à agência, para mostrá-las aos familiares, que sempre a chamavam de feia e atrapalhada. E se as colegas de trabalho a vissem assim, tão bela, talvez zombassem menos do seu jeito interiorano de ser. Mas era apenas mais um desejo avisou-lhe a “prudência”, assim, guardou esta alegria em seu coração e a esperança em uma carreira promissora ganhou mais força e ela não perdeu tempo, dirigiu-se à agência, entregou as fotos, preencheu a ficha, informou o telefone do seu trabalho para contato, por sorte, a responsabilidade do atendimento telefônico era dela, assim, ninguém descobriria o seu sonho secreto.
Os dias foram passando e quando a esperança já estava a findar, quase no final do expediente, ao atender o telefone teve uma agradável surpresa. Era a recepcionista da agência pedindo que ela se apresentasse às19 horas, para fazer um teste para um comercial. Ela concordou de imediato e não quis adentrar no assunto para não levantar suspeitas já que o patrão estava perto. No horário combinado, com o coração quase a saltar pela boca, lá estava a ingênua aspirante ao sucesso, sim ao sucesso imaginário, no qual ela ganharia muito dinheiro, e com certeza, seria respeitada e admirada pelos seus familiares, porque amada por seus genitores, ela já não tinha mais esta ilusão, desde que se entendia por gente, sempre ouvira de sua mãe, que fora castiga por Deus, ao dar à luz uma criança ruiva e sardenta, feia por natureza, e que se ela na tivesse nascido em casa, com certeza cogitaria a possibilidade de ter sido trocada na maternidade. Não ter traços físicos e comportamentais reconhecidos pela mãe,é uma dor que uma filha carrega por toda a vida, e este não reconhecido, talvez tenha sido o responsável pelo desejo insano de Rosalina de fazer sucesso em uma carreira artística, vontade esta que lhe ofuscava a razão e foi com o coração transbordando de alegria que adentrou a agência de modelo, e lá encontrou somente o sorridente e bem trajado selecionador, que a convidou a ir ao seu apartamento para fazer um teste para uma comercial de camisolas para um motel e fotos para uma revista masculina. Ávida pela possibilidade de fazer sucesso, ganhar dinheiro e enfim, ser reconhecida pela família, não atentou ao fato de que caso a sua família tomassem conhecimento deste tipo de trabalho, ela não mais seria vista em sua região como uma moça honrada, e não conversou sobre o contrato porque simplesmente desconhecia esta formalidade que resguarda ambas as partes, tampou questionou se ele tinha um estúdio em seu apartamento já que sequer conhecia a palavra “ estúdio”. Não falaram durante o trajeto e Rosalina observava atentamente as ruas e os prédios para saber voltar, costume adquirido no tempo em que trabalhava na lida campeira em que marcar pontos de referências é o que garante o caminho de volta para casa sem maiores tropeços e um encontro inesperado com uma onça pintada, e tranquila entrou no apartamento de um desconhecido e que fechou a porta, e não a convidou a sentar, aproximou-se dela e com uma voz rouca perguntou se ela ia “transar gostoso com ele”. Surpresa com a pergunta, ela pediu para ensaiar o comercial e foi prontamente atendida Ele pediu que ela tirasse a roupa com delicadeza e sensualidade, depois deitasse no sofá com um olhar de desejo, a esperar o marido, que seria representado por ele; mais uma vez ela se viu nua nos braços de um desconhecido e assustada, não conseguiu interpretar uma esposa fogosa e apaixonada, não correspondeu aos carinhos do selecionador, que se irritou e pediu que ela se vestisse e fosse embora porque ela era “muito fria” para realizar o trabalho. Envergonhada, frustrada pela perda da oportunidade, ela não contestou e nem pediu uma segunda oportunidade, apenas cumpriu a ordem e saiu apressada à procura de um ponto de ônibus para voltar para casa ,e pela primeira vez, pensou em desistir da carreira artística.
