domingo, 24 de janeiro de 2021

Direto ao ponto

                           Não tenho mais nada a lhe dizer e  já lhe disse inúmeras vezes que  não lhe enviaria coisa alguma, e você, com a sua  imaginação exacerbada  ficou imaginando coisas, além do que lhe disse. Apesar de nos conhecermos a anos, e saber que sou pessoa de uma palavra só, uma vez dito, comigo, dito está. Aos dezesseis anos de  idade, discute com meu pai e ele disse que se eu colocasse o pé  fora de casa, que não mais lá entraria. Não voltei. Dormi na rua, passei fome, frio, catei  e vendi latinhas, papéis e outros produtos recicláveis, lutei, lutei muito e hoje sou dono de uma rede lojas e quanto ao velho? Soube que casou novamente e que já tem outros filhos. Não conheço meus irmãos e nem faço questão de conhecê-los. Nunca mais falei com o meu genitor, quando fui reivindicar  a herança de minha mãe, o fiz por meio de advogados. Eu lhe digo, você sonhou com o presente porque desejou ganhar um perfume.

            A última vez que eu dei um perfume de presente, a uma pessoa amada, sabe o que ela fez? Gastou a quase totalidade do frasco com sabe-se Deus quem,  em  minhas ausências e eu jurei nunca mais presentear ninguém, com algo que custe mais do que dez reais e este juramento já tem mais de vinte anos. Por que seria diferente com você? Justamente com você, que um dia, agressivamente, você devolveu-me cartas e mais cartas, cartões e mais cartões postais, que eu lhe havia dado e, naquele instante, eu jurei que nunca mais lhe escreveria e nem lhe daria nada, absolutamente  nada. Faz exatamente 30 anos que isto aconteceu. Você significa muito para mim. Mas, durante nosso relacionamento, nosso período de amizade, de afastamento, você perdeu muito, muito, muito, em relação a minha pessoa e  continua a  perder. Mas isto não significa  que não possamos manter uma amizade, amizade e nada mais que isto.

            Quero deixar bem claro que os seus pedidos estão na geladeira dos meus sentimentos. Não preciso explicar  os motivos. Assim como você não me explicou uma porção de coisas quando lhe questionei a respeito delas. Acaso eu não mereci respostas convincentes da sua parte? Seu maneirismo, sua postura e comportamento fizeram-me ver que não devo, não posso, alimentar uma ilusão em você, pelo que jamais acontecerá. Somos diferentes, usos e costumes. Detesto pessoas cheias de segredinhos, de esquemas de mistérios, acho ridículo! Fora de parâmetros. Aprecio mesmo é a franqueza absoluta.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Caliandra responde

 Cara colunista,

            Escrevo porque estou só, sem a possibilidade de sair para visitar um amigo, quando o dinheiro acaba, os amigos desaparecem, o lazer fica comprometido, e em tempos de pandemia, até a igreja,   que desde sua fundação, sempre esteve aberta aos fiéis, agora está proibida de acolher os fiéis e necessitados. Tudo porque o um vírus estrangeiro aqui aportou, e ao que tudo indica, não tem intenção de levantar âncoras e singrar os mares rumo ao seu destino de origem. O que restou  a nós pobres viventes, dependentes do auxílio emergencial?  Conseguir uma senha de  wi fi dos vizinho,  ler a sua coluna e beber em sua sabedoria, simples e direta,  chegando às vezes, até a ser grosseira e recorremos a sua ilustre pessoa  para aliviar as mazelas do nosso coração porque  nem o CVV, quem saber de pessoas como eu, lá, eles dão apoio moral àquelas pessoas que desejam terminar com a  própria vida, o que não é o meu caso. Eu quero trabalho, saúde e dignidade. Diante das dificuldades inerentes à pandemia, o desprezo da pessoa amada torna-se tão pequeno. As dores do coração são bem menores que a do estômago, quando a fome chega e não há nada  para matá-la, é desesperador e fica a pergunta: é melhor de fome ou de Covid-19?

