domingo, 14 de fevereiro de 2021

A laranja

               E é carnaval! Não como o povo brasileiro está acostumado, com folia   em lugares inimagináveis, os tradicionais blocos de  rua, os bailes nos clubes e os tão esperados desfiles das escolas de samba . Nada disso aconteceu porque o mundo vive uma pandemia, mas, quem não tem amor a própria vida, e   menos ainda, a do próximo, se esbaldam em festas clandestinas e os que não podem pagar por este luxo, compram bebidas no  supermercado, convidam o amigo proprietário de um veículo, com  um som potente, e sem o uso da máscara, se  aglomeram nas ruas. Bebem, gritam e terminam sendo abordados por policiais, a pedidos da vizinhança incomodados com a altura do som. Mas também  há aqueles, que sabem  que para o bem comum, o melhor a fazer é seguir as orientações das autoridades sanitárias e seguem  a rotina normal, com os devidos cuidados.

            Triste por  não  poder cair na folia, mas consciente  que é  melhor perder um carnaval na vida, do que a vida no carnaval, a jovem  neta vai à feira para a sua avô, uma simpatia senhora centenária, que não pode se expor ao coronavírus e também, pela fragilidade inerente à idade não consegue mais desfrutar do prazer que é fazer feira aos sábados pela manhã, um verdadeiro espetáculo de cores, cheiros, sons e sabores.

            Na banca de laranja, que nesta semana estava R$1,00  a mais que na semana anterior, a jovem não pechinchou porque a qualidade também estava superior, ela escolhia as melhores frutas quando foi abordada por uma criança, que meio tímida, pediu uma moedinha para  completar o que já tinha para comprar uma laranja. O menino, que aparentava uns oito ou  nove anos, estava envergonhado  e ela pensou que ele quisesse  o dinheiro para comprar as guloseimas  preferidas da faixa etária ou que por trás dele, estivesse um adulto ávido por dinheiro para satisfazer o seu vício, que poderia ser cigarro, bebida ou droga, assim, ela optou por não dar o dinheiro e sim, a  própria fruta.  Avisou o feirante que daria a laranja a criança, e que levaria para casa, uma dúzia, menos uma. Assim que entregou a fruta ao menino, este se  aproximou do feirante e pediu que ele a dividisse em duas partes iguais,  uma para ele e outra para o irmãozinho. Neste instante, ela percebeu que o garoto estava acompanhado por um garotinho de uns cinco anos. Quando a jovem entregou ao feirante, a bacia com as 11 frutas, ele recontou, colocou-as no saquinho e pegou mais uma da banca  e disse, “eu também vou lhe dar uma.” A garota agradeceu a gentileza e foi embora ciente que o desejo dele era ajudar as crianças, mas quem trabalha no comércio sabe que se  um pedinte ganha algo de um estabelecimento, repassa a informação aos colegas de martírio e em poucos minutos, uma fila sem fim de  pedintes se forma.                

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Visitante indesejado

            Era um dia qualquer de março de 2020, Rosalina estava feliz com a possibilidade de comemorar  seu octogésimo  aniversário natalício  com as amigas em alguma pizzaria, mas foi surpreendida pelo  firme  pronunciamento do governador no qual dizia que era para os idosos ficarem em casa e sem receber visitas, lavar as mãos e usar álcool em gel e que os familiares  jovens deixassem as compras na   porta. Tendo como companhia  o rádio, o televisor e o medo do que estava por vir, ela dedicou-se a ouvir o noticiário e como é sabido, coube a imprensa a incumbência de  aumentar o grau de pavor a que estavam submetidos ao alertá-los insistentemente, sob o risco do coronavírus adentrar aos lares pelas embalagens das compras, pelo ar, pelos calçados e para completar o cenário de terror, o Ministro da Saúde  deu várias entrevistas às emissoras   recomendando o uso de máscaras e a importância do distanciamento social.
            Algumas emissoras de rádio alteraram a programação  para manter a população atualizada e enfatizavam  o número de mortos, e que a grande maioria eram de pessoas “idosas,” e que estas também ocupavam a maioria dos leitos  nas Unidades de Terapias Intensivas e necessitavam de respiradores. Entrevistavam especialistas que não poupavam esforços para alamar a população sobre o perigo eminente, “ o inimigo  invisível  está em todos os lugares,”  alertavam.  O cenário de guerra ficou ainda mais tenso quando começou a ser veiculado as polêmicas sobre a eficácia dos medicamentos, dos respiradores e que a politização da pandemia da Covid-19  já havia  se tornado fato. Com a chegada do inverno, o que já estava ruim ficou pior porque é sabido que as doenças respiratórias apreciam  climas amenos e noticias falsas  sobre um possível aumento do número de morte circulavam nas redes sociais e conversar ficou impossível, sempre o mesmo assunto, o Coronavírus; A proibição de velório suscitou uma dúvida  na população de risco: O que é pior, não poder  ter ao lado de  seu caixão, filhos, netos, bisnetos e algum amigo de infância que ainda não partiu ou ser lembrando  pelos descendentes como o parente  que morreu  vítima da Covid-19?
Com receio de viajar para a “Terra dos Pés” juntos, bem antes do esperado, Rosalina seguia a risca todas as orientações dos profissionais de saúde entrevistados e quase teve uma crise de pânico  quando a Agente de Saúde telefonou avisando que a sua consulta de rotina, no Posto de Saúde, estava cancelada porque somente atenderiam casos suspeitos de Covid-19. Apavorada por vislumbrar 
a impossibilidade de atendimento pelo SUS, para curar as mazelas da idade, limpava afoitamente as  compras, a casa e acabou desenvolvendo Transtorno Obsessivo Compulsivo.