Encerrada a jornada diária de trabalho, voltar para casa é bom somente para aquelas pessoas afortunadas que tem alguém a esperá-las e comida na mesa. Para Rosalina, que gastava os seus parcos recursos erroneamente na tentativa de ingressar em outra carreira, o que a obrigava a fazer somente suas refeições ao dia era doloroso o retorno ao lar. Para não sentir o cheiro da comida alheia, após o trabalho, ficava vagando pelas ruas da cidade olhar a vitrines e em dias chuvosos, ficava sentada no ponto de ônibus esperando o passar das horas. Ela preferia chegar a casa quando todos já estivessem recolhidos, o banheiro já estaria liberado e com o corpo cansado, o sono não tardava a chegar. E numa destas andanças sem destino, foi abordada por um senhor educado e bem trajado, que lhe indagou se não deseja ingressar na carreira de modelo. A pergunta foi a faísca que precisava para reacender a chama apagada decorrente da última experiência, mas por prudência, não demonstrou interesse, disse que era uma moça feia e que não nascera para isso, também estava satisfeita com o seu trabalho. Ele teceu-lhe vários elogios e o fato de ser ruiva já era um bom diferencial completou e convidou-a a ir ao seu escritório para conhecer o trabalho dele. Com o discernimento ofuscado pelo desejo de ver o seu rosto na capa das revistas da moda, a inocente jovem concordou. De fato, ele lhe entregou várias revistas e disse que ele era o editor chefe, por desconhecer as atribuições do cargo, nada questionou, mas pensou que fosse algo importante e nada mais disseram. Ela se envolveu com as revistas e seus devaneios, ele com a sua malícia e seu desejo. Ele não resistiu! Levantou, chegou por trás, começou a beijar-lhe o pescoço enquanto as mãos impetuosas procuram os seios da jovem, que não manifestou nenhuma reação, não correspondeu aos carinhos, tampouco repeliu-o e continuou a folhear as revistas como se nada estivesse acontecendo. Mas esta não foi uma boa estratégia porque o suposto respeitável senhor sentiu-se rejeitado e enfurecido, bradou que a atitude dela ela inaceitável, uma desfeita, que nenhuma mulher não podia fazer isso com um homem. Rosalina percebeu o perigo e ela sentiu o sangue gelar nas veias. Fugir ou lutar? Disfarçadamente, olhou em direção a saída, a chave estava na porta, ela tinha uma única chance de escapar e não iria perdê-la. Com uma rapidez inacreditável, pegou a bolsa e correu até a porta, e sem olhar para trás, desceu rapidamente pelas escadas e quando o seu pé pisou firme na calçada, respirou aliviada e seguiu rápido em direção ao ponto de ônibus, sempre a observar se ele não estava por perto. ~
Sem perceber, Rosalina pagava um preço alto por ter rompido com as tradições familiares de trabalho no campo, casamento e cuidado com a prole. Ao almejar um estilo de vida conhecido por meio de revistas, este sonho trancado em uma gaveta secreta de seu coração parecia-lhe a cada dia mais pesado, mas ela não conseguia libertá-lo, tornara-se prisioneira de um desejo e não conhecia ninguém para partilhar a sua angústia e direcionar o seu caminhar por uma estrada menos íngreme e com poucas pedras e quiçá alguma árvore frondosa para que pudesse descansar. Abençoada seria se conseguisse abrir o seu coração com uma pessoa realista que lhe retirasse a venda dos olhos para que enxergasse o abismo que a esperava ao final de sua jornada. Sentia-se como um animal abandonado à própria sorte.Será que Rosalina almeja muito da vida? Ela deseja apenas ser admirada pelo seu talento, amada pelos pais, respeitada pelos superiores e colegas de trabalho, e o mais importante: sentir-se gente, conversar com as pessoas, não apenas acatar ordens sem questioná-las. - Pessoas elegantes e famosas conversar sobre o quê? Suspirava a jovem. Sua condição financeira não lhe permitia sequer possuir uma televisão ou um simples rádio de pilha. O jornal que compra uma vez ao mês, lia apenas o caderno de classificados e especificamente a sessão de empregos, e, se conseguisse sair do círculo vicioso em que se encontrava e aventurar-se à leitura do jornal, de pouco adiantaria porque cursara somente as séries iniciais do ensino fundamental em uma classe multisseriada, com uma professora negligente, que bordou o enxoval de casamento durante as aulas, assim, sua leitura era mecânica e em seus poucos anos nos bancos escolares, não desenvolveu a habilidade de interpretação de textos. Às vezes, após percorrer os classificados, seus olhos pousavam no caderno de cultura e as peças em cartaz chamavam a sua atenção. Nunca fora ao teatro e na escola, uma única vez, a professora