             Estou profundamente triste! Hoje pela manhã, faleceu o pai de uma colega de  escola muito querida. Ele se foi vítima de um AVC, com apenas 84 anos  de idade. Sempre que um pai se vai  sofro muito.  Pai é  o  porto seguro. A certeza de  se ter para onde voltar! Por eu ter sido   uma criança protegida e  bem cuidada, pelo meu papai amado, eu tenho certeza que posso voltar e isto  é muito bom, dá segurança! E se algum dia ele precisar, largarei tudo e cuidarei dele com o mesmo amor, carinho e paciência, como um dia ele cuidou de mim. Sou-lhe muito grata pela vida e cuidado. Estou buscando qualquer trabalho,  desde que eu receba e tenha condições de botar comida na mesa para a minha família. Li com atenção a sua resposta a uma leitora e arrisco a pedir-lhe uma orientação.  

Talvez pelo acúmulo de tristeza r a fome crônica,  eu não tenha compreendido bem suas orientações. Sei que é um especialista nas coisas do coração,  mas como  és uma estudiosa voraz de vários assuntos, arrisco pedir esclarecimentos jurídicos.

a-     Em se tratados de trabalhadores domésticos, especificamente  cuidador de idosos, com a morte dele, pensei que o funcionário recebesse apenas o fundo de garantia, isto de ter direito a  herança do falecido  é novidade para mim, está nas leis trabalhistas ou é uma generosidade de alguns.   Sempre pensei que direito a herança era somente de familiares de sangue.

b-      Outra questão. Sempre  ouvir dizer que casamento de pessoas mais novas com idosos é com separação total de bens e que inclusive os  herdeiros necessários podem interditar idosos, quando ele desfaz de maneira insensata do patrimônio dos herdeiros.

 

C-  Não estou  tendo dar o golpe em ninguém, é que eu pretendo encontrar trabalho, recomeçar a minha vida e recuperar o meu patrimônio que foi dilapidado pela pandemia.

Hoje, na sala de espera do Posto de  Saúde,  conheci  uma mulher que parece ter saído direto das páginas dos romances de Jorge Amado, ela se sentia a própria coronel do Cacau. Totalmente sem  noção, deslocada no tempo e no espaço e demonstrou interesse na minha pessoa. Tendo detectado esse pequeno distúrbio temporal na distinta devo dar lhe uma chance?

            Cara colunista, em  um passado não muito distante, quando eu ainda era um empresário bem sucedido, comprei de presente para minha namorada na época, o melhor perfume já fabricado no país e a convidei para uma viagem  de quinze dias até a Patagônia , em um luxuoso transatlântico,   viajando sob a bandeira italiana, em  águas internacionais. Com três mil passageiros a bordo, com 24 horas de festas,  restaurantes finos, boites, piscinas e muito mais. Ela recusou e em minha ausência, ela gastou  praticamente todo o frasco do perfume,  usando-o com vários homens, sem distinção de classe social, do caixa do supermercado  ao industrial mais rico da  cidade. Como pode observar,  a fome crônica corrói o meu estomago e as lembranças a minha alma

Leitor sofredor

.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Paranóico

                       É normal  mudança de interesses durante o namoro e quando  o casal compreende esta necessidade, o relacionamento flui, porém, se uma das partes permanece inflexível,  a espiral do conflito  cresce e a separação é inevitável. Quando Pedro  reaproximou-se de  Talita, a proposta dela era  de eles se verem de quando em quando, sem maiores compromisso, alegando que precisava de um tempo para digerir o acontecido do passado, já que  não poderia falar que tinha um plano secreto de vingança  e precisava de tempo  para estudar todos os detalhes para que não houvesse nenhuma falha. De início, ela  se mostrou pouco interessada em reatar  o namoro, porém, após perceber a fragilidade emocional de seu ex-namorado, e em um momento de brincadeira, taxou- o de paranóico, posteriormente,  passou a falar, em tom de sedução e fantasia, em uma lua de mel; afirmava que seria uma loucura sair com um doente mental e como ela tinha uma vocação inata para a  harmonização de pessoas,  o ajudaria a encontrar a paz interior que ele tanto ansiava.

