terça-feira, 30 de junho de 2020

Diário da quarentena- 105º dia

                                    30 de junho de 2020, terça-feira e o  primeiro  semestre já está dando os seus últimos suspiros; a população e a economia agoniza, sem perspectiva de  uma retomada do crescimento  a curto e médio prazo, somente na região do comércio popular da 25 de março doze mil empregos foram perdidos e dezenas de empresários quebraram. O horário reduzido de funcionamento de apenas seis  horas tem comprometido o faturamento, mas  os impostos e as contas de água, energia, aluguel, folha de pagamento de funcionários estão marcando presença e acompanhadas da já tradicional  cobrança indevida. A cada mês a Companhia de  Energia recebe em seu Call Center, uma média de mil reclamações  de usuários em estado de choque com o alto valor da conta de energia.  E não para por aí, o Governador emitiu um novo decreto que estipula uma  multa de R$500,00 para pessoas físicas que circularem sem  máscaras e para os comerciantes, que permitirem  a entrada de clientes  sem este   acessório o valor é de R$5000,00. Em meu entendimento, é desumano porque eles ficaram mais de cem dias fechados, sem vender R$1,00, com as contas acumulando, voltam a abrir as portas com horário  reduzido e protocolos como o fornecimento de máscaras aos funcionários e álcool gel até para os clientes  o que gera mais um custo  em um momento que não há entrada de dinheiro, como a conta vai fechar? Quanto às pessoas físicas, como elas irão pagar os R$500,00, se o auxílio emergencial é de  apenas R$600,00?  Os empresários devem estar sentindo-se verdadeiros  hospedeiros do carrapato estrela, o ingrato que além de sugar-lhe o sangue, deixa como lembrança a febre maculosa.
            O  frio continua, o sol faz menção de aparecer e desiste, mesmo assim arrisquei a lavar a roupa de cama  já que a previsão é que não choverá e estou confiante  que ela irá secar com o vento, que está a  5 km por hora. Após o almoço sairei para comprar tinta para o cabelo e  quero pinta-lo ainda hoje. Estou cansada de ficar dentro  de casa, com esta máscara nova, que  eu ganhei, sinto – me mais segura, ela é de tricoline  e tecido duplo, e  mais  o óculos, lenço nos cabelos e gel nas mãos, acredito estar protegida, o único risco que corro é com a ida ao dentista, deste não tenho como fugir porque o problema pode agravar. Quero aproveitar e comprar outros tipos de farinha para variar o bolo de frigideira, com esta temperatura baixa e  predominância de garoa,  é  de uma praticidade admirável e adeus   idas à padaria em manhãs geladas, com fome e arriscando a ser assaltada. Meliantes também sentem fome e madrugam na tentativa de matar quem está lhe matando!
            Com esta abertura de sol, quero aproveitar para fazer uma faxina rigorosa no box do banheiro, e farei isto enquanto estiver esperando  a tinta fazer efeito, que o fabricante orienta que seja de 40 minutos, para   aquelas que já estão com a cabeça branca, como eu.  Tenho visto postagem de mulheres que assumiram a passagem dos anos e ostentam com orgulho,  seus cabelos prateado mas eu ainda não sou capaz, quem sabe aos 80 anos eu consiga lidar melhor com as marcas do tempo. Por ora, sou freguesa assídua das perfumarias em busca de produtos que prometem deixar as idosas com aparência jovial e bem cuidada. No mais, em quarentena, a rotina é sempre a mesma e os assuntos também.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Diário da quarentena --104º dia

                               
            Pela manhã, alguns raios de sol mais audaciosos  encontraram algumas brechas  por entre as nuvens e alcançaram a terra gelada, mas não foi o suficiente para aquecê-la, rapidamente nuvens  grossas cobriram o astro rei, ameaçou mas ainda não caiu a chuva. O frio persiste!  Acordei às sete horas,  preparei  um bolo de frigideira, tomei café e voltei para a cama para dar continuidade a leitura do livro Canto dos Malditos, de Austregésilo Carrano, no qual o autor relata a sua   dura experiência  de interno em manicômios por três anos, onde ele recebeu tratamento desumano, onde valores como  empatia, solidariedade, compaixão e ética profissional não faziam parte do protocolo de cura dos pacientes. É uma leitura pesada, porém, necessária  para que  não permitamos que estas atrocidades aconteçam mais, somente a informação é capaz  de  nos colocar em condições de escolher o melhor tratamento para os  doentes mentais e dependentes químicos de nossas famílias.

            O terrorismo que a imprensa fez com relação a fragilidade de nós idosos, perante o coronavírus  fez-me focar em  aumentar a minha  imunidade para que os meus anticorpos de defesa lutem com fervor  e  expulsem  todos os invasores que  adentrem em meu corpo e para isto não tenho medido esforços e dentro de minhas condições financeiras, tenho variado o máximo o meu cardápio, guiando-me pelas cores. A sabedoria popular sempre soube a importância de um prato colorido, e alimentos na cor preta são difíceis de serem encontrados, não hesitei e comprei  um pacote de feijão preto para uso diário, já que tradicionalmente,  em minha família, ele é consumido somente em feijoada, mas agora estamos vivendo um momento de exceção e já tenho em mente, na próxima compra será feijão fradinho, que tem uma outra tonalidade e assim sigo confiante que minha saúde ficará cada dia melhor. Tenho pensando muito em tomar um remédio antigo que era o terror da meninada de antigamente o velho conhecido  Emulsão Scott que contem vitaminas A e D, com o sol, não poderei contar   nos próximos meses.