ensaiou um texto para o dia das mães. Foram muito aplaudidos, mas o público era somente de mães e a sua não estava presente. A sensação de aplausos fora boa, mesmo ciente que não eram a ela dirigidos, cada genitora vibrava com o desempenho de seu rebento, mas ela estava sozinha. Talvez, em decorrência desta experiência, em que não foi criticada pelos familiares é que tenha nascido o desejo de atuar. Outra experiência marcante foi vivenciada em sua adolescência, quando em companhia de sua madrinha, assistiu um filme do Mazzaropi, gostou muito e sonhava em contracenar com ele, era a personagem perfeita, ninguém iria incomodar com o seu sotaque caipira, pelo contrario, seria o seu diferencial.
Resoluta, continuou sua saga em busca de vagas para atriz iniciante. Meses se passaram e um dia, eis que mais uma vez acreditou que tinha acertado os números da mega-sena: o anúncio procurava mulheres para figuração no cinema, e em comerciais de televisão e o melhor, não exigia experiência. Embora não soubesse o que era figuração e não possuía dicionário, e o Google, nem em sonhos existia, concluiu que era uma atividade fácil e ela teria condição de executar com capricho e precisão, como em seu emprego, onde nunca fora chamada a atenção por um deslize. Ela precisava do trabalho e procurava executa-lo com primor. Marcou o teste para sábado, após o expediente e apresentou-se cheia de expectativas, fora a última a ser chamada. E mais uma vez se viu sozinha em uma agência, ela e o selecionador e como não sabia portar-se e menos ainda conversar sobre a vaga, limitava-se a seguir as orientações do fotógrafo e este não lhe guiava em palavras, mas a colocava na pose desejada enquanto despia-a suavemente, após fotografar varias vezes suas partes íntimas, ela a deitou de costas, acomodou suas pernas bem abertas sobre as almofadas, orientou-a a fechar os olhos e acariciar os próprios seios e ao som do click da câmara fotográfica, ela seguia sem questionamentos as orientações. Estranhamente não sentia medo, apenas um prazer até então desconhecido, de repente, não ouviu mais o click, nem a voz a orientá-la, apenas o silêncio, não teve coragem para abrir os olhos, continuava a sua autocarícia quando sentiu o peso do corpo dele sobre o seu, as mãos firmes dele, afastaram as delas e ele começou a beija-la furiosamente, a sugar-lhe os seios sofregamente. Quando ela percebeu que o ato sexual estava para ser consumado, lembrou da voz firme de seu pai a dizer-lhe que jamais aceitaria um neto fora do casamento e um fio de coragem e lucidez surgiu do nada e ela pediu pelo amor de Deus que parasse porque ela poderia engravidar e um bebê, era o que menos ela desejava no momento. Tranquilamente, ele lhe perguntou se o que a impedia de desfrutar a plenitude do momento era somente um filho não planejado e ela respondeu que sim pois não querida e não podia ser mãe porque não tinha condições financeiras para criá-lo. Ele não disse mais nada, apenas a virou de costas, levantou seu quadro até a altura do dele e a penetrou afoitamente. A dor ela terrível! Ela implorou que ele parasse. Ele ignorou os apelos da jovem, e inútil foram as tentativas de desvencilhar . Saciado, ele sentou no tapete, ajeitou as almofadas em suas costas e exigiu que ela deitasse de costas em seu colo. – Seja uma boa menina, gritar é inútil, estamos sozinhos, não há ninguém para atender o seu lamento e eu fico violento quando uma mulher não obedece as minhas ordens, disse ele com um tom firme de voz. Temendo algo pior, ela obedeceu, suas nádegas ficaram vermelhas em decorrências das palmadas, apesar da dor, ela não emitiu um gemido e nem pediu clemência. Cansado da diversão, ele mordeu suas costas, coxas, seios, barriga, enfim, todas as partes de seu corpo que ficavam cobertas pelas roupas, saciado de seu brinquedo, a empurrou e ordenou que se vestisse que ele a levaria até o ponto de ônibus. Com medo de algo mais pudesse acontecer, ela recusou a oferta e ele não insistiu. Assustada, envergonhada com o corpo dolorido voltou para casa. Tomou um banho demorado para aliviar a dor pois não tinha condições de procurar atendimento, revirou a bolsa e não encontrou sequer um comprimido de cibalena, apesar de não ter almoçado, não sentia fome e deitou na esperança de dormir, depois cuidaria da roupa que ficara manchada de sangue. Estava só, terrivelmente só, sentia que precisava do conforto e segurança de um colo materno. Tinha ciência de que nestas circunstâncias, sua mãe jamais a acolheria, pelo contrário, daria – lhe um surra de mangueira e a proibiria até de sonhar com a experiência traumática.
