quarta-feira, 24 de junho de 2020

Diário do isolamento social- 99º dia

                        E viva São João Batista!   É o máximo que posso fazer porque estou em  isolamento social. É a primeira vez que não desfrutarei da alegria e singeleza dos festejos  juninos. Dos armários não sairá a tradicional  camisa de lã xadrez  e o já gasto chapéu de palha   que protegia a cabeça do sereno da madrugada  não apreciará o brilho das estrelas. Eram noites mágicas! E  nesta solidão, lembranças  de minha infância povoam a  cabeça  e  vejo as imagens dos tradicionais terços de São João, na casa dos avós. Para que todos pudessem comparecer, uns rezavam  pela manhã e os ao entardecer. A noite o brilho da fogueira era maior e recordo com saudade  quando as labaredas serpenteavam e  a meninada a observá-las fascinadas acreditavam ver imagens incríveis e se divertiam  enquanto esperavam  o melhor momento, quando enfim, pudessem saborear as deliciosas quitandas. Participávamos da reza porque éramos obrigados, mas  valia a pena  a espera porque findo o terço, após  cantoria  no  momento de levantar o mastro de São João, o sanfoneiro abria o fole, a poeira levantava  e a  anfitriã  e suas companheiras circulavam por entre os convidados com peneiras cheias de deliciosas quitandas sempre a falar sorridente  para pegar mais, insistindo muito o que gerava  um conflito interno  na garotada porque antigamente, antes de sair de casa, as mães tinham o cuidado de oferecer uma refeição aos pequenos e recomendá-los mil vezes que comessem pouco para que os vizinhos não pensassem   que  passavam fome em casa. E havia  fartura. Pé-de-moleque, bolo de milho,  de farinha de trigo, de mandioca, pão de queijo, milho assado na brasa, milho cozinho, pipoca, canjica e para adultos, quentão. E as crianças  que se contentassem com água, leite e  laranjada.  E o desfile de peneiras seguia até o  galo cantar e a fogueira apagar quando, na hora da partida, a anfitriã ainda dizia: coloca um pedaço no bolso para você comer quando chegar a casa.
             Que saudades  daqueles tempo em que tudo era  simples, alegre e afetuoso. Tudo era preparado com muito carinho. Uma semana antes, já começavam os preparativos das quitandas e dos enfeites típicos. O Mastro   com a imagem de São João era enfeito com primor. Havia abundâncias de bandeirinhas de papel de seda de todas as cores  distribuídas  no terreiro  e sempre um pouco afastadas de onde seria acesa a fogueira. As crianças participavam de tudo, desde recortar e colar bandeirinhas a montagem da fogueira, que por sinal, é bem demorada. E este  participar era  o sentimento de pertencimento a uma família, a uma comunidade que se articulava para rezar e  festejar o santo de sua devoção. Oração,  alimento, dança,e  bate papo, assim era o dia de São João Batista antigamente.
            E dizia a tradição que a noite de São João era a minha fria do ano. Hoje o clima mudou, aquela névoa matinal misturada à fumaça que vinha das últimas brasas das fogueiras e das bandeirantes úmidas pelo sereno da madrugada  é apenas uma  saudade   do  terço de São João dos tempos antigos e que eu fiz parte e hoje, sequer posso ir a uma quermesse na igreja porque elas estão fechadas para os fiéis. Até isso o coranavírus tirou de nós. Felizmente ainda existe  pessoas que mantém esta salutar  tradição de rezar em família e eu pude, pelo Facebook, acompanhar a reza do terço  e  fique com água na boca ao ver sobre a mesa, uma peneira repleta de saborosas quitandas caseiras.  Em plena quarentena quem eram os convidados? Apenas filhos, noras e netos. A fogueira outrora com cinco metros de altura, foi reduzida a cinquenta centímetros e  as labaredas vinham de uma vela em seu interior, o mastro de São João, que ficava exporto até o final do mês, reduzido ao cabo de uma vassoura em um canto da  sala. São outros tempos, porém, a essência do terço  de São João em família não se perdeu e aqueceu o meu coração solitário.

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