            Apesar das redes sociais serem bem cansativas,  elas nos surpreendem  de vez em quanto e hoje, dia de São Pedro, tive o privilégio de ser surpreendida no instagran, com uma foto de meus avós maternos, meu avó, se vivo estivesse, hoje estaria completando 133 anos de idade, ou seja, nascido  nos finais do século XIX. Como ele, eu também virei o século, nasci em meados do século XX e partirei em meados do século XXI, assim espero, depois de todo este sofrimento em isolamento social, a última coisa que quero é morrer; quero é aproveitar a liberdade que dentro em breve, acredito que chegará  para o bem estar  geral da nação, a população já está  com os nervos à flor da pele, quanto falta dinheiro e perspectiva de vida, tudo pode acontecer. Que Deus nos proteja.

            Tenho tentado controlar ao máximo a alimentação com medo da balança e colesterol subirem mais do que o devido, mas é inverno, não dá para jantar apenas uma salada com um bife do tamanho da palma da mão e hoje apelei: Fiz uma sopa com rabanete, repolho, macarrão e carne moída. E seja o que Deus quiser!  Está muito frio e  o limão acabou. Em dias gelados, um chá de limão com açúcar queimado sempre cai bem e um vinho quente então, nem se fala. Amanhã terei que sair e aproveitarei para comprar os ingredientes que faltam  para preparar  bebidas quentes e assim passar por mais está provação com um pouco de conforto.

 

 

 

 


domingo, 28 de junho de 2020

Diário da quarentena- 103º dia

                                      São quatorze horas em ponto e estou tiritando de frio, olho o termômetro e ele marca 20º graus, mas  estranhamente, a sensação é de hipotermia galopante e parece que a terra esqueceu o advento do aquecimento global e liberou a geada para todo o país e, em plena época de distanciamento social, o velho truque de todos  os animais  de se aglomerarem  para juntos  se aquecerem   está descartado para a espécie humana. Talvez  esta quarentena perdure até a primavera quando o coronavírus irá tocar o terror em outra freguesia, assim esperamos ansiosamente. E agarradas aos nossos cobertores porque a maioria da população  não se pode dar ao luxo de  possuir um ar condicionado  ou  um simples aquecedor fabricado na Zona Franca de Manaus porque as contas de energias por aqui são   exorbitantes. Tanta tecnologia disponível  que o povo não pode usufruir.
             Tendo como princípio a teoria da criação, Deus, em sua infinita sabedoria criou  as quatro estações do ano  por alguma sábia razão que os simples fiéis desconhecem e como obra de Deus não se discute, cabe a nós,   mamíferos e inteligentes, procurar os meios de nos proteger e deixar a natureza em paz, sem questionamentos. Reclamação é uma  característica humana e assim, o Criador nem deve dar atenção ao nosso lamento em virtudes das condições climáticas.
             Em famílias numerosas, passar o inverno em quarentena deve ser um exercício de tolerância. Todos aglomerados brigando pelo controle remoto para que possa escolher o programa a ser visto,  a contragosto dos demais e sem falar das discussões calorosas para saber quem lavará a louça, a roupa e o banheiro, atividades estas que chegam a ser até prazerosas  no verão,  quando a temperatura chega até 40º graus em algumas regiões do país.
            Mas o inverno tem  lá o seu lado positivo. É bom para a memória,  quando o vento cortante sopra lá fora  e a temperatura despenca no interior das residências, em frações de segundos, todos sabem exatamente onde foram guardadas a um ano, as meias, botas, colchas, blusas de lã e os amantes da  boa gastronomia, recordam com a velocidade da luz, todas as receitas de sopas e bebidas  quentes. Alerta! Em tempos de quarentena, a balança vai subir porque  os parques estão fechados e as academias também e a combinação de ociosidade e comida gostosa   é boa somente para as confecções já que a população a contragosto, terá que renovar o guarda-roupa.
            Antecipar   os cuidados necessários com as roupas de inverno não é uma característica dos brasileiros, assim, ao retirar do maleiro o velho edredom, que ficou esquecido durante três estações, com ele sairá o ácaro  que agravará as doenças respiratórias que lotam  as Upas todos os anos, nesta mesma época. A pergunta que não quer calar é: O atestado de óbito  das vítimas de doenças respiratórias comuns no inverno constará a causa real da morte ou constará Covid-19? Muitas  pessoas estão  com esta dúvida porque está na boca do povo que não importa a causa da morte, o atestado sai como Covid-19. Circula  pelas redes sociais, vídeos com pessoas revoltadas que não puderam fazer velório de parentes, que morreram em casa, com  sintomas de infarto  ou AVC, mas  o diagnóstico médico foi outro.  Já não se sabe mais onde está a verdade!
            As atividades  artísticas estão reduzidas as lives, assim, quermesse, festival de inverno,  são passado. Sindicados de bares e restaurantes estão negociando protocolos  para abertura de seus estabelecimentos, e como  a morosidade no Brasil é clássica, provavelmente, em 2021, poderemos desfrutar dos deliciosos caldos servidos nos restaurantes, nos dias mais frios. No momento, o que nos resta é ficarmos encolhidos no sofá, com o controle remoto em mãos,  na vã tentativa de encontrar um programa interessante.

