sexta-feira, 10 de julho de 2020

Diário da quarentena - 115ª dia

                                  O dia amanheceu frio, porém, ensolarado. É hora de iniciar a rotina dos trabalhos domésticos, sempre os mesmos, muda-se apenas a intensidade, os produtos de  limpeza, os ingredientes das refeições, presença constante, somente do tradicional arroz com feijão. Mais  um dia em quarenta e sozinha, sem ter com quem conversar, se a campainha tocar,  a chatice de ter que colocar máscara, passar álcool gel nas  mãos, abrir a porta e dar dois passos para trás e perguntar: - em posso  ajudar? Visita de uma pessoa amiga, não  será possível, em meio a uma pandemia, esta tradição não é recomendada. E com todo o avanço da tecnologia telefônica, conversas ao telefone  são praticamente inexistentes, a moda agora é  o envio das insuportáveis figurinhas  e mensagens repetitivas e  as terríveis fake news e assim, a única companhia certeira é a solidão. Após 115 dias de isolamento social, tudo o que mais desejo é companhia para falar das coisas simples da vida, dos filmes, das últimas cenas da novela As aventuras de Poliana, dos altos preços nos supermercados, dos planos para quando tudo isto passar. Como milhares de idosos pelo país, estou terrivelmente só.
            Quando se  é jovem,  cheio de energia e com milhões de ideias a fervilhar na cabeça e  o fogo abrasador das primeiras paixões a queimar o coração, as vezes ficar sozinho no quarto, olhando o teto, distante dos gritos dos  pais sempre a lhe dar  uma tarefa para ser executada com rapidez,  o isolamento é confortante, mas para quem  já viveu todas as fantasias da infância, os arroubos da juventude, as responsabilidades da maturidade e agora pena com as mazelas da velhice,  definitivamente, a solidão não é a melhor companhia porque com ela veem as lembranças dos momentos bons que fazem brotam lágrimas de felicidade nos olhos, porém, não é possível ter controle absoluto sobre as recordações  e impedir que  aflorem  os arrependimentos dos erros passados, e com o distanciamento,  a luz  sobre a demanda do passado  aponta  a solução ideal, mas o tempo não volta e nada mais   pode ser feito e o coração sangra e a dor parece não ter fim. Definitivamente, o melhor é estar em companhia de outras pessoas, mas o país está em quarentena!   A tristeza que sinto é tamanha  que assim que tudo isso passar, serei capaz até de aceitar convites para tomar  uma cerveja em um boteco em qualquer esquina, com  música  alta e tira gosto, apenas salgados gordurosos e torresmo. Eu não aprecio este tipo de lazer, mas se esta for a única oportunidade de estar entre as pessoas jogando conversa fora e rindo de piadas sem graças,  aceitarei  com alegria e  gratidão. Sou latina americana, preciso do contato direto com o outro  para ser  completamente feliz, ainda não aderi  a nova moda de  ter um pet e tratá-lo como um ser  humano, uma pessoa da família e assim, abrandar a solidão e camuflar a dificuldade de relacionar com as pessoas. Tenho espírito livre, sempre amei a liberdade e privar qualquer ser vivo de  viver  em seu habitat, seguindo o seu instinto natural parte o meu coração.
            Para usufruir de todas  as facilidades das tecnologias  é preciso dinheiro, e neste momento de incerteza  com a pandemia,  insegurança jurídica e tantos outros desmandos na política, cortar gastos faz-se necessário e canais pagos é um luxo para poucos, mas quem pode usufruir somente  do conteúdo gratuito  disponível na internet precisa de muita  paciência e persistência para garimpar no Youtube bons filmes, eu assisti um que recomendo: “Vá para a luz”. Baseado em fatos reais, o filme conta a história de  um jovem casal que com amor e sensibilidade   auxiliaram o seu primogênito fazer a passagem vida/morte com serenidade.  É um filme lindo!
 Neste isolamento social, meu único lazer é oriundo da  internet, razão pela qual sou profundamente grata a todos aqueles que  trabalham criando conteúdo e meios para que um pouco de arte  chegue até as  populações  desprovidas de recursos para usufruir  ao vivo de  apresentações de teatro, dança, shows, se bem que a pandemia, em termos de lazer,  retirou  a possibilidade de  apreciar  um bom espetáculo até dos milionários, simplesmente  porque não há apresentações.

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