          Ele entrou na brincadeira e disse que o  seu desequilíbrio mental  poderia crescer repentinamente, e que uma pessoa sadia e um paranóico, juntos   poderia terminar em camisa de força ou algema. E ela   afirmava que sim, correria um risco sério, mas teria também a sua compensação: colo, calinhos, mimos, atenção e que tinha firme convicção que ele atenderia todos os seus caprichos com rapidez, já que com ela, o homem sempre tem a última palavra- sim, senhora. Seu pedido é uma ordem! A razão da minha vida é deixá-la feliz! Estou aqui para servi-la.  E ele alegava que  nem todas as ordens dadas por ela seriam cumpridas, como colocar-lhe um avental, bem curtinho, na frente, e bem comprido atrás. E mostrar-lhe uma pia  de cozinha, repleta de pratos, louças, talheres sujos, um tanque cheio de roupas para valar, uma taboa de passar roupa e um ferro a carvão, à moda antiga. E, depois: uma vassoura, com panos de limpeza de chão, com ele, não. Ele poderia ser um doente mental, mas idiota, ele não era, porém,  não imaginava que ela queria apenas  abandoná-lo  em plena lua de mel, iria simplesmente desaparecer do hotel, levando consigo somente os documentos pessoais e dinheiro, deixando a  mala sem nenhum bilhete.

domingo, 17 de janeiro de 2021

LUa-de-mel em Baipendi

          Baipendi, no sul de Minas,  é uma  cidade remanescente do ciclo do ouro que se desenvolveu ao longo do caminho da Estrada Real, mas pouco conhecida, apesar das lindas cachoeiras e de sua Beata Nhá Chica;  conhecê-la, era  o desejo de Lanna,   tanto que sugeriu ao noivo,  que lá passagem a lua – de – mel.  Mas a resposta, um tanto inusitada, minou o desejo da jovem de desfrutar das delícias das  águas  mineiras. Sem expressar o menor romantismo, o varão discorreu por longo tempo, sobre o seu desejo de conhecer a cidade,  onde grande quantidade de portugueses que chegavam ao Rio de Janeiro e almejavam adentrar pelo interior a fora, para desbravar o interior do Brasil, por lá passaram.

          Ao ser indagado pela jovem apaixonada, quanto dias ficariam em Baipendi,  ele respondeu que quem ditariam as regras, seriam sua mãe e irmã, que eles apenas acompanhariam. E para completar, relatou que a última vez que ele viajou sozinho, com uma namorada, fora bastante  frustrante, porque eles planejaram quinze dias, percorrendo os estados do Mato Grosso e Goiás, mas a acompanhante se rebelou e  o passeio ficou reduzido a sete dias. Mas que desta vez, talvez fosse diferente, porque  ele tinha certeza que seus antepassados se radicaram em Baipendi, pelo menos, por algum tempo, e a mãe desejava  descobrir o elo perdido da história familiar.

          E falou e falou sobre as viagens que fez pelo estado de Minas  Gerais em busca de suas raízes, do costado materno,  e enfatizou o episódio de São Lourenço, quando conheceu uma bibliotecária, amante de genealogia e heráldica, após explicar o  motivo da viagem, ela   anotou tudo e lhe disse que podia viajar tranquilo, ela faria a pesquisa, e na volta entregaria  o resultado. Diante do resultado fantástico, ele ofereceu  generosa quantia em dinheiro,o que ela recusou com veemência, pois  o que fizera fora  por amor a história e respeito àqueles que desbravarão o sertão mineiro. Claro, a tão esperada lua-de-mel não aconteceu.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Após 27 anos

                  

            Sempre o mesmo velho medo  de progredir, de avançar sempre, de alcançar os objetivos traçados durante a  juventude. A origem  deste medo que me paralisa, sempre diante de uma situação decisiva na vida, da qual resultaria em  prestígio e dinheiro eu não sei; fato é que,  involuntariamente, busco refúgio na doença que  não me permite fazer o que precisa ser feito e consequentemente, o lamento eterno pela oportunidade perdida.