Rosalina despertou com um raio de sol a aquecer-lhe as faces, espreguiçou e sentiu dores em todo o corpo, não era um pesadelo. Aconteceu mesmo! Observou as manchas roxas em seu corpo e tudo que podia fazer era esperar o processo natural de cura do corpo, quanto a sua alma, estava ferida para sempre. Na década de 1980, não se falava em assédio sexual em ambientes de trabalho, e quando acontecia um estupro em alguma empresa, a culpa sempre recaia sobre a mulher, que segundo diziam, “não se soube dar o respeito.” Rosalina sentia-se suja e insignificante, e tudo suportou em um silêncio sepulcral e dedicou-se apenas em exercer o seu trabalho com esmero, era tudo que lhe restava, e ela dependia dele para comer. Os frágeis vínculos familiares estavam praticamente rompidos e durante uns noves meses, suas vida se resumiu apenas em trabalho e casa, não tinha vontade de nada, andava cabisbaixa, sentia como se todos soubessem que ela fora usada inescrupulosamente por um homem, que perdera a sua honra e um vazio imenso invadiu o seu coração. Quando tira o sonho de uma pessoa, não lhe resta mais nada. As chagas de seu coração ainda estavam abertas quando um novo golpe e bem mais duro se abateu sobre ela.Seu patrão falecera e os herdeiros não quiseram manter o negócio, todos os funcionários foram demitidos. Mais uma vez teria que lutar contra o fantasma do desemprego em plena crise que se abatera sobre o país durante o governo do Presidente José Sarney, uma época de penúria e incertezas.
Rosalina fez as contas e constatou que o dinheiro que recebera do fundo de garantia a manteria no máximo, durante quatro meses, o salário desemprego ainda não havia sido criado. O medo de ser despejada, morar na rua e revirar lata de lixo em busca de alimento ou procurar um prostíbulo para vender o seu corpo provocava-lhe pesadelos. Urgia conseguir um trabalho, não importava a função, desde que dentro das Leis de Deus e dos homens. Após dois meses de exaustiva procura, apareceu uma oportunidade, melhor do que ela esperava, uma vaga para babá de três crianças, exigia que dormisse no emprego, meio salário mínimo, sem registro em carteira, com uma folga mensal aos domingos, ou seja, apesar da condição ser análoga a escravidão, a necessidade era tamanha que seu coração se rejubilou com a possibilidade de ter uma cama no quarto de empregada e um prato de comida. Ela sabia que daria conta do serviço porque desde que se entendia por gente, ajudava a mãe com os irmãos menores, mas, precisava de referências e ela não tinha, ou melhor, sequer sabia o que era referências, procurou uma ex-colega de trabalho que era mãe solteira, que sentiu pena dela e resolveu ajudá-la e deu-lhe a carta de referencias, na qual constava que os anos em que trabalham juntas na loja, como o tempo em que cuidou de seus pequenos, sendo dispensada porque perdera o emprego; assim, munida com uma nova carteira de trabalho, com dados falsos e com a falsa referência apresentou-se à casa da contratante e consegui o trabalho, porém, suas atribuições não era somente cuidar das crianças , também deveria limpar a casa, lavar, passar e cozinhar, feliz por ter um teto, ela não questionou e feliz, agradeceu a oportunidade e pensou que talvez, com um pouco de sorte, conquistaria o carinho das crianças, enfim, conquistara os três Cs, casa, comida e carinho.
