segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O caso dos sapatos



           Não há como duvidar que a vida do  assalariado no Brasil é dura!  As mulheres são as que mais sofrem com  a sedução da propaganda  que estimula o consumo compulsivo de coisas que apenas irá ocupar espaço  nos armários e  também, provoca longas noites de insônias, preocupadas com as faturas do cartão de crédito.   Algumas privilegiadas,  dotadas de um raro senso de equilíbrio financeiro, criam estratégias simples para    resistir aos apelos, como não sair de casa com  o cartão  de crédito, comprovante de endereço e  documento  original porque assim não conseguem efetuar a compra e também,  de precavidas, dinheiro somente para os gastos básicos, como transportes e lanches.
          Usar  roupas e sapatos  centenas de vezes é  um martírio para muitas mulheres e, na impossibilidade do tradicional “banho de loja”, guardam  o orgulho no fundo do baú, percorrem brechós,   aceitam de bom grado, doações de seminovos ou  já bem surrados, uma customização  básica e  um brilho no olhar de satisfação ao desfilar o novo look. Analice,   que  sempre andou de mãos dadas com  a carestia,  ao visitar uma amiga estrangeira, que lhe devia inúmeros favores, encontrou-a perdida entre  sacolas e caixas  e uma ponta de esperança surgiu em seu coração, quando esta disse alto e em  bom tom que tinha  muitos sapatos e iria jogar fora a metade, para desocupar espaço. Como ambas calçam  o mesmo número, Analice  disse: - Não faça isso, dê-me, estou precisando muito, tempo apenas um par de tênis e nenhuma sandália de verão.   
          Ficou sem ação  com a rápida e surpreendente  resposta: -   Eu não vou  lhe dar, são sapatos caros!    Chocada com a resposta da  amiga, mudou de assunto e ao retornar ao lar, caminhou lentamente pela orla da praia refletindo sobre a atitude da amiga que prefere jogar no lixo, sapatos em boas condições de uso do que lhe dar. Será  que em seu país de origem, não é costume doar coisas usadas e  trata-se   apenas de uma  diferença  cultural ou solidariedade não é uma de suas qualidades? Como  não se sentir  humilhada, não mereço sequer o que ela vai jogar no lixo, suspirou tristemente, ao abrir a porta de sua modesta casa.


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Cedo entardecer


            É  bastante comum pessoas  sozinhas,  ao aposentar,  transferirem sua base residencial para uma cidade  litorânea, onde há um lazer  gratuito e saudável garantido:  a orla da praia, e também, a esperança de encontrar um  turista que ponha fim em  sua solidão crônica, mas, quem faz opção para o litoral sul de São Paulo,  logo tem sua expectativa de 365 dias anuais de alegria frustrada porque  frio e chuva mansa e contínua é uma característica da região e há quem diga que a culpa é da Serra do Mar.  Com o aguaceiro, os turistas desaparecem com a velocidade das rajadas de ventos sulinos, às pessoas de bem se trancam em casa e os meliantes saem às ruas  com a ideia fixa de atacar a primeira pessoa que cruzar o seu caminho e sem a menor compaixão.

            O dia  19 de agosto de 2019 amanheceu chuvoso e parecia ser apenas mais um dia  em que toda a população do litoral sul paulista, estaria destinada a permanecer em  seus pequenos apartamentos e bem aconchegadas em suas camas, agarradas ao celular, lendo e enviando mensagem pelo whatsApp, porém, lá pelas 14 horas,  um fenômeno atípico: nuvens  escuras, baixas e profundas  cobriram o céu, o dia parecia noite e a população aguardava ansiosa   que os meios de comunicações tradicionais explicassem o   fato curioso com receio de face news  tão comuns em situações inusitadas, quando  todos os leigos do planeta, acreditam serem especialistas e  postam  todos os absurdos possíveis.