            Faz exatamente, 27 anos em que eu deveria iniciar o estágio, na profissão que escolhi, e  a autossabotagem  fez com que eu sofresse um acidente doméstico grave,  que levou-me ao pronto socorro e o uso de muletas por quatro meses.  E mais uma vez a situação  se repete,   ás vésperas de  mais  estágio. O medo surgiu do nada, disfarçado de doença, amanheci com sintoma de Covid-19: dor de garganta e indisposição. A possibilidade de  eu estar realmente contaminada é remota porque sigo  rigorosamente as orientações dos especialistas. Eu sei que é medo de vencer, de ser próspera e feliz. Só que desta vez, eu vou vencer  o medo  avançar na vida, de abraçar novas oportunidades. Eu não vou ao Pronto Socorro em busca de ajuda, porque sei que é produto de minha mente  covarde e temerosa, que não aceita o meu progresso. Vou preparar-me e estar a posto, exatamente no horário combinado.  Para males imaginários, receitas naturais.

Tomei água com  limão e açafrão da terra;

Água de alho;

Chá de camomila.

Pela primeira vez em minha vida, eu  derroto o medo, a autossabotagem, porque estou preparada, confiante e tenho capacidade para competir de igual para igual, ou até melhor. Eu posso, eu sou capaz, eu sou competente, eu sou a excelência em pessoa. Admirada, amada e respeitada.

Adeus Covid-19;

Adeus medo do sucesso;

Adeus medo da felicidade;

Adeus medo da realização pessoal.

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Prato exótico

                      Não há razão para  tentar entender o ser humano porque ele  é único. Deus caprichou em sua obra, por isso, é comum encontrar uma pessoa que aprecia os extremos, como por exemplo, apreciar a música popular e a erudita,  história geral e  local,  culinária regional e gourmet, festividades religiosas e pagãs, aprecidar lugares sofisticados  e também os simples, como as feiras livres e as de artesanato. Também existe as pessoas corajosas que apreciam de tudo, principalmente  comida exôtica como cobra ao vinagrete, jacaré à bolognesa, passarinho à caçardora e se divertem com os amigos que vomitam  ao ler o cardápio. Em um passado não muito distante, quando não havia geladeira,  as pessoas matavam o porco,  destrinchava, picava,  fritava o toucinho e a carne, depois colocava tudo em uma lata de querosene, como era o costume da época; a carne megulhada na gordura do porco durava o  ano inteiro e adquiria um sabor peculiar e bem saboroso. A vantagem é que podia viajar e  no retorno ao lar,  havia comida pronta na lata, era só esquentar.

          Os antigos sempre falam   do hábito de armazenar a carne suína, mas será que  os lobos guará, que rondavam os galinheiros não tinham o mesmo destino? Afinal, depois de pronto, curtido nabanha, e servido com um molho bem apimentado, é possível que ninguem  indentificaria a  origem da iguaria. É bem possível que muitos animais silvestres tenham virado carne de lata porque  nenhum empregado responsável por algum galinheiro ia querer pagar  a ave que o lobo comeu. Então, o melhor, era que o visitante indesejado fosse para a panela.

          Naqueles idos tempos, o homem  protetor e provedor, possuía no mínimo  uma arma de fogo, o mais comum era espingarda, e havia aqueles que possuía  espingarda de duplo cano, espalhadeira de chumbo, e sempre que viam uma caça,  logo davam um tiro certeiro. Agora os costumes são outros, há pessoas que  sequer imaginavam a procedência da carne comprada no supermercado, e   menos ainda, que antes do preparo, a carne bovina   é  vermelha. Poucos são os privilegiados que ainda tem em sua mãos, o domínio do alimento que coloca na mesa  para a sua família.   