Rosalina experimentava um momento de felicidade impar, não precisava enfrentar chuva, sol, ônibus lotado para chegar ao trabalho e o melhor, havia comida suficiente para todos e carne todos os dias. Já não pensava mais em ser uma artista famosa. Sua labuta diária inicia-se às seis horas da manhã e termina às 23 horas, de segunda a segunda mas não se queixava. Amava as crianças e era amada por elas, não poupava esforços e carinhos para deixar os pequerruchos felizes e bem cuidados, o que despertou a ira da bisavó paterna, uma senhora rabugenta e bastante severa com as peraltices próprias da infância, porém, fazia questão de visitá-las no mínimo uma vez ao dia. A vida parecia sorrir para Rosalina, ela tinha casa, comida e o carinho das crianças e era invisível para a patroa porque as crianças estavam bem cuidadas, casa arrumada e a comida na mesa na hora certa e pela primeira vez, tinha dinheiro na carteira mas quem nasce com a sina de sofrer, pouco desfruta das alegrias deste mundão de Deus.
Era o ano de 1986 e os brasileiros estavam eufóricos
com a proximidade do cometa Halley e quando as pessoas se
reuniam, ele era o assunto favorito, menos para Rosalina, cujos pensamentos
estavam voltados sempre para o cuidado
com as crianças o que aumentava a ira da
bisavó. Por ciúme ou pura maldade, a rabugenta Senhora denunciou a jovem ao
neto, alegando tê-la visto beijar o pênis do bisneto de dois anos, durante uma
troca de fraldas. A família ficou
alvoroçada, em prantos a jovem afirmava
que nunca havia feito aquilo, não
tinha uma testemunha de defesa
porque o menino ainda não falava. Era a
palavra dela contra a da matriarca da família. Foi escorraçada de casa, sem
carta de referência, sem direitos trabalhistas e com uma mala na mão vagou pelas ruas até encontrar uma banca de jornal
e abriu o caderno de classificados e encontrou
uma pensão popular e teria que dividir o quarto com mais cinco garotas.
Por sorte, eram moças sofridas como ela. Graças a generosidade das novas companheiras, estava novamente no mercado de trabalho recebendo um salário mínimo, vale transporte,
cozinha com marmiteiro elétrico e mais o registro
Retomada às buscas por um lugar ao sol, entusiasmou-se com um anúncio de uma seleção de jovens de ambos os sexos para participação de um filme erótico. A seleção aconteceria sábado às 13 horas, por sorte, o local era próximo ao seu trabalho.Tirou o uniforme, colocou um vestido verde com saia estilo cigana, soltou os seu longos e maltratados cabelos ruivos, passou batom e lá se foi cheia de esperança. O trânsito estava congestionado, chegou atrasada, os selecionadores já haviam fechado a porta da agência, mas decidiram atendê-la, na escada de emergência do prédio. Eram três rapazes aparentando uns vinte e pouco anos e um senhor já se aproximando dos cinquenta anos de idade e que a devorava com os olhos. Rosalina sentiu-se acuada, e limitou-se a obedecer. Assim que a porta corta foi fechada, o mais velho pediu que ela tirasse a calcinha e levantasse a saia do vestido, mesmo diante deste pedido absurdo e abusivo ela não protestou nem questionou, apenas cumpriu a ordem. Ele sentou em um degrau abaixo do que ela estava, observou as suas partes íntimas com a perícia de um médico durante um exame de corpo de delito em vítimas de estupro. Constrangida, amedrontada, ela não esboçou nenhuma reação, nem mesmo quando ele aconchegou sua cabeças entre suas pernas trêmulas, e os três rapazes a tudo observavam com uma naturalidade assustadora. Após o seu deleite, o selecionador se levantou, retirou uns pelos pubianos que ficaram em seus lábios e disse que ela tinha sido aprovada na primeira fase do teste e que retornasse segunda-feira, para a segunda fase, viram as costas e começaram a conversar animadamente sobre o jogo que iriam assistir. Rosalina precisou de um tempo para se recuperar e quando a lucidez voltou, vestiu a calcinha e desceu os 12 lance de escada, não tinha coragem de enfrentar o olhar das pessoas, imaginava que alguém pudesse ter presenciado a cena bizarra dela na escada, de certa forma, sendo desfrutada por quatro homens. Uma vadia, era isto que ela era por se deixar dar o desfrute, levantar a saia para estranhos.
