Tarde demais compreendi que o homem é
um ser grupal e que a ilusão de fugir
isolar-se da família e da
comunidade em busca da felicidade e da
paz interior é o caminho seguro e curto para a convivência
diária com a solidão que nunca chega sozinha,
normalmente, anda acompanhada da tristeza e do arrependimento. Os
laços de afetos sólidos são os familiares e depois aqueles formandos na infância
e adolescência. Com o passar dos anos, a competição no mercado de trabalho,
aprende-se a conviver por necessidade da manutenção do emprego e os novos laços
de amizades estão pautados na necessidade de formar-se uma boa rede de
contados para uma indicação em vagas de
empregos, mas a aposentadoria chega.
Nesta quarentena, com tanto tempo ocioso, percebi que, o que mais falta me faz, é tudo
aquilo que um dia eu fugi: a algazarra de
uma grande família, com o pai sempre a lembrar que ele não era Banco do
Brasil e que dinheiro não é capim que
nasce em qualquer lugar. Os gritos da mãe sempre a reclamar da bagunça da casa
e da falta de cooperação de todos. Que falta faz as brigas entre irmãos e
primos, sempre havia uma desavença, por um pedaço maior do bolo, por ter
arrancado o cobertor da outra durante a noite, as disputas em par ou impar para ver quem lavaria a louça. Sinto saudade até do cachorro sarnento, com o seu olhar
tristinho à espera do osso do frango,
dos insuportáveis miados das gatas no cio, correndo pelo telhado e
acordando toda a família, isto sim, era
viver intensamente. Eu tinha medo dos
uivos dos cachorros em noites de lua cheia, hoje, é tudo que eu desejo ouvir
para quebrar a monotonia destas longas e
frias noites do inverno de 2020, sinto que não estou vivendo, apenas esperando
as horas passarem.
Estou terrivelmente só, sem ter com quem
conversar, falar de coisas simples como
os vários tipos de feijão e as infinitas
receitas para variar o cardápio, da última rosa que desabrochou no jardim, do
final da novela As aventuras de Poliana e
da possibilidade de ela voltar a andar. Tantos
assuntos que no passado, para mim eram ridículos, hoje parecem ser a essência da vida, o que
nos faz sentir humanos e vivos. Tardiamente percebo que viver é conviver, cada
um com a sua história de vida, suas falhas e solidariedade. É convidar uma amiga para passar a tarde
juntas, jogar conversa fora enquanto saboreiam
um pedaço de bolo. A perfeição não existe e o
segredo está em aceitar as
pessoas com os seus talentos de defeitos.
É verdade que a gente nasce e morre só, mas depois que se completa completas os sonhados 21 anos de idade e independência
financeira, pessoas ingênuas optam
por não formar laços de afetos fortes,
focam na carreira, na ânsia de aprender mais, de descobrir o mundo via internet
e esquecem de conviver com o outro. A pandemia da Covid-19
mostrou-me que nada é mais importante do
que a presença do outro e que conviver é
preciso.
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