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Carta a Francesca

 

           

         Francesca querida, na solidão deste quarto de  hospital, vendo a luta da equipe médica para que eu viva,  quando o corpo já não quer mais viver e a alma, por ser imortal, apenas deseja voltar ao seu local de origem que ninguém, de fato sabe onde é, minha vontade   é neutra, apenas espera com resignação, os designos de Deus.  Posso dizer que estou  cansado de viver, porém, sem vontade de morrer e como nada posso fazer, senão esperar, dedico minhas horas ociosas a pensar e revivo as viagens que fiz por este Brasil amado. Percorri o chão mineiro, saboreei  o  delicioso bife com jiló, no mercado municipal de Belo Horizonte, visitei o conjunto arquitetônico da Pampulha, e fiz umas compras básicas na feira de artesanato, na av. Afonso Pena, em frente ao parque municipal e claro, assisti uma peça teatral no Palácio das Artes, visitei  a fazenda onde joão Guimarães Rosa nasceu, vi tudo, observei cada detalhe. Depois, segui viagem rumo a Diamantina, uma preciosidade que todos deveriam conhecer, onde  havia um homem da inteira confiança da coroa portuguesa, que controlava as rendas advindas da extração de diamantes e que ficou na história por ter amado profundamente uma escrava. Mas, ao  passar pelo circuito dos lagos, na parte mineira, entrei em todas as cavernas, uma mais linda que a outra e pude constatar que lá não existe mais homem primata, todos morreram a milhões de anos.

          Talvez eu seja  o único sobrevivente da dinastia dos homens das cavernas brasileiro, ciumento ao extremo, paranóico, mas que adora um colo macio para descansar a carcaça, após a labuta diária para conseguir botar a comida na mesa. Na alvura deste leito,  meus escassos momentos de cores, são oriundos de minhas recordações, quando a revejo junto ao fogão, preparando-me, guloseimas  deliciosas, receitas de família que você guarda a sete chaves. A refeição aqui é equilibrada, própria para convalescente, consequentemente, desprovida de sabores familiares.

          Com bastante frequência,  imagens da convivência familiar dos homens primatas povoam a minha, claro,  sem nenhum embasamento científico, fruto de minha imaginação. Sim, em meus devaneios, sou o último dos primatas, que está a correr risco de vida e precisa ser tratado com muito carinho, calor humano, para ele perder o medo de morrer.  Caso eu vença a Covid-19, sem sequelas, quem sabe,  possávamos refazer estas viagens  juntos, sei que você está ávida para acolher-me em sua caverna que já não tenho mais certeza onde fica, se no Vale do Pereaçu, Botumirim,ou Lagoa Santa. Meu futuro é incerto, minha mente está confusa, as recordações estão entrelaçadas e sinto saudade de tudo aquilo que não vivemos.

Com carinho,

Pedro Henrique

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Cartas violadas

         Houve um tempo em que o meio de comunicação mais rápido era a carta, desde que fosse enviada para o endereço correto, e principalmente, que não houveve ninguém interessado em desviá-la. Havia sempre aquela  romântica  que perfumava a carta e  assinava-a com um beijo. Se algmas destas cartas, ficou esquecida em uma gaveta, qual seria a reação do destinário, na era das redes sociais, reler  uma correspondência, no mínimo de duas décadas passadas?

          Durante o longo reinado das cartas, muitas esposas ciumentas, usavam de artimanhas  para violar a correspondência do marido, como o bico da chaleira, ou  nos casos  raros de  esposos caprichosos, com o auxílio de uma guilhotina, abriam as cartas, exatamente do mesmo modo que eles, para não estragar o envelope e não comprometer o conteúdo,  e após constatar que não havia nada que depusse  contra  o companheiro, espertamente, tentavam camuflar a criminalidade que praticou, porque a lei brasileira garante a inviolabilidade das correspondências, como colar um durex coloridos  nas laterais do envelope para parecer que foi uma decoração proposital. Claro que estas mesmas mulheres, quando  por um acaso, o marido pedia para ela abrir e ler a correspondência dele, elas  constumavam responder com ar bem angelical: - Meu amor, eu não posso fazer isto, elas não são minhas. 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Cara Sandra