Traumatizada com mais uma experiência de assédio sexual, Rosalina fez um juramento de que jamais participaria de seleção para atuar em filmes erótico.-Mas afinal, o que é mesmo um filme erótico se perguntou? Mas pelo tipo de teste usado no processo seletivo, não era papel para moças, como ela, oriunda de uma família honrada, refletia. Rosalina Já era quase uma balzaquiana e então ela concluiu que o melhor seria desistir da carreira artística, trabalhar com afinco para ser promovida a gerente de loja, comprar uma casinha da Cohab e quem sabe, com um pouco de sorte, encontrar um bom rapaz, casar, ter filhos e cuidar da família, como deve ser a vida de uma mulher trabalhadora e decente, sem as ideias de viver em um mundo que não lhe pertencia. Mas abandonar um costume de mais de sete anos não é fácil e jovem continuava a comprar o jornal no último domingo do mês e a ler o caderno de classificados com atenção especial na sessão de empregos, mais por força do hábito do que por um real interesse em seguir adiante com o sonho juvenil. Em um típico domingo de primavera, ela estava sozinha no quarto, as colegas tinham ido caminhar no parque e ela teve tempo para olhar com atenção os anúncios e um chamou a sua atenção: um curso grátis para modelos. Sorriu feliz! Estudar, era isto que ela deveria ter feito logo no início de sua busca, preparada, ela não teria passado por todos aqueles dissabores vexatórios. Tanto dinheiro gasto com álbuns de fotografia, para terminar nua, nos braços de homens desconhecidos. Desta vez seria diferente, procuraria absorver todos os ensinamentos dos professores, como estava de férias, teria tempo para estudar e o melhor, não teria que inventar desculpas para as indiscretas colegas de quarto. Anotou com cuidado o local, dia e horário para fazer a matrícula e colocou o jornal no lixo. No outro dia, assim que as colegas saíram para trabalhar, ela procurou uma escola de cabeleireiros, aparou os cabelos, deu um banho de creme por um preço simbólico, depois, procurou um salão de beleza popular, fez uma depilação completa, as sobrancelhas e as unhas dos pés e das mãos. Sentia-se linda e confiante. Percorreu as lojas de ponta de estoque, comprou um vestido de algodão rosa com detalhes brancos de uma marca relativamente conhecida, encontrou uma sandália em oferta e com o restou algum dinheiro, caminhou até a rua 25 de Março e comprou algumas bijuterias. Guardou bem as suas compras, tomou banho e alegando indisposição foi para a cama, não queria que ninguém percebesse que ela estava bem cuidada. Rosalina chegou com meia hora de antecedência e a fila era grande, dezenas de jovens, com no máximo dezoito anos, esperavam ruidoso a abertura do portão da escola. As meninas usavam roupas da moda e estavam bem maquiadas. Sentiu vergonha por estar ali, parecia a tia deles. Apesar da sábia percepção de que ali não era o seu lugar permaneceu silenciosa na fila, preencheu a ficha como todos e sentou na última cadeira da platéia, estava tranquila, nenhum homem iria exigir que ela tirasse a roupa na frente de menores de idade. O professor explanou sobre o programa de bolsa, a importância do preparo físico