Era primavera quando Rosalina recebeu uma mensagem caliente de alguém muito especial do seu passado. Uma
mulher comum ao ler uma mensagem como
esta provavelmente desceria do salto,
chamaria o remetente de tarado, que só pensava naquilo. Chamaria
as amigas maquiavélicas e arquitetariam um plano de vingança infalível que
culminaria na impotência perpetua do pobre homem. Mas Rosalina era diferente! Jamais faria algum mal a um
homem que expressasse o seu desejo de
amor/eros com fantasias
inusitadas. Ela acreditava que o amor,
sem criatividade e magia embrutecia
a relação reduzindo-a a simples
exercícios físicos
Rosalina acreditava que as estações do ano influenciavam
diretamente o humor das pessoas. Além da magia e beleza das flores, insetos e dos sedutores canto de acasalamento dos
pássaros a ciência já provou que a exposição
à luz do sol estimula a produção das três substâncias responsáveis pelo
bom humor e energia: serotonina,
dopamina e melatonina, e Rosalina vivia em um país
tropical e em sua região na primavera a
temperatura chega até 37º, o que
favorecia o desenrolar de grandes paixões,
a época era propícia para se
entregar de corpo e alma e realizar as fantasias do parceiro para juntos vivenciariam o fascínio do amor,
a experiência do absoluto que tudo
transforma fazendo da pessoa amada uma quase
divindade. Um encontro como este exigiria um território neutro, e o
universo conspiravam a seu favor, já que tinha que fazer uma viagem profissional para a cidade
onde também se encontrava João Francisco, as datas do evento
coincidiam com o final da lua crescente e início da cheia.. Na fase
quarto crescente, há uma aumento da libido
das pessoas e os casais sentem uma vontade inexplicável de se amarem e se
renovarem na intimidade. O poder mágico da
lua cheia favorece a compreensão dos desejos do outro e intensifica as relações. Perfeito!
O termômetro mais seguro para o homem saber o quando é amado e desejado por
uma mulher é o tempo que ela gasta se preparando somente para
ele. Rosalina desejava tanto João Francisco que após ler a mensagem iniciou a maratona de
cuidados com o corpo, começando pelos cabelos; hidratação, banho de creme
exclusivo para brilho intenso, escolha
de uma nova cor, uma aparada básica para tirar as pontas abertas e ressecadas,
depilação, sobrancelhas e claro, não
esquecia uma dia sequer dos cuidados diários:
limpar, tonificar, hidratar:
rosto, mãos e pés. Se João
Francisco sonhava com intensas noites de Bagdá, Rosalina não poderia
decepcioná-lo, tinha que pensar em cinco
momentos diferentes que fugissem dos fetiches
relacionado ao imaginário popular e largamente difundido pela literatura
e apresentado como desejáveis pela mídia:
cores vermelhas e pretas, cintas ligas, espartilhos entre outros. Bem mais do que uso variados de acessórios, a ocasião
exigiria uma postura diferente concluiu Rosalina, já que João Francisco sonhava
com cinco noites de Bagdá, em sua
imaginação ela o viu como um sultão e seu harém com mais de cem mulheres
de diferentes culturas. Cada noite com uma.
Depois de muito pensar a ideia veio, claro que ela teria inúmeros
obstáculos para ser realizada, mas daria o melhor de si, com intensidade, amor e
carinho e no final do encontro, sonhava
que João Francisco estivesse realizado
plenamente, sentindo-se o homem mais amado e desejado de todos os tempos.
A primeira noite teria que
ser surpreendente, bem diferente da sua cultura e do passado dos dois.
Rosalina inspirou-se na tradição das gueixas japonesas, e comprou um quimono de
cetim, estampado com gueixas e flores de cerejeiras, usaria
batom e sapatos vermelhos, cabelo
preso e finalizaria a produção com perfume do Brasil, com notas de
breu branco para o toque amadeirado e de cumaru para o toque adocicado. Em momentos especiais a produção ajuda a estimular o
sentido da visão, olfato e tato, porém, a ocasião exigiria mais: comportamento
compatível com a fonte inspiradora. Assim, acontecesse o que acontecesse,
Rosalina não desceria do salto, pois as gueixas são mulheres cultas, delicadas e treinadas para serem companhias agradáveis, ouvir confidências, guardar segredos, entre
outras tarefas que não incluem obrigatoriamente a prática sexual, cabendo a
gueixa a opção de manter relações íntimas.
Nesta primeira noite de encontro, Rosalina decidira que seria uma companhia adorável e
se João Francisco a desejasse, se entregaria a ele com muito amor e carinho,
uma noite sem reclamações, cobranças,
desentendimentos, ela tinha uma meta:
fazê-lo feliz!
Depois de uma noite agradável, sem reservas à
moda oriental, Rosalina pensou em surpreendê-lo como uma mulher recatada do século XIX quando
o marido jamais podia ver o corpo da esposa e a ela não era permitido demonstrar desejo e prazer sexual, a penumbra e escuridão seria
o clima ideal, sendo obrigada a satisfazer o desejo do parceiro se entregaria a
ele com muita reserva e recato e com a tradicional obediências que deviam aos parceiros. Eram mulheres objetos, sem vontades, educadas
para cumprirem deveres, cuidar
da casa e satisfazerem os desejos sexuais dos maridos sempre que o desejassem
segundo a vontade deles, e principalmente, gerar filhos, e filhos homens de
preferências. Difícil
comportamento, mas por João
Francisco, valeria a pena!