            Sandra, amiga querida do meu coração. Você por ventura, está de viagem marcarda para Greel, Bélgica,  com a  intenção de  passar uma temporada internada em um hospital psiquiatra, não por estar doente, mas para fazer um teste com os seus familiares, ver aqueles que realmente  se  importam com você, para que sejam beneficiados em seu testamento?  Se você realmente for, já que afirma  que é endoidecida por mim, que me ama, perdidamente, não se esqueça de escrever-me, na semana do dia de São Valentim, dando-me seu novo   endereço, lá na Europa. Você,  se rogulha de ser minha prima distante, oriunda do costado paterno, quem sabem seja o caso de ambos mudarmos para a Bélgica, eu ficarei em Bruxelas, e prometo-lhe, visitá-la-ei, sempre, para que não se sinta sozinha e  fique deprimida.  Mas enquanto eu não decido, aqui parmanecerei e por favor, escreva-me semanalmente, mesmo que você cometa erros gramaticais, pouco me importo, pois não estou na fase do aprendizado escolar, e lerei com  carinho e atenção as suas missivas pois você é uma pessoa muito especial  e que eu quero muito bem.

          Mesmo descansando nesta cidade  tão acolhedora, sobre a proteção de santa Dymphne, padroeira da cidade, tenho certeza que seus pensamentos, vez ou outra  alçarão voos em direção ao Brasil, quando aqui, estiver reinando a alegria das comemorações do dia dos  namorados, dos santos juninos, com quermesses com as  queimas de fogos, correio elegante, fogueira, pipoca, quentão e demais comidas típicas, sem falar é claro, no ápice da festa que é a quadrilha.

        Em virtude dos últimos  acontecimentos,  ficarei  em minha toca hibernando, com ou sem companhia feminina, isto sim, é o que o que podemos chamar de tristeza: ferido, chifrado e sozinho na toca, já velho, carcomido, com os seus dias contados.  Para aliviar o meu sofrimento, irei refletir, pensar em tudo o que  já fiz, colocar para fora as dores. Não gosto de conviver com mulheres que ficam escondendo as coisas importantes, principalmente  quando o foco é a vida a dois, onde é inadmissível  segredinhos, as meias verdades e as omissões, as distorções e invencionices.  Como profissional, tento intermediar duas almas, uma a do idoso solitário, a outra, da mulher madura, loba, a procura de abocanhar um salário, amealhar bens imóveis, móveis, semoventes, presentes, luxúrias, viagens, carros de luxo, roupas importadas turismos, enfim, quase todas estão correndo atrás dos itens elencados. Normalmente, a maioria das mulheres  correm atrás dos direitos, mas sequer lembram que antes dos direitos, vêm os deveres.  Faz algum tempo você já sinalizou que eu  pareço um escravocrata, agora, deseja saber a respeito dos régios salários  trabalho, se a contração será sob a égide das novas leis trabalhistas, ou não. Noto que a sua única e grande preocupação, na verdade, é  encontrar uma bengala financeira, a alicerçar  muito seus próximos anos, décadas, já que tem como único objetivo, aumentar cada dia mais a  fortuna  herdada de seus pais e mormente focada em um velho ancião abastado, doente e já com um pé na cova. Pelo visto,quando você conseguir tudo isto, sua felicidade e sorriso voltarão com facilidade.  Eu quero uma mulher que esteja comigo, por amor à minha pessoa, e não aos bens que possuo.

domingo, 3 de janeiro de 2021

Doce vingança

                               Há um adágio popular que diz que “ que  é doce o sabor da vingança”, principalmente quando o sofrimento do algoz é lento  e perene porque a humilhação foi pública. Talvez a centésima vítima do  conquistador Chicão tenha sido Tereza, que em sua juventude enamorou-se dele, mas o romance não foi adiante porque, segundo ele, a jovem era de um nível cultural  e financeiro bem inferior ao dele, e iria envergonhá-lo  por não ter traquejo social, e também não tinha condições de   proporcionar uma educação requintada aos filhos que ele tanto desejava ter.

