domingo, 5 de julho de 2020

Diário da quarentena -110º

                                                      Vou morrer? É a pergunta que está  em minha mente e  de todos os idosos e das pessoas com comorbidades.  O sofrimento maior é daquelas que moram sozinhas e já não tem mais coragem de telefonar para amigas, demonstrando uma preocupação, quando  no fundo, o que querem é ser lembradas. Tenho medo de perecer sozinha e somente ser enterradas quando  o cheiro  incomodar os vizinhos não  me parece ser uma boa opção de despedida da vida. A quarenta fez aflorar um sentimento que  há muito estava escondido  em algum recôndito do meu coração: o medo da solidão. O isolamento social tem  me distanciado das pessoas de minhas relações, já que com a família, as relações   afetivas já se perderam nas brumas do tempo e eu admito que estou só, até o namorado  deixou de telefonar e somente envia as insuportáveis figurinhas repetidas, em média, duas vezes por semana.
            Tarde demais compreendi que o homem é um ser grupal e que a ilusão de fugir  isolar-se  da família e da comunidade  em busca da felicidade e da paz interior  é  o caminho seguro e curto para a convivência diária com a solidão  que nunca chega sozinha, normalmente,  anda  acompanhada da tristeza e do arrependimento. Os laços de afetos sólidos são os familiares e depois aqueles formandos na infância e adolescência. Com o passar dos anos, a competição no mercado de trabalho, aprende-se a conviver por necessidade da manutenção do emprego e os novos laços de amizades  estão pautados na  necessidade de formar-se uma boa rede de contados para uma  indicação em vagas de empregos, mas a aposentadoria chega.
            Nesta quarentena,  com tanto tempo ocioso,  percebi que, o que mais falta me faz, é tudo aquilo que um dia eu fugi: a algazarra de  uma grande família, com o pai sempre a lembrar que ele não era Banco do Brasil e que dinheiro não  é capim que nasce em qualquer lugar. Os gritos da mãe sempre a reclamar da bagunça da casa e da falta de cooperação de todos. Que falta faz as brigas entre irmãos e primos, sempre havia uma desavença, por um pedaço maior do bolo, por ter arrancado o cobertor da outra durante a noite, as disputas em par ou  impar para ver quem  lavaria a louça. Sinto saudade até  do cachorro sarnento, com o seu olhar tristinho à espera  do osso do frango, dos insuportáveis miados das gatas no cio, correndo pelo telhado e acordando  toda a família, isto sim, era viver  intensamente. Eu tinha medo dos uivos dos cachorros em noites de lua cheia, hoje, é tudo que eu desejo ouvir para quebrar a  monotonia destas  longas e  frias noites do  inverno de 2020,  sinto que não estou vivendo, apenas esperando as horas passarem.
            Estou  terrivelmente só, sem ter com quem conversar,  falar de coisas simples como os vários tipos de feijão e  as infinitas receitas para variar o cardápio, da última rosa que desabrochou no jardim, do final da novela As aventuras de Poliana e  da   possibilidade de ela voltar a andar. Tantos assuntos que no passado, para mim eram ridículos,  hoje parecem ser a essência da vida, o que nos faz sentir humanos e vivos. Tardiamente percebo que viver é conviver, cada um com a sua história de vida, suas falhas e solidariedade. É  convidar uma amiga para passar a tarde juntas, jogar conversa fora enquanto saboreiam  um pedaço de bolo. A perfeição não existe  e o  segredo  está em aceitar as pessoas com  os seus talentos de defeitos.
            É verdade que  a gente nasce e morre só, mas  depois que se completa  completas os sonhados 21 anos de idade e independência financeira,  pessoas ingênuas optam por  não formar laços de afetos fortes, focam na carreira, na ânsia de aprender mais, de descobrir o mundo via internet e  esquecem de  conviver com o outro. A pandemia da Covid-19 mostrou-me que nada  é mais importante do que a presença do outro e  que conviver é preciso.
 

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