sexta-feira, 29 de maio de 2020

Diário do isolamento social - 73º

           
                        Para não enlouquecer nesta quarentena que já vai  mais para 70 dias e os olhos já estão cansados das telas do computador, televisão e celular, o corpo casando das tarefas domésticas,  restou uma outra alternativa,  enfrentar os ácaros acumulados a décadas e  vasculhar a estante em busca de uma leitura ligeira e prazerosa capaz de  amenizar o tédio de permanecer só, olhando  pela janela, a vida passar em seu ritmo natural. E a busca não foi  em vão. Após inúmeros espirros, o  início da leitura e a certeza da falta que fez  a disciplina de arte, na grade curricular, no tempo em que cursei a educação básica. Não sei como este livro sobre teatro chegou a minhas mãos, presente? Esquecido por  algum amigo? Não me recordo de ter comprado  nenhum exemplar com esta temática, já que a minha vida inteira dediquei-me á casa e ao marido e esqueci de viver os melhores anos de minha juventude,  viajando nas páginas dos livros, quando a vista ainda era boa. Mas em isolamento social, até debruçar-se sobre um assunto novo ajuda a evitar uma depressão profunda e a forçar o cérebro a pensar sobre o que eu não aprendi nos idos tempos  dos bancos escolares.
            Eu  aprendi  nas aulas de História do Brasil  que antes da década de 1920, a sustentação da  sociedade brasileira era as lavouras de café, mas não  me foi ensinado que este fator teve seus reflexos  na arte dramática e que a valorização da vida simples do campo, o orgulho dos troncos genealógicos, sentimentos legítimos e sinceros, e o trabalho sólido e honrado  refletiram nas peças teatrais, e  montagem como Flores de Sombra de Cláudio de Souza (1876 -1954) teve boa aceitação do público.  
            Na escola eu não aprendi que a  Primeira Guerra Mundial (1914-1918) influenciou o  teatro brasileiro porque  interrompeu a  visita de companhias teatrais européias, principalmente as  francesas, italianas e portuguesas e  assim, nas décadas de 1920 e 1930, o teatro brasileiro teve  que  descobrir  um novo caminho e a dramaturgia  volta-se para uma temática  nacional e  inicia-se  uma fase de autoafirmação da nacionalidade. Deste período  é a peça de Gastão Toseiro, “ Onde Canta o Sabiá”  cujo personagem central é o Brasil, o melhor  lugar do mundo para viver e foi encenada com muito sucesso em 1921. Também não aprendi que  na Semana de Arte Moderna de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, SP, não houve encenação de peças teatrais, talvez porque a exigência do trabalho coletivo  na  montagem do espetáculo tenha desestimulado os artistas.
            Eu não aprendi na escola que a peça de Oswald de Andrade, O Rei da Vela, escrita em 1934, tem situações atemporais, questões nunca resolvidas no Brasil – o  caso dos agiotas- que continuam a fazer  vítimas em pleno século XXI. Após a leitura de trechos da peça, percebi quantas   oportunidades  de discussões profundas sobre  os costumes do início do século XX   foram perdidas porque peças de qualidade sequer eram mencionadas em sala de aula.
            Eu não aprendi em sala de aula, que durante o Estado Novo ( 1937-1945) o teatro brasileiro se transforma e prima por montagens de mais qualidade com iluminação correta e uma concepção mais moderna e a presença do diretor completa estas conquistas importantes.  
            Eu não aprendi  em sala de aula, que um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro é o polonês Ziembinski, um dos integrantes do grupo “Os Comediantes.” Ele foi o homem que dominou todos os segredos da arte teatral e uma de suas montagens memoráveis foi O Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues que esteve em cartaz em 1944. Esta peça rompeu com as regras vigentes da dramaturgia  clássica-  unidade de tempo e espaço -  porque a trama se passa em três lugares e tempos diferentes que se misturam à fantasia:
O presente;
O passado próximo;
O passado  remoto.
            Embora eu já tenha passado várias vezes em frente ao edifício do atual Teatro Brasileiro de Comédias, no Bairro Bela Vista, eu não fazia ideia de sua importância  desde  1950 que surgiu como um grupo que soube aproveitar o legado dos artistas de Os Comediantes. O TBC foi criado pelo  italiano Franco Zampari, em 1948 e eles tinham uma forma bem simples de sucesso:
Reunir o maior número de talentos;
Manter um  elenco estável com atividades cênicas constantes.
            Eu não aprendi na sala de aula, que o clima de  euforismo do presidente Bossa Nova, Juscelino Kubitschek, refletiu nas artes dramáticas e novos grupos surgiram  eles entres, Arena e  o Oficina. Um artista ítalo-brasileiro se destacou: Gianfrancesco Guarniere, com suas peças de cunho social, como: Eles não usam black-tie,  que permaneceu em cartaz durante todo o ano de 1958.  O teatro  Arena era um laboratório de  interpretação que procurava um jeito brasileiro de representar e criou o Sistema Curinga de interpretação, que nada mais é do que a possibilidade de todo o elenco estar preparado para representar todos os personagens da peça. Este sistema de rodízio prima pela objetividade do personagem, não pela subjetividade do ator e  priorizava temas brasileiros passíveis de reflexão.
            Eu não aprendi que na escola que  na década de 1970, Dias Gomes escreveu uma  peça atemporal, O Santo  Inquérito, inspirada na vida de  Branca Dias uma das heroínas do Brasil  Colônia. Graças à quarentena imposta pelo Coronavírus conheci esta  obra de arte.  Obrigada dramaturgos brasileiros que têm acalentados os meus dias tristes com suas obras belíssimas e de imenso valor cultural.

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