          Duas décadas se passaram, com estudo, trabalho e muita determinação, Tereza venceu  na vida e tornou-se uma empresa bem sucedida, inteligente, educada e culta, e Chicão, manteve-se no mesmo patamar de quando se conheceram, apenas administrando a herança que seu pai  lhe deixou.  Quando casualmente  os dois se reencontraram, ele percebeu o erro que cometera no passado, ao desprezá-la por ser de origem humilde, e tentou reconquistá-la, e desfilou o seu rosário de sofrimentos, referente aos três casamentos frustrados, rompimento com sua família  por desavenças com a última esposa, distanciamentos  dos seus cinco filhos, passagens outras tão amargas como losna. Ele  não merecia  tudo o que sofreu nas mãos das ex-esposas  e seus advogados nos intermináveis processos por pensão e partilha de bens. Ele não merecia, mas a vida é assim e cada um tem que conformar com a sua cruz emocional, mas o que passou, passou,, foi doido demais, foi uma verdadeira bofetada,  que a última esposa desferiu nele, definitivamente, ele não merecia tanta maldade, foi muita covardia dela no mais alto grau e feriu o seu coração de forma irreversível, mas ele sobreviveu, dizia, com os olhos marejados de lágrimas e que sentia-se feliz  ao revê-la. Tereza ouvia em silêncio,   mas seu coração rejubilava de alegria, ela que o tanto amara no passado e fora rejeitada agora o via  estacionado financeiramente e totalmente frustrado nos relacionamentos amorosos e sonhos de uma brilhante carreira no exterior, enquanto ela estava feliz, no trabalho e no casamento, com um marido fiel, dedicado,  honrado e trabalhador, e filhos exemplares. Tereza não precisou fazer  nada para vingar a humilhação sofrida, o destino  encarregou de mostrar ao vaidoso que caráter e dinheiro são coisas diferentes, mas Tereza não perdeu a oportunidade de relatar a ele  a sua felicidade conjugal e profissional.

sábado, 2 de janeiro de 2021

Separação inesperada

      Em uma preguiça  morna, na solidão de seu quarto, Tião reflete sobre os últimos acontecimentos de sua vida amorosa. Amorosa, é maneira de falar, pois seu relacionamento com Cely sempre foi pautado  em seu autoritarismo e na obediência de sua esposa. Mas o inesperado aconteceu!  Um dia, que nem mesmo ela acreditava que chegaria, a jovem esposa  não suportou mais  a rotina do regime totalitário em que vivia e explodiu; no  ímpeto da raiva, colocou o marido para fora de casa e ele se viu obrigado a refugiar-se na edícula, construída  no fundo do quintal para alojar os seus pais, em suas demoradas visitas de final de ano.

          Cely bem alterada, aos berros – “ saia daqui, saia daqui, desapareça daqui, suma da minha frente, da minha vida seu tirano maquiavélico, sovina.” Enquanto gritava os piores impropérios,  foi pegando as coisas de Tião: roupas, sapatos, material de higiene pessoal, caixa de remédios, documentos, álbuns de fotografia e atirando tudo no quintal.

          Assustado com a cena inusitada  da doce e obediente companheira de mais de vinte anos, Tião não disse uma palavra, não reclamou e nem perguntou a razão de tanta fúria, apenas juntou suas coisas e dirigiu-se para a edícula.  O valente Tião conseguiu fazer o que  a esposa ordenou: “fora, fora, vá embora daqui.” Literalmente, ele foi colocado no olho da rua e  naquele instante, ele percebeu que o seu casamento acabara e  lastimava não saber o motivo. Nunca levantara a mão para ela, era um pouco exigente, admitia, mas nunca partiu para a agressão física, nunca deixou faltar nada em casa; assim que recebia o salário,  ia ao mercado e fazia a compra do mês e já pagava as contas,  independente da data do vencimento; se sobrava dinheiro, aí sim, ele saia para beber com os amigos. Sim, ele estava sendo vítima de uma injustiça, bem dizia seu velho pai, que as mulheres desejam mesmo é dominar os homens, sempre querem mais e mais.

