Felizmente o porteiro conseguiu os
cocos para mim, já preparei e tomei água de coco curtida, o que fez desaparecer
repentinamente as vertigens. O dia amanheceu nublado e há prenúncio de chuvas e
eu continuarei recolhida pela impossibilidade de sair em virtude do aguaceiro
que está previsto e o mais triste, pela quarentena que não sabemos quando
terminará. Os casos de Covid-19 aumentam e a criatividade dos bandidos também. Quando
liguei a televisão, estava passando uma notícia de um arrastão em um condomínio, aqui, em São Paulo ; bandidos
fortemente armados se passaram por compradores e usaram a Imobiliária para adentrar em
segurança nos apartamentos. Tempos difíceis estamos vivendo! O rio da vida da
nação está transbordando de preocupação,
fome, medo e desespero e não há previsão de quando a enchente vai acabar.
Pensando bem, o fluxo
da minha vida é constante como as águas de um rio, que correm sem parar, contorna obstáculos,
mas segue sempre em frente, junta-se a outras águas que também rumam em direção
ao mar. Há momentos em que o rio da vida
é profundo e largo, porém, sereno. Em
outros, é estreito e raso e é preciso
saber navegar e evitar os bancos de
areia. Tanto tempo de ócio me faz
rememorar minha infância feliz, quando a vida da criançada se
resumia apenas em brincar e o melhor,
sem a consciência do perigo, mas felizmente, existia a segurança materna, sempre por perto, a nos proteger até dos perigos imaginários.
Eram outros tempos e outras preocupações. Morávamos bem próximo ao rio, mas uma
distância segura, sem risco de ter nossa casa invadida pelas águas nos tempos de cheia. Nesta
época a vigilância dos adultos era maior porque além dos acidentes normais como
afogamento, jacarés e cobras d’água,
havia o risco de contrair
doenças.
Minha casa era modesta, mas havia um
jardim e uma horta com variedade de legumes, porém, o que realmente fazia a
festa da molecada era os peixes fritos
de domingo, o rio garantia a proteína necessária ao nosso crescimento. Eu gostava de acompanhar
meu pai nesta aventura, o difícil era permanecer em silêncio, para não espantar
os peixes, ele dizia com seriedade. Até hoje
eu tenho está dúvida: os peixes, dentro d’água, ouvem o que acontece em
terra firme? Apesar das dificuldades, da falta de saneamento básico,
saúde, educação e lazer, o rio de minha vida seguia calmo até que eu resolvi
nadar até em busca de outras margens e
tive que enfrentar uma forte correnteza, e muitas vezes, vejo-me pensando se eu
tomei a decisão certa, em como seria as águas de minha vida, se lá eu tivesse
continuado. Que emoções teria vivido? Qual seria a minha rotinha? Estaria eu hoje,
em quarentena sozinha, como estou hoje?
O que farei neste dia? Apenas preparar comida, assistir televisão e nada mais
porque perdi o entusiasmo com o curso de inglês.
Tentei nadar além de minhas forças e o
sofrimento fez as águas do rio ficaram represadas e quase secaram e eu fiquei presa com uma única companhia: a
esperança. Um dia, encontrei uma jovem senhora que retirou as pedras do rio que me impediam de seguir
adiante. Nadei por águas diferentes onde
tudo era novo para mim, porém, vazios de significado porque não faziam parte
das minhas memórias e o meu vazio existencial perdura até hoje. Por mais que eu encontre águas calmas, não
sou plenamente feliz por não encontrei o
meu lugar no mundo, a minha missão nesta vida e um amor sincero. Que saudade eu tenho das águas calmas do rio
de minha infância. Mas não há nada que
eu possa fazer porque a vida é um rio que enche e seca e segue sempre em
frente, as pessoas vão ficando em
portos diferentes, outras seguindo
outros afluentes. Hoje não tenho ninguém com quem eu possa conversar sobre o
rio da minha vida e faz tanta falta, principalmente em tempos de isolamento social e com tensão permanente,
porque até os condomínio estão na mira
dos meliantes.
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