Para
não enlouquecer nesta quarentena que já vai
mais para 70 dias e os olhos já estão cansados das telas do computador,
televisão e celular, o corpo casando das tarefas domésticas, restou uma outra alternativa, enfrentar os ácaros acumulados a décadas
e vasculhar a estante em busca de uma
leitura ligeira e prazerosa capaz de
amenizar o tédio de permanecer só, olhando pela janela, a vida passar em seu ritmo
natural. E a busca não foi em vão. Após inúmeros
espirros, o início da leitura e a
certeza da falta que fez a disciplina de
arte, na grade curricular, no tempo em que cursei a educação básica. Não sei
como este livro sobre teatro chegou a minhas mãos, presente? Esquecido por algum amigo? Não me recordo de ter
comprado nenhum exemplar com esta temática,
já que a minha vida inteira dediquei-me á casa e ao marido e esqueci de viver
os melhores anos de minha juventude,
viajando nas páginas dos livros, quando a vista ainda era boa. Mas em
isolamento social, até debruçar-se sobre um assunto novo ajuda a evitar uma
depressão profunda e a forçar o cérebro a pensar sobre o que eu não aprendi nos
idos tempos dos bancos escolares.
Eu aprendi
nas aulas de História do Brasil
que antes da década de 1920,
a sustentação da
sociedade brasileira era as lavouras de café, mas não me foi ensinado que este fator teve seus
reflexos na arte dramática e que a
valorização da vida simples do campo, o orgulho dos troncos genealógicos,
sentimentos legítimos e sinceros, e o trabalho sólido e honrado refletiram nas peças teatrais, e montagem como Flores de Sombra de Cláudio de
Souza (1876 -1954) teve boa aceitação do público.
Na escola
eu não aprendi que a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) influenciou o teatro
brasileiro porque interrompeu a visita de companhias teatrais européias,
principalmente as francesas, italianas e
portuguesas e assim, nas décadas de 1920
e 1930, o teatro brasileiro teve
que descobrir um novo caminho e a dramaturgia volta-se para uma temática nacional e
inicia-se uma fase de autoafirmação
da nacionalidade. Deste período é a peça
de Gastão Toseiro, “ Onde Canta o Sabiá”
cujo personagem central é o Brasil, o melhor lugar do mundo para viver e foi encenada com
muito sucesso em 1921. Também não aprendi que
na Semana de Arte Moderna de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, SP,
não houve encenação de peças teatrais, talvez porque a exigência do trabalho
coletivo na montagem do espetáculo tenha desestimulado os
artistas.
Eu não
aprendi na escola que a peça de Oswald de Andrade, O Rei da Vela, escrita em
1934, tem situações atemporais, questões nunca resolvidas no Brasil – o caso dos agiotas- que continuam a fazer vítimas em pleno século XXI. Após a leitura
de trechos da peça, percebi quantas oportunidades de discussões profundas sobre os costumes do início do século XX foram perdidas porque peças de qualidade
sequer eram mencionadas em sala de aula.
Eu não aprendi em sala de aula,
que durante o Estado Novo ( 1937-1945) o teatro brasileiro se transforma e
prima por montagens de mais qualidade com iluminação correta e uma concepção
mais moderna e a presença do diretor completa estas conquistas importantes.
Eu não
aprendi em sala de aula, que um dos
nomes mais importantes do teatro brasileiro é o polonês Ziembinski, um dos
integrantes do grupo “Os Comediantes.” Ele foi o homem que dominou todos os
segredos da arte teatral e uma de suas montagens memoráveis foi O Vestido de
Noiva de Nelson Rodrigues que esteve em cartaz em 1944. Esta peça rompeu com as
regras vigentes da dramaturgia clássica- unidade de tempo e espaço - porque a trama se passa em três lugares e
tempos diferentes que se misturam à fantasia:
O presente;
O passado próximo;
O passado remoto.
Embora eu
já tenha passado várias vezes em frente ao edifício do atual Teatro Brasileiro
de Comédias, no Bairro Bela Vista, eu não fazia ideia de sua importância desde
1950 que surgiu como um grupo que soube aproveitar o legado dos artistas
de Os Comediantes. O TBC foi criado pelo italiano Franco Zampari, em 1948 e eles tinham
uma forma bem simples de sucesso:
Reunir o maior número de talentos;
Manter um elenco
estável com atividades cênicas constantes.
Eu não
aprendi na sala de aula, que o clima de euforismo do presidente Bossa Nova, Juscelino
Kubitschek, refletiu nas artes dramáticas e novos grupos surgiram eles entres, Arena e o Oficina. Um artista ítalo-brasileiro se
destacou: Gianfrancesco Guarniere, com suas peças de cunho social, como: Eles não
usam black-tie, que permaneceu em cartaz
durante todo o ano de 1958. O
teatro Arena era um laboratório de interpretação que procurava um jeito
brasileiro de representar e criou o Sistema Curinga de interpretação, que nada
mais é do que a possibilidade de todo o elenco estar preparado para representar
todos os personagens da peça. Este sistema de rodízio prima pela objetividade
do personagem, não pela subjetividade do ator e
priorizava temas brasileiros passíveis de reflexão.
Eu não
aprendi que na escola que na década de 1970,
Dias Gomes escreveu uma peça atemporal,
O Santo Inquérito, inspirada na vida
de Branca Dias uma das heroínas do
Brasil Colônia. Graças à quarentena
imposta pelo Coronavírus conheci esta
obra de arte. Obrigada
dramaturgos brasileiros que têm acalentados os meus dias tristes com suas obras
belíssimas e de imenso valor cultural.
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