sábado, 27 de junho de 2020

Diário da quarentena- 102º dia

                               Dormi  e acordei ouvindo o tamborilar da chuva na vidraça e assim, concluo que choveu durante toda a noite e parece que continuará por todo o dia. Não é neve, porém, lá fora, o branco predomina e eu sinto frio. O vento sopra forte e as janelas precisam ficar fechadas o que  provoca um aperto em meu peito. Gosto de casa ventilada e nestas condições, não há nada que eu possa fazer a não ser  esperar  o  ritmo da natureza.  Não  quero vestir roupas pesadas porque a previsão é que este aguaceiro dure apenas três dias e  como não vou sair,  vou me virando como dá, com as roupas meia-estação para evitar  o excesso de roupas no varal durante uma semana.
            Como eu já sabia da mudança do tempo, comprei um quilo de galinha para preparar uma sopa deliciosa o que ajudará a aumentar a temperatura  corporal. Apesar de eu não ser uma apreciadora de comida  apimentada, hoje abrirei uma exceção e vou preparar em dobro para à noite apenas esquentar e ter menos louça para lavar. A água que sai da torneira  parece que está mais fria do que a do filtro.
            Eu tinha planejado pintar os cabelos  neste final de semana, mas já desisti. A vontade que eu tenho é de voltar para a cama, mas são três dias de chuva e frio, muito tempo para ficar deitada  o que poderá desencadear dores no corpo e tristeza. O melhor que tenho a fazer é retomar os meus estudos de inglês. Armários e gavetas estão arrumados e uma faxina na cozinha e banheiro não é uma boa opção para não elevar a umidade do ar e  dar  alimento aos mofos que  amam  invernos frios e úmidos.
            Estou cansada da programação da televisão, do rádio,  dos vídeos que circulam  no WhatsApp, e menos ainda, disposição para telefonar para alguém porque os assuntos estão bem repetitivos, giram sempre em torno da pandemia, da onda crescente da violência, corrupção, desemprego e falências. Já lí os romances que tinham em casa e não posso ir ao vendê-los por preço barato  e comprar outros usados e bem mais caro.  Com a vidraça embaçada, sequer posso ver a vida lá fora. Solidão!

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Diário da quarentena -101º dia

                                O vento sopra forte, a chuva  cai e a temperatura aos poucos vai descendo, enfim o inverno está mostrando a que veio e eu estou deprimida.  Ontem fui ao dentista e tive a triste constatação que perdi o implante  e terei que refazê-lo e  desta vez não irei fazer o provisório, embora a falha seja na frente, com o uso da máscara, evito esta despesa e para completar, ao ler as mensagens de WhatApp pela manhã, soube que o meu tio centenário faleceu nesta madrugada. É, a fila está andando  e a minha vez  casa vez mais próxima.  Sei que vou morrer um dia, mas que demore muito e até lá, que Deus me dê saúde e lucidez. Eu não tenho pressa, mas tenho medo do sofrimento que antecede a morte e da incerteza  quanto a existência da alma e de seu destino final.
            Olhei a previsão do tempo e  está previsto três dias de chuva e temperatura em declínio o que  não fará grande diferença porque, em isolamento social e com tempo de sobra para refletir sobre a  perenidade da vida e da possibilidade da eternidade da alma o que conforta o coração dos crédulos, e  aqueles que como o meu, duvidam da veracidade dos livros sagrados  e das tradicionais sabedorias milenares, acalentam  o medo da incerteza do pós-morte. É poético acreditar que somos oriundos da poeira estrelar  e que   quando fecharmos definitivamente os olhos, à natureza voltaremos em forma de  hidrogênio, carbono, oxigênio e nitrogênio, romantismo à parte, é melhor acatar as orientações da Vigilância Sanitária e continuar em quarenta  por mais uma estação  a observar a vida pela janela e pela tela do televisor.