da modelo, dos cuidados corporais, do mercado de trabalho e da possibilidade de uma carreira internacional para aqueles que se destacasse no grupo, frisou bem que fosse persistentes e capazes de renunciar as delicias da boa gastronomia. Depois orientou sobre a primeira fase do teste para concorrer a bolsa de 100% da mensalidade, que consistia em um desfile individual no palco, várias pose para foto e seriam chamados pelo nome e que estariam dispensados, após o teste; deveriam retornam em três dias úteis para saber o resultado. Rosalina ficou apavorada. Nunca havia visto um desfile e respirou aliviada quando percebeu que o professor chamava por ordem alfabética. Ela observava os candidatos para saber o que fazer, quando fosse chamada. Ela foi a última, quando subiu ao palco, sentia-se como um peixe tentando nadar em terra firme. Começou a suar frio ao perceber o sorriso malicioso do professor. Com o rosto queimando de vergonha, desceu do palco e seguiu em direção a porta, queria fugir dali o mais rápido possível, não ver ninguém nos próximos dias. Tropeçou em um degrau e sentiu que mãos firmes a amparavam. Era o professor, que sorriu e perguntou se tudo estava bem, convidou-a a ir até a sala dele para tomar um copo de água. Ela obedeceu sem questionar, entraram ele fechou a porta, mas não trancou o que a tranquilizou. Era uma sala modesta, continha apenas uma mesa com uma cadeira, uma geladeira pequena, uma janela grande e sem cortinas e um bonito tapete de arraiolo. Ele a convidou a sentar no chão, ofereceu-lhe uma taça de champanhe. Esclareceu-lhe que a bolsa de estudo não era para a faixa etária dela, mas se ela fosse generosa com ele, conseguiria uma vaga na produção de desfiles. Ela ouvia em silêncio, ele se aproximou, deitou-a no chão e ela sentiu o seu hálito quente, suas mãos entre suas pernas. Rosalina não esboçou nenhuma reação e ele a possuiu, provavelmente sobre os olhares curiosos dos moradores do prédio, em frente a janela. Ela podia ter gritado, mas a voz não saiu, poderia lutar, mas as forças a haviam abandonado, nada fez, permaneceu deitada, disponibilizando o seu corpo e entregando sua virgindade a um estranho. Saciado, ele se recompôs e saiu da sala levando a sua calcinha, como se fosse um troféu. Envergonha e com raiva por ter-se permitido ser usada mais uma vez, contra a sua vontade, saiu rápido da escola, precisava chegar na pensão antes das colegas; ao subir no ônibus, uma rajada de vento levantou a saia do vestido e os passageiros que estavam na fila, com certeza, viram que em seu vestuário faltava uma peça, ela não merecia mais esta humilhação. Talvez fosse um aviso de seu anjo da guarda de que ela estava trilhando o caminho errado, que seu destino não era fazer sucesso e ganhar dinheiro, mas trabalhar duro e receber pouco por sua força de trabalho, como todas as pessoas de sua família. Talvez todos os seus fracassos e humilhações fossem castigo de Deus por ela ter cobiçado o que não lhe pertencia por direito: o estrelado. Enquanto enxugava uma lágrima que escorria discretamente pela face, concluiu que o seu lugar era em uma loja, atrás de um balcão, pobre, porém, honrada.