          Para quem não sabia fritar um ovo e lavar uma meia, a adaptação foi difícil, mas ele não deu o braço a torcer, não pediu ajuda. Continuou como o homem chefe da casa, arcando com as despesas das duas residências até a saída do divórcio, do qual,  Cely sairia sem nada, porque casaram com separação total de bens, e  então, finalmente, ele poderia retornar ao seu lar, que ele construiu bem antes de conhecê-la. Ela  fora uma boba ao acatar a sugestão dele de parar de trabalhar, mas isto já não era problema dele, refletia. Separação dói, é difícil, mas dá para superar bem, quando  você  não tem que dividir o patrimônio adquirido com o suor de seu rosto. Agora é procurar outra companheira, sorria malicioso.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Resposta

                          Violeta  precisou de um tempo a mais do que as  pessoas de sua convivência para  adaptar-se às novas tecnologias, e assim que dominou o WhatsApp, se entusiasmou com as mensagens recebidas e repassava-as a todos os contatos, que incluía o seu affair, um homem egoísta, prepotente e autoritário, em  linguagem popular: dono da verdade e da razão.  Certo dia, Vileta encantou-se com um pequeno texto que refletia sobre o que era mais importante - ser feliz ou ter razão -, e como sempre, a mensagem foi redirecionada a todos. É sabido que a maioria das mensagens  das rede sociais  não são lidas em sua íntegra, aquela olhada básica e a decisão final:  apagar, ler ou encaminhar, mas justo neste dia, ele leu,  não gostou e não economizou palavras ao respondê-la. “ Cara amiga Violeta, Sempre é bom receber  mensagens suas, desde que sejam  textos autênticos, com frases originais, que expressam os seus desejos, ideais, pensamentos, pretéritos, presentes e futuros. Sou um homem ocupado, não tenho tempo e nem paciências para ficar lendo textos  que circulam em redes sociais com autoria duvidosa. Enviar-me parábolas bíblicas,  artigos de psiquiatria, psicologia é perda de  tempo, apago sem ler. Para dialogar comigo, é somente expressando a sua verdade nua e crua, detesto mentiras, omissões, entrelinhas, texto para esclarecer – com pontos em destaque – Se você acredita que eu estou errado, diga-me abertamente, sou forte, não tenho medo da verdade, se você se acha errada, não invente, não coloque a culpa em fantasiosos milagres, ou invencionices, para livrar a cara. Se você  continuar nessa xaropada  de enviar-me  textos de terceiros, orientações de suas amigas, psicólogas ou de seu pastor, tenha certeza, já, já sequer responder-lhe-ei. As ideias que você me envia, advindas de profissionais especializados, orientadores religiosos, etc, não conseguirão fazer você aproximar-se de mim, pelo contrário, afastarei de você. Repito: para mim, tem mais valor, por exemplo, um período gramatical seu, saído lá das suas entranhas, do que maravilhosos textos retirados do Alcorão. Quando eu  quero ler um determinado autor, eu simplesmente compro um livro dele, pela internet, recebo em casa e assunto encerrado. Você, que si diz, apaixonada por mim, precisa mudar este seu comportamento infantil, comum, senão, cairá cada dia mais em meu conceito. Jamais esqueça o que eu vou lhe dizer agora:  Existem, sim,  várias mulheres, tão apaixonadas por mim, quanto você se diz ser. Mulheres estas que eu sequer vejo, sequer me encontro com elas, mulheres que me conheceram no passado, que já vai longe e que são minhas amigas incondicionais, até hoje e você é uma delas. Eu sei que você é uma flor, inculta  e bela, a um só tempo, esplendor e sepultura e que me ama verdadeiramente, e amar-me-á por todo o sempre.Se eu não soubesse disto, não  teria procurado, como se procura uma agulha no palheiro, para  descobrir onde você estava escondida, e tenha certeza, eu  consigo localizar todas as minhas ex-namoradas, estejam onde estiverem. O problema é que você  perde todas as  oportunidades que tenho lhe dado  para provar que é merecedora de assinar o nome de meus ancestrais. Você percorreu todos os caminhos, menos aqueles que poderiam aproximá-la  mais de mim. Após a leitura, Violeta  compreendeu  que é necessário  critérios rigorosos para encaminhar mensagem aos contatos e que  não valeria apenas investir  no relacionamento, apenas agradecê-lo por fazê-la perceber que, o que é importante para uma pessoa, não o é para outra e que em redes sociais, todo cuidado é pouco.