quinta-feira, 25 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 100º dia

                               Nesta quinta-feira ensolarada e de temperatura amena estou completando exatamente cem dias de quarentena, e como todo sofrimento  traz um aprendizado, este valeu-me  para saber que eu estou sozinha e que a solidariedade humana não é muito persistente. Logo nos primeiros dias, recebi mensagens de algumas pessoas que  se dispuseram a ajudar-me com as compras, mas já  no final dos primeiros trintas dias nem sequer  enviavam mensagens  para saber como eu estava. Registro também que até as mensagens padronizadas e as terríveis figurinhas  cessaram com o decorrer dos dias. Nenhum vizinho tocou a campainha para saber como eu estou. Caí no esquecimento. Apenas a amiga, aquela que lhe enviei o doce de Araxá, MG, telefonou uma vez, pedindo noticias, mas como ela tem quase vinte anos a mais do que eu, nada pode fazer por mim, caso eu precise de ajuda. O calor de uma voz humana, mesmo  por telefone, já é um acalanto. Estou só! Tenho que enfrentar esta dura realidade de que não tenho amigos, apenas colegas de academia e demais atividades sociais. E parentes? Não fui agraciada com a dádiva de gerar uma  vida, o marido se foi a anos e agora amargo a solidão, consequência de não ter dado atenção necessária a minha família de origem, após o meu casamento e até o meu namorado afastou-se de mim. Doravante meu nome é solidão!
             E nestes cem dias de  isolamento social,  pude comprovar a teoria dos educadores financeiros que afirmam que o vazamento de dinheiro  acontece principalmente em coisas pequenas. Tive uma redução considerável nos  gastos mensais e devo manter este dinheiro em caixa porque já circulam noticias que as contas de luz e água estão sendo cobradas por média e não por consumo real e que após a quarentena, a correção será feita e  com certeza virá um valor bem acima  e também terei gastos com  cabeleireira  e manicura. Com um protocolo rigoroso, já ouvi notícias da reabertura de salão de beleza, bares e restaurantes. Os shoppings estão batalhando para que o horário de atendimento seja expandido de 4 horas para 6,  e de 20% para 30% de clientes circulando porque o total de faturamento está em apenas 15% o que não dá para cobrir os custos. Tempos difíceis!
            Em cem dias de reclusão, acompanhei a vida lá fora segundo o ponto de vista dos jornalistas que priorizam em noticiar as desgraças e  com esta atitude faz minar a esperança em dias melhores. A corrupção esteve em pauta, e não apenas dos políticos, mas também de pessoas comuns. Até o  momento, já foram apurados que oito milhões de brasileiros  usaram de má fé e conseguiram receber o auxílio emergencial, o qual não tinham direito. Sobre os governantes, não houve um dia sequer que não noticiou desviou de verbas, superfaturamentos, na compra de respiradores e medicamentos, e  principalmente, na construção de  hospitais de campanha, e que já estão falando em desmontá-los, o que não é prudente, porque estamos no  início do inverno, época em que aumentam as doenças respiratórias naturalmente, e com a chegada do coronavírus, é a combinação perfeita para conhecer São Pedro, bem antes do previsto. E  para completar este quadro tétrico, as ações contraditórias  no transporte público continuam. Acabei de ver na  televisão que o  a frota de ônibus de São Paulo foi reduzida em 9%. Recomenda-se evitar aglomerações  mas o trabalhador depende do transporte público. O discurso é um e a prática é outra!
            Durante os cem dias de quarentena, noticia-se todos os dias o aumento da violência doméstica e do crescente número de assaltos em residências e   no trânsito, sendo as principais vítimas, os motoristas. O impensável está acontecendo. Até a inocente e saudável brincadeira popular de empinar pipa está sendo usada para  cometer crimes. Em um ponto do Rodoanel, que não consegui identificar,  criminosos disfarçam de jovens soltando  pipa e quando  percebem   o momento propício, em bandos, cercam as vítimas e levam  todos os seus pertences e em muitas vezes até a vida.
            Nestes  cem  dias de isolamento social, acompanhei o sofrimento  dos povos indígenas, que enfrentam a mais de quinhentos anos, grileiros, mineradores,  madeireiros, incêndios criminosos e agora a Covid-19  e estão praticamente esquecidos pelo poder público. Bravos guerreiros  que lutam a  cinco séculos pelo direito de viver e manter as suas tradicionais milenares. Que Tupã olhe por eles!
            Em cem dias de isolamento social, pude observar o quanto é  grande  a distância entre a teoria e a prática. Fale-se constantemente em solidariedade, em união dos brasileiros, em poupar vidas  e  na prática, cria-se situações para aglomerações e não há uma  orientação a pedestres que circulam sem máscaras e em bandos. Fecha-se  áreas comuns em condomínio, parques e praias, tira-se da população a oportunidade de tomar sol e  melhorar a imunidade do corpo e aliviar o estresse e  reduz a frota de ônibus e  volta o rodízio de carro. Repete-se a exaustão  a recomendação do uso da máscara, lavar as mãos e do álcool gel, porém, milhões de brasileiros não dispõem de saneamento básico, água potável e vivem abaixo da linha pobreza. Nestas condições, terão eles meios para seguir este protocolo?
            Durante cem dias  de isolamento social, tenho acompanhado pela imprensa,  a politização da pandemia e com tristeza, percebo que a oposição brasileira, não está nem um pouco preocupada com os seus eleitores, mas sim, em derrubar o governo para  voltar ao poder e agir em benefício próprio.  E o mais preocupante são as notícias que circulam pelas redes sócias de que os protocolos de  tratamento da Covid-19 estão veiculados a ideologia política. Se isto for verdade, é assustador!
            Cem dias em isolamento social, acompanhando a vida pela janela e pela televisão, vejo que não houve uma  mudança para melhor  nos brasileiros, apenas  a intensificação de uma discurso humanitário e uma prática egoísta.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Diário do isolamento social- 99º dia

                        E viva São João Batista!   É o máximo que posso fazer porque estou em  isolamento social. É a primeira vez que não desfrutarei da alegria e singeleza dos festejos  juninos. Dos armários não sairá a tradicional  camisa de lã xadrez  e o já gasto chapéu de palha   que protegia a cabeça do sereno da madrugada  não apreciará o brilho das estrelas. Eram noites mágicas! E  nesta solidão, lembranças  de minha infância povoam a  cabeça  e  vejo as imagens dos tradicionais terços de São João, na casa dos avós. Para que todos pudessem comparecer, uns rezavam  pela manhã e os ao entardecer. A noite o brilho da fogueira era maior e recordo com saudade  quando as labaredas serpenteavam e  a meninada a observá-las fascinadas acreditavam ver imagens incríveis e se divertiam  enquanto esperavam  o melhor momento, quando enfim, pudessem saborear as deliciosas quitandas. Participávamos da reza porque éramos obrigados, mas  valia a pena  a espera porque findo o terço, após  cantoria  no  momento de levantar o mastro de São João, o sanfoneiro abria o fole, a poeira levantava  e a  anfitriã  e suas companheiras circulavam por entre os convidados com peneiras cheias de deliciosas quitandas sempre a falar sorridente  para pegar mais, insistindo muito o que gerava  um conflito interno  na garotada porque antigamente, antes de sair de casa, as mães tinham o cuidado de oferecer uma refeição aos pequenos e recomendá-los mil vezes que comessem pouco para que os vizinhos não pensassem   que  passavam fome em casa. E havia  fartura. Pé-de-moleque, bolo de milho,  de farinha de trigo, de mandioca, pão de queijo, milho assado na brasa, milho cozinho, pipoca, canjica e para adultos, quentão. E as crianças  que se contentassem com água, leite e  laranjada.  E o desfile de peneiras seguia até o  galo cantar e a fogueira apagar quando, na hora da partida, a anfitriã ainda dizia: coloca um pedaço no bolso para você comer quando chegar a casa.
             Que saudades  daqueles tempo em que tudo era  simples, alegre e afetuoso. Tudo era preparado com muito carinho. Uma semana antes, já começavam os preparativos das quitandas e dos enfeites típicos. O Mastro   com a imagem de São João era enfeito com primor. Havia abundâncias de bandeirinhas de papel de seda de todas as cores  distribuídas  no terreiro  e sempre um pouco afastadas de onde seria acesa a fogueira. As crianças participavam de tudo, desde recortar e colar bandeirinhas a montagem da fogueira, que por sinal, é bem demorada. E este  participar era  o sentimento de pertencimento a uma família, a uma comunidade que se articulava para rezar e  festejar o santo de sua devoção. Oração,  alimento, dança,e  bate papo, assim era o dia de São João Batista antigamente.
            E dizia a tradição que a noite de São João era a minha fria do ano. Hoje o clima mudou, aquela névoa matinal misturada à fumaça que vinha das últimas brasas das fogueiras e das bandeirantes úmidas pelo sereno da madrugada  é apenas uma  saudade   do  terço de São João dos tempos antigos e que eu fiz parte e hoje, sequer posso ir a uma quermesse na igreja porque elas estão fechadas para os fiéis. Até isso o coranavírus tirou de nós. Felizmente ainda existe  pessoas que mantém esta salutar  tradição de rezar em família e eu pude, pelo Facebook, acompanhar a reza do terço  e  fique com água na boca ao ver sobre a mesa, uma peneira repleta de saborosas quitandas caseiras.  Em plena quarentena quem eram os convidados? Apenas filhos, noras e netos. A fogueira outrora com cinco metros de altura, foi reduzida a cinquenta centímetros e  as labaredas vinham de uma vela em seu interior, o mastro de São João, que ficava exporto até o final do mês, reduzido ao cabo de uma vassoura em um canto da  sala. São outros tempos, porém, a essência do terço  de São João em família não se perdeu e aqueceu o meu coração solitário.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Diário do isolamento social- 98º dia