          A  explicação veio algumas horas depois do entardecer  repentino e  houve divergências entre especialistas. Um meteorologista afirmou que foi  a combinação de nuvens baixas e carregas com fumaças de queimadas e incêndios  ocorridas  nos  estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e também da Bolívia, que foram trazidas pelos ventos, já um outro profissional afirmou que foi apenas um fenômeno da natureza. Difícil  é saber quem é o detentor da  informação precisa desta tarde inusitada, mas a verdade indiscutível é que  as praias  permanecerem vazias e os moradores abraçados aos seus travesseiros almejando um dia de sol.


terça-feira, 13 de agosto de 2019

Mandrião: uma tradição que se perdeu



          É comum no idioma português uma palavra ter vários significados. Mandrião é uma delas. É alcunha  da ave marinha migratória “moleiro” da  família Stercorariidae e também já foi bastante usada para adjetivar   aquelas  pessoas  que não estudavam  nem  trabalhavam por  mera preguiça. Curiosamente, também recebe o nome, a veste tradicional do primeiro  dos sete sacramentos católicos: O  batismo. Ritual, no qual o recém-nascido deixa de ser pagão para se tornar um filho de Deus, um membro de sua igreja. O  primeiro vestido branco, longo e unissex, antigamente,  era  oferecido ao afilhado pelos padrinhos,  e  todos seguiam o costume de passá-lo  de  geração a geração. A família real britânica ainda mantém esta tradição. O modelo criado em 1841, para a  primogênita da rainha imperatriz Vitória foi usado  por 60 bebês reais. O último a desfrutar deste luxo foi Louise Windsor, filha do príncipe Edward, em 2004. Já desgastado pelos anos, está cuidadosamente preservado e foi feito uma réplica  para ser usados pelas crianças  cujo direito lhes é garantido pela tradição. Sem  delicadas rendas e caros cetins, Rosalina também ganhou um mandrião branco de seus  padrinhos, e o mantém em um lugar  seguro, mas, como não foi agraciada por Deus com a  benção da  maternidade, já se preocupa com o destino que ele terá após a sua partida definitiva, porque é uma peça impregnada de tradição e afeto e não merece ser jogado em um lixo qualquer.
          Uns  cinco anos antes do nascimento de Rosalina, aqueles que viriam a ser seus padrinhos, o casal Maldonado, foram agraciados por Deus com  uma filha a quem chamaram de  Beatriz de São José, uma homenagem à  avó materna Beatriz e ao  avô paterno o Senhor José, e  não se sabe bem porque, quando a chamavam o seu nome se estendia um pouco: Beatriz de São José, linda, educada e amorosa. Durante o pouco tempo que viveu com os seus genitores,  proporcionou-lhes, imensas alegrias, mas se foi, vítima de uma doença viral e a felicidade plena deu lugar a uma imensa tristeza que preocupava todos os parentes. Quando  Arlete, prima da Senhora Maldonado deu à luz à menina Rosalina,  ela e o esposo,  convidaram o casal Maldonado para batizar a sua primogênita, por acreditar que a responsabilidade moral  de  batizar uma criança, ocuparia um pouco  o coração da mãe órfã  aliviando assim, a dor da partida prematura de sua filha amada. Em um passado  não muito distante, batizar uma criança era uma  grande responsabilidade. Cabia aos padrinhos, na falta  dos pais,  garantir que o afilhado trilhasse os caminhos da igreja, da moral e bons costumes e o  seu sustento até  aos 21 anos de idade, quando ele já teria condições de ingressar no  mercado de trabalho e labutar a sua sobrevivência.
          Com o coração repleto de generosidade, os pais da  pequena Rosalina empreenderam uma viagem  de 55 quilômetros, a  cavalo, em  pleno inverno até a cidade dos onde residia os futuros padrinhos. O grupo era composto de três  montarias; em um veloz  alazão seguia o patriarca da família, atento aos movimentos do mato, um animal selvagem, uma cobra peçonhenta, um desconhecido mal intencionado, proteger as mulheres e o bebê era o seu dever. Um pouco atrás, em dois cavalos,  manga larga marchador, seguiam a mãe e a cunhada, que se revezavam com o bebê, para o descanso dos braços e por esta gentileza, durante toda a sua vida,  esta  mulher generosa, foi chamada de madrinha, uma forma de agradecer os cuidados durante a difícil jornada rumo ao  sagrado ritual do batismo.
Ao entardecer, exausto e empoeirados, foram recebidos com alegria e a pequena recebeu de presente, para usar na cerimônia batismal um simples e delicado mandrião branco, que sua mãe, carinhosamente o guardou até próximo  à sua morte, quando o entregou à  filha, para que se um dia,  fosse mãe,  que  os seus netos o usassem. Eles  nunca chegaram, mas a veste branca continua guardada. Para Rosalina, ela representa  o carinho de seus padrinhos que lhe proporcionou a oportunidade de perpetuar uma tradição, o amor e cuidado  de sua mãe por conservá-lo  e contar-lhe a  sua história, a solidariedade com a cunhada órfã de filha, a proteção paterna na exaustiva viagem, o pertencimento a uma família e a uma fé e gratidão a Deus por ter nascido  no seio de uma família católica apostólica romana.




quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Boas maneiras


Após a morte da mãe é que as filhas costumar colocar em prática os ensinamentos maternos, repetido durante anos, às vezes, com a serenidade  do murmúrio de um riacho e outras, com a  fúria de um vulcão em  sua mais violenta erupção e  com  uma ponta de saudade   procuram transferir à nova geração os costumes tradicionais de boas maneiras e elegância.
Desde tempos imemoriais que o ser humano utiliza-se de rituais para celebrar os acontecimentos diários e marcantes da vida. Uma boa caça,  o ciclo das estações e os vida, do nascimento à morte, tudo é ritualizado, o que dá um colorido especial à vida, que não pode ser vivida sem a labuta diária para sobreviver e evoluir. Antigamente, tudo com elegância.
A indumentária é uma parte importante para  enriquecer os rituais. Estudantes e funcionários usam uniformes, juízes usam togas,  militares fardas, médicos jaleco; Vestimenta e linguagem condizente com a posição, mas todos, quando não estão trabalhando tem a roupa do batente diário e as de festejar. Mas muitas vezes, pessoas,vestidas com roupas caras, assinadas por grandes estilistas, dizem coisas deselegantes que ofendem e ferem, sem a menor preocupação com o sentimento alheio. 
Com a explosão das redes sociais, a elegância, arduamente ensinada pela mãe, desapareceu como que por magia; quando a criatura  está conectada, e acredita que, por possuir um celular e pagar uma internet ela pode dizer todos os impropérios, frases soltas, descontextualizadas e  dane-se os sentimentos dos ofendidos; a violência e a mediocridade ganham espaço  a cada minuto  e a elegância  despenca  em uma ribanceira.



segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Moradores de rua


O inverno chegou! Somente  alguns segmentos da sociedade ficarão felizes, como a indústria  da moda que assim que a temperatura começa a baixar, retiram do depósito as sobras do ano anterior e  para limpar estoque velho, fazem promoções com o objetivo de abrir espaço para as novas coleções, e claro, aumentar os lucros sempre. Fabricantes de aquecedores, cobertores também comemoram o  aumento das vendas. Porém, a maioria da população deseja o fim da estação  porque o corpo pede uma alimentação mais pesada e quente, mais agasalhos. As despesas aumentam e não existe   um salário extra de inverno, a única alternativa  é se virar com o que tem e  acostumar-se com os lamentos do estomago a pedir sempre mais alimento a movimentar o corpo na tentativa de aquecer-se.
          Os moradores de rua sofrem mais com a ferocidade do inverno. Deitados  nas calçadas, com os seus fiéis cachorros, alguns privilegiados possuem colchões, outros apenas ralos cobertores e há aqueles que somente dispõem de papelões para  os proteger do frio do cimento e das impiedosas rajadas de ventos do sul. Nesta situação, o alimento não é  prioridade, mas o calor do sol, mal ele aponta no horizonte, recolhem seus pertences e ficam parados, recebendo os gêneros raios solares, como se fossem  carinhos de  mãe. Com os ossos já aquecidos, começam  uma nova luta, a de procurar alimento. A refeição matinal depende da caridade alheia e do desperdício das pessoas, e revirar os lixos é preciso para  matar a fome e nesta triste caminhada, se expõe ao  sol, na vã tentativa de reter, no corpo, o calor do astro  rei para conseguirem  sobreviver às madrugadas geladas.
          Observar   a miséria alheia para algumas pessoas é  um momento de agradecimento a Deus pelo trabalho, saúde, moradia, família, amigos, já para outros,  é uma oportunidade  para exercer  um dos preceitos bíblicos,  “caridade” de ajuda aos pobres, seja com um pedaço de pão, agasalho, orientação  ou palavras de  conforto e para outros grupos, são apenas um  empecilho em seu caminho.  É difícil saber  como um ser humano chega  a perder tudo e viver como um cachorro sem dono pelas ruas, sentir suas dores, mais ainda, mas com vontade política e cooperação dos munícipes é possível melhorar  a condição de vida destes filhos de Deus, tão necessidades. Sejam quais foram seus erros, eles merecem uma chance para resgatar a sua humanidade.