domingo, 20 de fevereiro de 2022

Solidão é o meu destino

 

Cheguei a conclusão que o meu destino é a solidão. Nasci e cresci em uma família numerosa, porém, era um lar onde não  havia espaço para o diálogo e a empatia, somente ordens, crítica e deboche de tudo aquilo que saia um pouco da  cultura familiar, e eu, que nasci dotada  com um pouco  de criatividade e  capacidade de sonhar com  uma vida diferente, aprendi desde a mais tenra a idade a abrir a boca somente para assuntos banais como o questionar sobre as tarefas do dia, anunciar que a comida já estava na mesa porque  temia ser ridicularizada durante anos, e entre os meus, sentia-me profundamente só.

Com o passar dos anos e o  ciclo natural de  vida-morte-vida, pessoas vão e  outras surgem e  eu  não tive a oportunidade de relacionar com pessoas que compartilhavam os meus ideais ou que pelo menos que fosse possível conversar sobre coisas banais, como o desejo  de conhecer povos diferentes, possuir roupas da moda, mas um dia eu conheci  Marco Antonio.

Conhecê-lo foi uma alegria! Um homem  com as mesmas origens proletárias, frustrações acadêmicas e familiares iguais e a mesma capacidade de sonhar e dialogar sobre  os fracassos do passado e planos do futuro. Finalmente eu pensei que teria um companheiro para os restos dos meus dias, mas a vida reserva surpresas e na maioria das vezes bem desagradáveis e ele sofreu um grave acidente de  carro e agora, está lutando pela sua vida em uma UTI, com a grande possibilidade de não se recuperar e ficar paraplégico para o  resto de seus dias. Às vezes penso que esta dor não irá passar nunca e ao contrário dos contos de fada que sempre terminam com um final feliz, já estou a aceitar que o meu destino, de fato é a solidão!

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Cuchara Argentina

     Desejar conhecer um país estrangeiro é um sonho  comum entre  os brasileiros  pobres, ou seja a maioria  deles. Eles têm ciência que este é um sonho  que jamais será realizado em virtude da falta de dinheiro crônica e também, não menos importante, dificuldades com  línguas estrangeiras e, mesmo quando possuem o dinheiro,  desconhecem os trâmites legais para tirar o passaporte,  planejar um roteiro de viagem e até coisas bem simples como comprar uma passagem aérea e  fazer reserva em hotel. Aqueles com o mínimo de discernimento, contentam-se em adquirir um produto do local  que deseja conhecer e  cuidam com carinho, com Rosalina não foi diferente.
    Rosalina ganhou de uma vizinha, que por sua vez, ganhou da filha, uma  autêntica colher de sopa Argentina, era de 3ª mão sim, mas era estrangeira comprada em Buenos Aires, durante a lua de mel. Só de olhar  para a  cuchara, a pobre Senhora  já se sentia rica e gostava de ostentar para a vizinhança o seu bem maior, ou seja,  o único objeto  que não era oriundo da Rua 25 de Março ou liquidação do Brás e olha que foram  mais de  20 anos de companheiros nas horas sagradas das refeições, porém, um dia não encontrou a colher, na segunda gaveta do armário.
    Rosalina procurou por dias  o seu precioso talher, até que  veio à sua mente, o último dia em que usou a sua fiel companheira  para comer doce de leite e foi deixada sobre pia para ser lavada  com a louça do jantar, naquele mesmo dia, lavou catalonia e todas as pistas indicam que  a preciosa cuchara fora jogada ao lixo junto  com as folhas da verdura  que estavam estragadas.  A partir desta data, uma vazio imenso invadiu o coração de Senhora  e quando esta se perde entre seus tristes pensamentos, lágrimas escorrem pelas suas faces    marcadas pelas  rugas e suspira: No lixo, minha  colher Argentina,   foi jogada no lixo. Era apenas uma colher de sopa usada, porém era  o seu único tesouro!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Tarde demais

             Inacreditável! Não estou feliz!  Sempre sonhei em receber flores do homem amado e  sempre senti inveja das amigas, primas e tias  que ora ou outra, eram surpreendidas com um buquê e hoje, pela primeira vez em minha vida, recebi um buquê de rosas vermelhas do atual namorado e para  minha decepção, nenhuma emoção especial.

            Cá estou eu a especular os motivos de minha indiferença   diante da surpresa inesperada: O fato de eu não amá-lo e levar o relacionamento adiante apenas por carência afetiva e solidão, pois dinheiro, ele não tem? Será que flores e amores estão interligados? Ou porque preciso de coisas úteis como comida especial para  sair um pouco do arroz feijão e angu de fubá? Será que o esforço da labuta diária para colocar comida na mesa atrofiou os meus sentimentos?

            Foram tantos caminhos percorridos e tantos obstáculos a enfrentar que já não sinto emoção  em pequenas coisas como apreciar a beleza e o perfume das rosas. Lagrimas escorrem discretamente  dos meus olhos pela  constatação de que a jovem romântica que um dia eu fui, se perdeu nas estradas da vida.  Hoje estou seca por dentro, meu coração está reduzido apenas a cumprir a sua função biológica de bombardear sangue. Olho os belos botões vermelhos e  não os enxergo, o que vejo são frutas  que eu adoraria saborear,  porém,  nunca pude comprar. Tão esperados e tão inúteis porque não  consigo mais desfrutar do prazer de admirar o belo, estou presa ás necessidades básicas, uma vida sem sentido, um peso morto para terra. O tão sonhado buquê de rosas vermelhas  chegou e  meu coração sangra porque eu não sinto nada além do desejo de comer, a preocupação em conseguir pagar as contas em dia e ter um lugar seguro dormir.  Fico a pensar: São seis rosas vermelhas, seria tão bom se fosse seis quilos de carne e olha que nem precisaria ser de primeira, carne de segunda já me deixaria muito feliz ou seis tipos de frutas diferentes! 

Catrini