                                           O sol brilha em um lindo céu azul e eu dentro de casa, criando coragem para ir ao mercado  para reabastecer os armários e a Prefeitura, pedir umas  informações para uma amiga que viajou às vésperas da quarentena e ainda não teve como retornar. Sair torna-se cada dia mais perigoso porque o número de desempregados cresce assustadoramente e a possibilidade de ser assalta cresce na mesma proporção e depois, tem ainda o terror da chegada, com todos os cuidados necessários, segundo a Vigilância da Saúde e que para nós, que brincávamos em ruas de terra, comíamos frutas do pé e dormíamos  no chão da varanda em dias quentes de verão é um verdadeiro suplício porque o nosso conceito de higiene é outro e como dizia nossas avós, muita higiene enfraquece o sistema imunológico, que não cria anticorpos de defesa.  Mas ter tido a benção de muitos anos de vida tem quer arcar com o seu ônus: a fragilidade em todos os sentidos!
            Tenho ciência que estou em uma situação privilegiada  porque recebo regularmente a pensão de meu falecido marido, que estou aparentemente segura em minha residência  que fica próximo a UPA, Posto de Saúde e Hospital, o oposto do sofrimento enfrentado pelos nossos irmãos indígenas, principalmente os que vivem nas periferias das cidades, esquecidos pelo Poder Público o que os deixa em situação de maior vulnerabilidade  a epidemias em função  de condições  sociais, econômicas  e de atendimento à saúde bem piores que os não indígenas. Entre os povos nativos, contabiliza-se oficialmente, 4.423 contaminados e 119  óbitos por Covid - 19 Aliado a exposição a pandemia e todo o tipo de preconceitos, neste final de semana, os  guaranis que habitam a região do Pico do Jaraguá tiveram que enfrentar um incêndio, provavelmente provocado pela queda de um balão, o que é muito comum nos meses de junho e julho e vale ressaltar que soltar balões é proibido, mas infelizmente, esta pratica continua  causando grandes prejuízos á natureza e a inocentes que nada tem a ver com a brincadeira. Os bombeiros demoraram  a atender a ocorrência, chegaram tarde e  partiram cedo, e munidos apenas com três facões e galhos de árvores, os bravos guerreiros guaranis , da aldeia Tekoa Itakupe, lutaram durante  mais de treze horas para conter as chamas que queimaram mais de 20 hectares de mata  e durante a batalha, estes heróis  tiveram mãos, rostos queimados e  arranhões e cortes  em seus corpos exaustos. Que Tupã protege os guaranis!
            E os  desmandos continuam. Já ando com medo até de olhar as mensagens de WhatsApp porque  quase todo dia  leio os avisos de parentes e amigos para não depositarem dinheiro em suas contas porque seus celulares foram clonados e  os meliantes estão pedindo depósitos. Meu primo, quando recebeu a mensagem do picareta esticou o papo se fez de sonso e disse que preferiria entregar em mãos o dinheiro, para que ele passasse  na Delegacia, no horário do plantão dele e eles aproveitariam para matar a saudade e depois desta resposta espirituosa, o papo foi encerrado e a visita nunca aconteceu. Assistir o noticiário então é capaz de arrepiar cabelos de carecas.  Cada dia um desmando pior que o outro, de pessoas indiferentes ao sofrimento das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Além dos já tradicionais superfaturamento, há também os roubos de carga de insumos e de entrega errada de compras. Um hospital comprou uma carga de testes para Covid-19 e recebeu testes de gravidez. E para dar continuidade ao terror iniciado no final do verão, que perdurou por todo o outono e continua no inverno, especialistas não entram em um acordo quantos aos melhores tratamentos para a Covid-19 e se já passamos pelo pico da pandemia, se a curva  já está em declínio. Nada de concreto, apenas especulações que tem como consequências  a perda de credibilidade nas autoridades  e o relaxamento das medidas profiláticas por parte da população confusa, insegura e faminta.

