O dia amanheceu frio, porém, ensolarado. É hora de
iniciar a rotina dos trabalhos domésticos, sempre os mesmos, muda-se apenas a
intensidade, os produtos de limpeza, os
ingredientes das refeições, presença constante, somente do tradicional arroz
com feijão. Mais um dia em quarenta e
sozinha, sem ter com quem conversar, se a campainha tocar, a chatice de ter que colocar máscara, passar álcool
gel nas mãos, abrir a porta e dar dois
passos para trás e perguntar: - em posso
ajudar? Visita de uma pessoa amiga, não
será possível, em meio a uma pandemia, esta tradição não é recomendada.
E com todo o avanço da tecnologia telefônica, conversas ao telefone são praticamente inexistentes, a moda agora é o envio das insuportáveis figurinhas e mensagens repetitivas e as terríveis fake news e assim, a única
companhia certeira é a solidão. Após 115 dias de isolamento social, tudo o que
mais desejo é companhia para falar das coisas simples da vida, dos filmes, das últimas
cenas da novela As aventuras de Poliana, dos altos preços nos supermercados,
dos planos para quando tudo isto passar. Como milhares de idosos pelo país,
estou terrivelmente só.
Quando se é
jovem, cheio de energia e com milhões de
ideias a fervilhar na cabeça e o fogo
abrasador das primeiras paixões a queimar o coração, as vezes ficar sozinho no
quarto, olhando o teto, distante dos gritos dos
pais sempre a lhe dar uma tarefa
para ser executada com rapidez, o
isolamento é confortante, mas para quem
já viveu todas as fantasias da infância, os arroubos da juventude, as
responsabilidades da maturidade e agora pena com as mazelas da velhice, definitivamente, a solidão não é a melhor
companhia porque com ela veem as lembranças dos momentos bons que fazem brotam
lágrimas de felicidade nos olhos, porém, não é possível ter controle absoluto
sobre as recordações e impedir que aflorem
os arrependimentos dos erros passados, e com o distanciamento, a luz
sobre a demanda do passado
aponta a solução ideal, mas o
tempo não volta e nada mais pode ser
feito e o coração sangra e a dor parece não ter fim. Definitivamente, o melhor é
estar em companhia de outras pessoas, mas o país está em quarentena! A
tristeza que sinto é tamanha que assim
que tudo isso passar, serei capaz até de aceitar convites para tomar uma cerveja em um boteco em qualquer esquina,
com música alta e tira gosto, apenas salgados gordurosos
e torresmo. Eu não aprecio este tipo de lazer, mas se esta for a única
oportunidade de estar entre as pessoas jogando conversa fora e rindo de piadas
sem graças, aceitarei com alegria e
gratidão. Sou latina americana, preciso do contato direto com o outro para ser
completamente feliz, ainda não aderi
a nova moda de ter um pet e tratá-lo
como um ser humano, uma pessoa da família
e assim, abrandar a solidão e camuflar a dificuldade de relacionar com as
pessoas. Tenho espírito livre, sempre amei a liberdade e privar qualquer ser
vivo de viver em seu habitat, seguindo o seu instinto
natural parte o meu coração.
Para usufruir de todas
as facilidades das tecnologias é
preciso dinheiro, e neste momento de incerteza
com a pandemia, insegurança jurídica
e tantos outros desmandos na política, cortar gastos faz-se necessário e canais
pagos é um luxo para poucos, mas quem pode usufruir somente do conteúdo gratuito disponível na internet precisa de muita paciência e persistência para garimpar no
Youtube bons filmes, eu assisti um que recomendo: “Vá para a luz”. Baseado em
fatos reais, o filme conta a história de
um jovem casal que com amor e sensibilidade auxiliaram o seu primogênito fazer a
passagem vida/morte com serenidade. É um
filme lindo!
Neste isolamento social, meu único lazer é
oriundo da internet, razão pela qual sou
profundamente grata a todos aqueles que
trabalham criando conteúdo e meios para que um pouco de arte chegue até as
populações desprovidas de
recursos para usufruir ao vivo de apresentações de teatro, dança, shows, se bem
que a pandemia, em termos de lazer,
retirou a possibilidade de apreciar
um bom espetáculo até dos milionários, simplesmente porque não há apresentações.
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