E a terceira noite que surpresa
prepararia para ele? Já esteve com uma mulher treinada para ser doce e
agradável, uma mulher objeto que apenas
cumpre deveres impostos pela cultura.
Era hora de Rosalina se mostrar na sua essência mulher de sentimentos
intensos que se preocupava em dar e ter
prazer, estimulando os cincos sentidos,
demoradamente, carinhosamente, sem
pressa pois a carícia devolve a
confiança, pele tocando pele com cuidado amoroso..... Rosalina abominava o sexo
mecânico, comercial, exibicionista em que os parceiros se preocupam mais com as
técnicas aprendidas em revistas,
filmes e
vários orgasmos no menor tempo
possível. Na concepção dela, o ato sexual é sagrado, é o encontro das energias
masculinas e femininas é o momento de acender a energia vital com longas e
tranquilas preliminares despertando tanto para o prazer carnal como para a consciência e juntos encontrarem o
caminho do êxtase.
A quarta noite exigiria
uma mudança radical. Assim
Rosalina optou pela mulher dominadora e egoísta que trata o parceiro como
um objeto de seu prazer, estava ciente
do risco que correria, já que a
personalidade de João Francisco é de macho
dominador, manipulador e egoísta que não enxerga as necessidades da parceira
mas, se ele correspondesse as suas expectativas com certeza, no final da
noite, seguindo a tradição das amazonas lhe daria o muiraquitã.
Após uma noite de amor selvagem, independente se resultado positivo ou
negativo, Rosalina decidiu surpreender João
Francisco com uma última noite marcada pelas tradições culturais dos povos nativos do
Brasil o que exigiu uma árdua pesquisa dos costumes sexuais dos índios. A primeira providência seria uma
depilação à moda indígena, banho sem sabonete e claro, esperaria pelo
amado usando somente colores e brincos
da étnicos Na cultura indígena os papéis
são bem definidos, homem faz o que é tarefa de homem e mulher apenas as tarefas destinadas tradicionalmente
as mulheres, e não há tabus sexuais, porém eles não tem hábito de beijos na boca e carícias
preliminares tradicionais da cultura européia.
Para Rosalina que aprecia longos e demorados beijos seria difícil aparecer
nua na frente de João Francisco sem se jogar em seus braços e cobri-lo
de selinhos. Ela estava decidida, manteria a postura tribal de respeito ao homem e cederia docemente, aos avanços de João Francisco.
Decisão tomada foi arrumar a mala, o
que é um trabalho árduo quando se quer agradar um homem, já que incluía uma
produção por noite, fora a que ela teria
que levar para o dia já que seus compromissos seriam desvinculados
das noites de BAGDÁ. Fora as produções,
toda mulher apaixonada carrega o kit de
cuidados diários: Creme para a área dos olhos, rosto, pés, mãos, diurnos e
noturnos, óleos perfumados para
massagem, perfumes, desodorantes,
sabonetes, xampus, condicionadores, e adereços para os cabelos. Com uma mala
muito pesada, Rosalina seguiu em uma
longa viagem embalada pelo sonho de amar e ser amada, porém, ficou sozinha no
hotel, João Francisco não apareceu uma noite sequer.
Se
Rosalina fosse uma feminista
radical, diante de uma desfeita desta, por solidariedade feminina,
convocaria uma reunião com as companheiras
de luta e traçariam um plano de ação para puni-lo severamente pelo
desprezo.
Se Rosalina fosse uma mulher
romântica, choraria lágrimas de sangue, telefonaria para todas as amigas e
familiares, pediria colo, juraria mil vezes nunca mais amar um homem e claro,
terminaria no divã do analista.
Se Rosalina fosse uma mulher frágil e insegura,
lamentaria muito, se culparia pelo que
aconteceu, se sentiria a última das mulheres, tentaria suicídio ou terminaria
seus dias com tarja preta.
Se Rosalina fosse uma mulher
vingativa, convocaria as amigas malvadas, revoltadas e mal amadas para lhe ajudar na sua vingança que tornaria
a vida de João Francisco e seus familiares em um inferno.
Se Rosalina fosse uma mulher de autoestima bem baixa, ingenuamente se
entregaria aos amigos e conhecidos de João
Francisco, como a lhe dizer que ele não a quis, mas outros a quiseram e
assim lentamente secaria seu coração e
sua dignidade.
Se Rosalina fosse uma
naturalista, mudaria radicalmente sua
dieta, selecionando apenas alimentos que melhoram o humor.
Se Rosalina fosse apenas uma mulher
moderna, para esquecer o episódio
humilhante dedicaria de maneira extrema
ao trabalho.
Se Rosalina fosse filhinha mimada do
papai, mamãe e irmãos, com certeza, o destino de João Francisco seria trágico.
Se Rosalina fosse uma mulher com
cabeça do século XIX, com certeza se tornaria uma compradora compulsiva,
comedora compulsiva, chocólotra ou coisas parecidas e até piores.
Se
Rosalina fosse uma mulher fraca espiritualmente enveredaria pelo caminho
do fanatismo religioso.
Rosalina se preparou com esmero e
carinho para o encontro, se sentiu
uma mendiga de afeto, carinho, colo, atenção, mas não seguiria por estas trilhas porque era uma mulher diferente!
Após ser desprezada de maneira tão humilhante que caminho
Rosalina irá seguir?