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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 97º dia

                                  Assim que a quarentena foi anunciada, um misto  de medo e alegria apossou-se de mim. A possibilidade de dar uma pausa  no convívio exaustivo com  colegas  e estranhos em atividades  recreativas e culturais parecia ser  agradável e em anexo  vinha o medo do que estava por vir, a incerteza de quanto tempo teríamos que permanecer em isolamento e como  o país iria  conseguir alimentar seus filhos. Mas já estou em meu 97º dia de reclusão e  confesso que tenho feito malabarismo para encontrar formas de distração para fugir da realidade e já tentei varias coisas, a começar pelo diário, leitura, curso de inglês, séries na TV, limpeza de armários e gavetas, descansando de não fazer nada e torcendo pelo melhor para a nação.
            Evito sair e acompanho a vida lá fora pela janela e já ví muitas coisas: panelaços contra o presidente  e bem ruidosos por sinal e também presenciei discretas homenagens aos profissionais de saúde, que eram ovacionados  no início da  pandemia mas com o decorrer dos dias o seu valor já caiu no esquecimento. Também presenciei os primeiros ataques de limpeza e  acredite, homens limpando as janelas e dependurando roupas nos varais.  Uma raridade!  E  com tanto tempo ocioso, fico a observar os  pássaros que pousam nos fios elétricos  e  após tantos anos  residindo neste local, somente agora, consegui desfrutar da  magia  que é o canto dos pássaros e isso, graças  ao Coronavírus que parou o mundo e com menos carros na avenida outros sons  deliciam os meus ouvidos  torturados pelos escapamentos das motos e cantar de pneus.Também não passou despercebido, os carros que  estacionam no ponto de ônibus lá pelas 20 horas. Casa dia um e lá permanece por uns 40 minutos, parece que há uma escala. Fico intrigada! Será que são namorados aproveitando a falta de iluminação do local para trocar salivas? Vai saber!
            Em mais de  três meses de quarentena, devo ter saído  somente umas dez vezes e por extrema necessidade: supermercado e farmácia. Infelizmente terei que enfrentar  o medo e fazer uma visita ao dentista, estou sentindo que o meu implante está  frouxo e espero que precise apenas de ser apertado e que não tenha mais problemas, acho muito arriscado fazer tratamento odontológico em plena  pandemia; o dentista  usa máscara, luvas e touca, mas eu não  confio em 100% de proteção.
            Neste período  o contato que tive com as pessoas está reduzido  aos  atendentes  e caixas de mercado e farmácia. Quando saio á rua, vou de lenço, máscara e  ando em zig zag para  manter a distância recomendada  e por prudência, espero a hora da novela para colocar o lixo lá fora, assim evito o contato com  os vizinhos.  Gosto de  jogar conversa fora, mas no momento,   eu prefiro  manter monólogos comigo mesma a arriscar receber gotículas de salivas alheias  e tenho observado a vizinhança quando  vão varrer a calçada, passear com o cão  o fazem, na maioria das vezes, sem máscaras. Não nego que estou entediada. Tenho muito  trabalho a fazer, mas a procrastinação está mais forte  que o desejo de realizar com primor as atividades propostas.
            Já cansei das live motivacionais e dos conselhos de como aproveitar a quarenta e já executei quase todos. Já organizei armários e gavetas, lavei e passei toda a roupa, lavei os azulejos da cozinha e banheiro umas três vezes;  limpei e organizei todos os sapatos, descartei sacolas  e sacolas de tranqueiras acumuladas no decorrer dos anos.  Comecei a estudar inglês, assisti inúmeros filmes séries, vídeos inúteis, porém divertidos, como os do Guri de Uruguaiana e Chico da Tiana e o que há de melhor a fazer que é saborear receitas novas está difícil porque sempre falta  um ingrediente e no final, sempre acabo no trivial simples de todo o dia, arroz, feijão, ovo e salada de alface com tomate e sem a tradicional batata frita para não subir o colesterol. Sempre é alface porque é a verdura que está sempre fresca, no varejão ao lado e eles tem entrega em domicílio.  
            Os conselhos  que afirmam que é preciso ser produtivo  e  tirar o melhor de cada segundo do confinamento é uma utopia porque  quando o tédio bate, é difícil de lidar com ele e  a esta altura, encontrar um ombro amigo para  chorar as pitangas é impossível,  a nação inteira está no mesmo barco, o que varia é a intensidade do tédio. E a mais triste constatação:  “ não estudo porque não tenho tempo” é apenas desculpa.  Em confinamento tenho tempo de sobra e falta atitude.  Chego a pensar que a vida realmente acontece é fora do nosso lar, em um concerto musical,  na academia do clube, nos restaurantes e na interação com as pessoas. Sempre é bom voltar para casa e jogar-se displicentemente no sofá, mas estar em casa quase cem dias é realmente um pesadelo.
            Para aliviar o meu tédio, acho que vou protestar toda vez que eu ver uma publicação aconselhando a  movimentar-se pela casa, dançar com a vassoura e fazer abdominais, flexões, vou sentar e tomar um  suco e  se por azar, deparar com um vídeo de mulheres ensinando a organizar armários eu vou deixar meu corpo cansado cair lentamente no sofá e cochilar até o horário da  próxima refeição e quem sabe, esta atitude de rebeldia ajudará  disseminar o tédio. Sonho com o dia em que poderei voltar a minha antiga rotina  e inventar desculpas esfarrapadas para as amigas quando estiver sem dinheiro para sair e  ficar solitária no sofá esperando o dia do pagamento da pensão para enfim, voltar a circular pelos espaços de lazer.



