Na casa ao lado um adolescente estuda uma lição de violão, percebe-se que ele é um iniciante desprovido de talento e o que realmente se ouve é um monótono “ quem que pão, quem que pão”. De longe, há também o som desagradável do carro dos ovos que desvaloriza o produto das galinhas, já que uma bandeja com trinta unidades custa apenas quinze reais. Rapidamente automóvel é cercado por donas de casa a tagarelar e não se pode mais conversar dentro de casa e quando finalmente, o adolescentes se cansa e a venda termina, soa a campainha, Testemunhas de Jeová oferecem uma vida terrena de felicidade plena somente àqueles que aceitarem Jesus em seu coração e após o Juízo Final, uma vida de gloria no Paraíso Celestial.
Ora, ninguém precisa de tanta
felicidade, e sem o sofrimento e as privações inerentes à vida não há a consciência dos bons
momentos, e quanto as delícias do paraíso judaico/cristão, sempre paira uma dúvida:
E os povos que vieram antes dos
patriarcas Noé, Abraão e Moisés
não serão agraciados com dádivas celestiais?
Mimi, a
pequinina gatinha, anda agitada
pela casa miando sem parar, não se sabe se de fome, saudade de algum bichano
que conheceu nos telhados vizinhos ou apenas incomodada com a barulheira
externa e das vozes do exército de Jeová
que se entusiasmam com a pregação e elevam o tom. Se ela tivesse o dom da fala, contaria coisas
interessantes segundo a visão partir
de uma felina acostumada com a vida
urbana, sem no entanto, ter perdido o seu instinto selvagem.
Com
a partida dos evangélicos, o distanciamento do carro dos ovos e a pausa nas
aulas de música, o silêncio impera e até a gata mimi para de miar e opta por repousar preguiçosamente e tomar o
um banho de sol na janela. Dentro
das casas, a vida segue o ritmo natural dos domingos ensolarados. Alguns
almejando um “bate e volta” a praia,
outros sonhando em levar as crianças ao
parque Ibirapuera, contam o dinheiro e aí, percebem que a única alternativa é
ficar em casa assistindo televisão.
Reclamar da programação da TV aberta é uma prática
de quase 100% da população brasileira, porém, quem mora em residências
pequenas, ela é mais que um entretenimento, é
o terapeuta familiar. Familiares aglomerando por longas horas, sem
dinheiro para desfrutar de um merecido lazer, o assunto acaba e sem poder
desfrutar dos prazeres de uma mesa farta, deixar-se anestesiar pela programação
da televisão, a única opção que resta as pessoas de baixa renda e a monotonia dos domingos é quebrada pelos
vendedores de rua e sons dos vizinhos
que sonham com o estrelado no universo musical.