quarta-feira, 6 de maio de 2020

Diário do isolamentoe social 49º dia

                   
          Felizmente o porteiro conseguiu os cocos para mim, já preparei e tomei água de coco curtida, o que fez desaparecer repentinamente as vertigens. O dia amanheceu nublado e há prenúncio de chuvas e eu continuarei recolhida pela impossibilidade de sair em virtude do aguaceiro que está previsto e o mais triste, pela quarentena que não sabemos quando terminará. Os casos de Covid-19 aumentam e a criatividade dos bandidos também. Quando liguei a televisão, estava passando uma notícia de um arrastão  em um condomínio, aqui, em São Paulo; bandidos fortemente armados se passaram por compradores e  usaram a Imobiliária para adentrar em segurança nos apartamentos. Tempos difíceis estamos vivendo! O rio da vida da nação está transbordando de  preocupação, fome, medo e desespero e não há previsão de quando a enchente vai acabar.
          Pensando bem,  o fluxo  da minha vida é constante como as águas de um  rio, que correm sem parar, contorna obstáculos, mas segue sempre em frente, junta-se a outras águas que também rumam em direção ao mar. Há momentos  em que o rio da vida é  profundo e largo, porém, sereno. Em outros,  é estreito e raso e é preciso saber navegar e  evitar os bancos de areia. Tanto tempo de  ócio me faz rememorar  minha  infância feliz, quando a vida da criançada se resumia apenas em brincar e  o melhor, sem a consciência do perigo, mas felizmente, existia  a segurança materna, sempre por  perto, a nos proteger até dos perigos imaginários. Eram outros tempos e outras preocupações. Morávamos bem próximo ao rio, mas uma distância segura, sem risco de ter nossa  casa  invadida pelas águas nos tempos de cheia. Nesta época a vigilância dos adultos era maior porque além dos acidentes normais como afogamento, jacarés e cobras d’água,  havia o risco de contrair  doenças.
          Minha casa era modesta, mas havia um jardim e uma horta com variedade de legumes, porém, o que realmente fazia a festa da molecada era os peixes fritos  de domingo, o rio garantia a proteína necessária ao  nosso crescimento. Eu gostava de acompanhar meu pai nesta aventura, o difícil era permanecer em silêncio, para não espantar os peixes, ele dizia com seriedade. Até hoje  eu tenho está dúvida: os peixes, dentro d’água, ouvem o que acontece em terra firme?  Apesar das  dificuldades, da falta de saneamento básico, saúde, educação e lazer, o rio de minha vida seguia calmo até que eu resolvi nadar até em busca de outras margens  e tive que enfrentar uma forte correnteza, e muitas vezes, vejo-me pensando se eu tomei a decisão certa, em como seria as águas de minha vida, se lá eu tivesse continuado. Que emoções teria vivido?   Qual seria a minha rotinha? Estaria eu hoje, em quarentena sozinha, como estou  hoje? O que farei neste dia? Apenas preparar comida, assistir televisão e nada mais porque perdi o entusiasmo com o curso de inglês.
          Tentei nadar além de minhas forças e o sofrimento fez as águas do rio ficaram represadas e quase secaram  e eu fiquei presa com uma única companhia: a esperança. Um dia, encontrei uma jovem senhora que retirou  as pedras do rio que me impediam de seguir adiante. Nadei por  águas diferentes onde tudo era novo para mim, porém, vazios de significado porque não faziam parte das minhas memórias e  o  meu vazio existencial  perdura até hoje.  Por mais que eu encontre águas calmas, não sou plenamente feliz por não  encontrei o meu lugar no mundo, a minha missão nesta vida e um amor sincero.  Que saudade eu tenho das águas calmas do rio de minha infância.  Mas não há nada que eu possa fazer porque a vida é um rio que enche e seca e segue sempre em frente, as pessoas   vão ficando em portos diferentes,  outras seguindo outros afluentes. Hoje não tenho ninguém com quem eu possa conversar sobre o rio da minha vida e faz tanta falta, principalmente em tempos de  isolamento social e com tensão permanente, porque até os condomínio estão  na mira dos meliantes.

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