domingo, 21 de junho de 2020

Diário do isolamento social-96º dia

                                  O inverno chegou com temperatura alta e baixa umidade do ar, mas este é o menor dos problemas.  Pelas noticias veiculadas não há esperança que a vida volte ao normal  nesta estação porque o Brasil que já contabilizava 29 milhões de profissionais  informais  com o alto número de falências terá este número aumentado e muito.  Outro triste número é o  de desempregados, mais de um milhão  durante o outono, e infelizmente, sem perspectiva de conseguirem  ocupação a curto e médio prazo. Ironicamente, no outono, estação da colheita e da fartura na natureza, os brasileiros colheram a miséria e o  desespero, consequentemente, violência e medo.
            Além do horizonte não há esperança a vista de que possamos caminhar livremente pelas ruas e nem entregar-se serenamente aos braços de Morfeu  porque cresce a cada dia o número de arrastões em condomínio e invasão de residências  e eles não  tem misericórdia.  Um casal de idosos, acima de oitenta anos de idade, moradores  de uma chácara,  teve  a  sua casa invadida  por um grupo de meliantes que sequer deixou um celular para que eles pudessem pedir ajuda após o furto. Lá ficaram  sem comunicação até que o filho, após estranhar o fato de eles não atenderem o celular, desconfiou e foi ver o que  havia acontecido.
            As confusões com as melhores medidas a serem tomadas continuam. Abrem-se shopping, mas os parques continuam fechados o que confunde as pessoas, ninguém mais sabe qual  é o ambiente mais propício a contaminação comunitária se  circular dentro de um ambiente fechado e com ar condicionado ou  caminhar livremente ao ar livre.  O Prefeito  entrevistas afirmando  que é necessário evitar aglomerações, porém,  retoma o rodízio de veículos o que automaticamente,  superlota o transporte público.
            Prefeito de São Paulo, Bruno Covas ameaçou  em público demitir o secretário   municipal de Mobilidade e Transportes, caso ele não conseguisse  com que os ônibus rodassem somente com passageiros sentados,  medida que gerou polêmica pela dificuldade de ser cumprida pelos motoristas e cobradores. Mas esta medida já foi revogada após duas semanas de implantação com alegação  baseada em uma consulta à Vigilância Sanitária que esclareceu que a posição em que o passageiro  viaja não é fator preponderante na transmissibilidade da doença.  Usar  máscara e álcool em gel,  é fácil para o  usuário, mas o distanciamento social, numa condução em horário de pico fica difícil. Circula pelas redes sociais mensagem de esclarecimentos que afirmam que o transporte  é o segundo local de maior contaminação comunitária. Afinal, quem está com a razão?
            Para completar o pânico  que já assola os  brasileiros com o  mínimo de discernimento, a imprensa ressuscitou a   terrível gripe espanhola que assolou o Brasil em 1918, durante a sua segunda onda, cujas orientações eram as mesmas: Distanciamento social e higiene. Bares, fábricas e teatros foram fechados, como agora.
Com a politização da pandemia e a disseminação de fake news, fica impossível saber o que de fato está acontecendo. Fale-se muito e esclarece  pouco.  Um grupo defende medicamento X, já grupo Y diz que X  é placebo e afirma que a solução é  o respirador. Aprece outra corrente que atesta com veemência  que a solução  chegará  com a vacina e ponto final.  E diante destas falácias eleitoreiras a  insegurança perdura na  população  que ainda nem sabe  se já atingimos o pico da pandemia e espera aflita  pela segunda onda, como na gripe espanhola, temendo sem o próximo a partir para a pátria celestial.

sábado, 20 de junho de 2020

Diário do isolamento social.- 95º dia

                                    Independente das mazelas  humanas  a natureza segue o seu ritmo e o inverno chegou e com ele a esperança de  que a curva do coronavírus achate e que a vida retome o seu curso antes da primavera. Não sei como será esta estação porque ainda estamos em quarentena, com abertura do comércio  e prestação de serviço  em horários diferenciados, e nestas condições,   imagino o fluxo das pessoas circulando pela cidade com cheiro de ano passado  de qualquer closet. Com a crise financeira que  o país inteiro enfrenta, poucos são aqueles que podem se dar ao luxo de  lavar as roupas de inverno e comprar novas é não é uma boa alternativa  porque  não houve lançamento de novas coleções.  
            É de uma beleza impar as manhãs com neblina serpenteando entre todos os espaços vagos  e destacando no  branco pontos coloridos formandos por gorros, cachecóis, casacos de lã coloridos e  charmosas botas de couro. É a estação da elegância!   Dos confins dos armários são desenterradas antigas agulhas, herança da avó e  da tríade formada por agulhas, novelos e mãos habilidosas nascem peças bonitas tricotadas com afeto durante o lento passar das horas dos curtos e frios dias do inverno.
            Inverno  é a estação propícia para cometer o pecado da gula. Ah! As quermesses! Como resistir aos caldos, quentão e o   fondue, marca registrada do inverno. É inadmissível deixar de lado as comidas gordurosas e deliciosas; quanto aos quilos a mais na balança, serão perdidos na primavera, em corridas pelos parques e  maçantes horas nas academias. Não há como negar que  nos dias frios no aconchego do lar,  dormir torna-se um prazer que vai além do  repouso necessário para a revitalização biológica do corpo. Dormir é tudo que me resta. Estamos no ápice da pandemia.
            Este inverno será diferente e como pertenço ao grupo de risco de contágio pelo coranavírus, mesmo com a abertura progressiva da economia, o bom senso recomenda que eu permaneça reclusa a reviver em minha memória a deliciosa sensação de sair de casa bem agasalhada e sentir o vento cortante, enquanto caminho rumo  a um festival de  inverno onde se pode ouvir uma boa música e ver gente bonita e elegante se acotovelando e se desculpando sem a menor preocupação com o terrível distanciamento social. Apreciar a beleza dos ipês que acalantam e trazem belezas aos olhos dos transeuntes apressados. Por estar privada parcialmente de minha liberdade de ir e vir  temo que a tristeza se apodere de meu coração.
             Gripe, resfriado, bronquite, rinite, sinusite e pneumonia são freqüentes no inverno e  somado a estas doenças, agora temos a Covid-19 que nos privou do melhor tratamento: o afago das pessoas queridas.  Esta será a estação da solidão  que perdurará até que um raio de sol  em forma  de vacina,  ilumine  e afaste o fantasma da morte que ronda os  lares dos  brasileiros.  Acolhi a palavra vacina como um mantra protetor e aceito a minha própria condição de vulnerabilidade. Não estou feliz nem triste, apenas  esperançosa com a possibilidade do fim da politização da pandemia e da criação de  um eficiente protocolo capaz de  salva a vida de todos pacientes.
            Que bom seria se aqueles que possuem o poder de decidir sobre as melhores ações a serem executadas para findar a pandemia,  rompessem definitivamente o ciclo de interesses próprios e políticos/partidários e decidem pelo bem da nação, pela cura. Dizem as pessoas que vivem no campo que  a missão do inverno é renovar   a esperança  e que ele  contém as sementes que germinarão da primavera e que florescera saúde e justiça social.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 94º