Rosalina estava sozinha na pensão de moças. Tomou um banho demorado, lavou a cabeça, vestiu uma camisola de algodão rosa e já puída pelos anos de uso e deitou. Estava cansada! Refletia sobre o acontecido. O que seria dela, daqui por diante? E se tivesse engravidado? Grávida de um desconhecido, seria demitida da loja, expulsa da pensão por ser mau exemplo, e seu destino seria a tão falada “ rua da Amargura” como também, poderia ter contraído HIV, o professor era bem magro. Quem daria emprego ou casaria com uma jovem mãe solteira e doente? Ela se imagina esquelética e com um ventre volumoso, prestes a dar a luz, em um leito da enfermaria de algum hospital de caridade.– Meu Deus! Que tipo de mulher me tornei? Uma vadia, moça desonrada, cujo corpo fora desfrutado por vários homens, Lamentava. Enquanto ruminava as mazelas de sua vida, adormeceu. Acordou com o falatório das colegas de quarto ávidas por saber o que tinha acontecido para ela estar dormindo àquela hora. Alegou uma forte cólica menstrual e permaneceu na cama, em silêncio e em poucas horas, já dormia um sono profundo, e sonhou que perambulava pelas ruas, com um filho nos braços a esmolar e revirar lixo em busca de restos de comida. Acordou cansada e faminta, sentia-se suja e indigna de conviver com as pessoas de bem. Seus olhos percorreram as beliches, as colegas dormiam profundamente. Levantou com bastante cuidado para não desperta-las, não precisava acender a luz, a claridade da janela era suficiente para encontrar o que procurava. Pegou suas roupas novas, bijuterias e maquiagem, dirigiu-se ao banheiro. Tomou um banho demorado, penteou os longos cabelos ruivos, se vestiu, passou batom, viu um vidro de perfume esquecido por alguma pensionista e colocou um pouco de perfume atrás nas orelhas, se olhou no espelho e pela primeira percebeu o quanto era bela: corpo proporcional com curvas perfeitas, olhos cor de mel que combinavam com seus cabelos ruivos, e percebeu que as sardas, tão odiadas por sua mãe, eram de fato, o seu charme peculiar. Mas de que lhe valeu a sua beleza impar? Sentia-se vazia de sentimentos e desejos. Em um pedaço de papel, escreveu algumas palavras, dobrou cuidadosamente e guardou no sutiã. Na ponta dos pés, caminhou até a cozinha, uma faca afiada estava esquecida na pia, como se esperasse por ela. Rosalina tomou um copo de leite, pegou a faca e saiu pela entrada de serviço e seguiu em direção a praça. A rua estava deserta e o silêncio da noite não a assustava. Sentou na grama próximo a uma jasmineiro, aspirou o seu perfume, sentiu o frescor da brisa noturna tocar o seu rosto, observou a vegetação umedecida pelo orvalho da madrugada, a lua cheia a percorrer o céu sem nuvens, indiferente às mazelas da humanidade, e como em um filme, reviu as cenas marcantes de sua vida e tudo o que deixou para trás, para perseguir uma ilusão, reconheceu que fora um erro, abandonar a pacata vida da roça, onde se vive seguindo o ritmo da natureza: tempo de preparar a terra, plantar, cuidar e colher. E pela primeira vez, sentiu saudade do cheiro da terra molhada nos dias temporais, do murmúrio das águas do rio que serpenteava pelas terras de seus antepassados, do mugido do gado no pasto, da solidariedade dos vizinhos nos momentos difíceis. Reconheceu que o seu sonho de adolescência, não era de ser uma estrela do mundo da moda ou de cinema, mas apenas de se sentir amada por pais. Em perseguição a esta carência, de forma errônea, foi se distanciando de sua verdadeira essência, a de camponesa, que necessitava da energia telúrica para se sentir plena. Lágrimas silenciosas brotaram generosamente em seus olhos. Sentiu saudade da beleza do pôr do sol de sua terra natal, do mugido do gado, do gorjeio dos pássaros, da euforia de seus familiares durante a colheita e da fé de sua mãe em tempos de seca, pedindo a Deus que fizesse chover para matar a sede da plantação e não perder a safra. Desejou retornar ao lar. Mas não podia, era uma jovem desonrada e sua presença faria com que seus pais nunca mais pudessem andar de cabeça erguida. Por uma ilusão, perdera tudo, até a sua dignidade. Observou o contraste do vermelho de seu sangue com o verde da grama orvalhada. Pediu perdão a Deus pelo pecado que acabara de cometer. Sentia-se leve e poderia dizer até feliz! Quando a última gota de sangue caiu de seu pulso, seu olhos fecharam-se para sempre, seu corpo tombou sobre a terra e a sua alma, enfim, se libertou das dores do mundo, distante, um galo cantou, chamando o amanhecer.