                                 Com os olhos da alma e do coração bem abertos, podemos compreender a simbologia da estação que se inicia após o verão e antes do  inverno e  tem como principal característica a redução da luz solar diária ao longo de sua duração, graças ao fenômeno denominado equinócio de outono, os dias tornam-se  menores  em relação as noites e as temperaturas são  amenas  e  há uma considerável  diminuição das chuvas e maior ocorrência de ventos e  nevoeiros. Nesta época do ano,   os frutos e as folhas desprendem dos galhos e as árvores se  preparam para o descanso durante o inverno para que possam renascer com todo o esplendor que lhe  é característico na  primavera, portanto,  o outono é a época do desprendimento.
            Desprendimento é uma tática eficaz de sobrevivência da natureza; ela sabe que  é preciso deixar o velho para  que o novo possa florescer. Este processo natural de desapego também é necessário na vida humana. Nossa existência é marcada por fases de transição: A gestação, infância, adolescência, juventude, maturidade e velhice. Em seu tempo, todos  retornam ao ventre da  terra, a grande mãe,  e assim a vida vai seguindo os  seus ciclos, sempre a renovar-se, e durante estas fases de transição é natural que  homem vá deixando  para trás  não apenas o que  lhe é peculiar a cada faixa etária, mas também os objetos  que lhes eram úteis, porém, existem aqueles que recusam a abandoná-los  e  começar a acumular além das   inutilidades, mágoas, ressentimentos e também doces lembranças que  transbordam e não dão espaço para novas experiências  e aquisições.
            É comum, frente a  necessidade de mudança, algumas pessoas ficarem acuadas, principalmente quando a transformação exige que se abra mão de algo considerado uma  relíquia que parece ser  a parte mais enraizada de quem  se é, e esta postura impede de viver o novo e a  vida continua tediosa porque está estagnada.
            Nem tudo que é antigo pode ser descartado porque todos precisam de raízes firmes para avançar rumo ao futuro incerto, porém, faz-se necessário uma autoanálise   constante do ponto de partida, o que deve ser aprimorado ou descartado  e seguir o exemplo da natureza,  que perde a flor  para que  o fruto cresça, ela não carrega  peso de uma estação para outra e isto é inspirador.
            O mundo está em constante  evolução não somente em  descobertas de novas tecnologias, mas também de valores que regem novos comportamentos, e todos precisam adequar-se aos novos tempos para sobreviver e  será que algumas lembranças guardadas desde a infância não estão  impedindo-o de ajustar-se a nova era? Caso conclua que esta memória, companheira de tantos anos não está lhe ajudando a  trilhar o  seu novo caminho procure transforma-la  em algo positivo e desprenda-se  de dores passadas. Volte o seu olhar cansado para a natureza e veja que a transição é requisito obrigatório para a continuidade de vida. Imagine se as árvores se recusassem  a deixar cair suas folhas? Mas elas não fazem isto porque  estariam impedindo a sobrevivência  da essência que as mantêm vivas e assim continuam a renascer a cada estação. Que belo exemplo a seguir!
            Olhar atento as transformações do mundo e desprender-se de  tudo que puder, significa apenas a oportunidade de abraçar a possibilidade da mudança. Neste último dia do outono de 2020, a estação em que  o povo paulistano passou em isolamento social, é o momento propício  para o exercício do desprendimento e do desapego.  Abrir os armários e estantes  e desfazer-se de  tudo que não lhe serve que está ocupando espaço há anos é abrir espaço para as novidades  que  poderão chegar  no decorrer da próxima estação.
            O simbolismo do outono, a estação da transição, pode ajudar no processo de  desapego  e se desejar aprimorar-se mais, analise seus comportamentos e quais atitudes   inadequadas têm lhe acompanhado sem que você sequer tenha notado e decida por desprender-se de tudo que não achar necessário. Assim, quando   a pandemia tiver fechado o seu ciclo, retome a sua rotina com mais leveza e o coração pleno de esperança em dias melhores.  É hora do adeus ao  outono e  de  saudar a chegada do inverno e  abraçar as oportunidades infinitas de mudança, e seguir em frente,  levando na bagagem os novos hábitos  de higiene   adquiridos  em virtude da Covid-19 e seguir o exemplo da natureza que  o cerca.
Feliz inverno para todos e sem coronavírus!