E viva São João Batista! É o máximo que posso fazer porque estou em isolamento social. É a primeira vez que não
desfrutarei da alegria e singeleza dos festejos
juninos. Dos armários não sairá a tradicional camisa de lã xadrez e o já gasto chapéu de palha que protegia a cabeça do sereno da madrugada não apreciará o brilho das estrelas. Eram
noites mágicas! E nesta solidão, lembranças de minha infância povoam a cabeça
e vejo as imagens dos
tradicionais terços de São João, na casa dos avós. Para que todos pudessem
comparecer, uns rezavam pela manhã e os ao
entardecer. A noite o brilho da fogueira era maior e recordo com saudade quando as labaredas serpenteavam e a meninada a observá-las fascinadas
acreditavam ver imagens incríveis e se divertiam enquanto esperavam o melhor momento, quando enfim, pudessem
saborear as deliciosas quitandas. Participávamos da reza porque éramos obrigados,
mas valia a pena a espera porque findo o terço, após cantoria
no momento de levantar o mastro
de São João, o sanfoneiro abria o fole, a poeira levantava e a
anfitriã e suas companheiras
circulavam por entre os convidados com peneiras cheias de deliciosas quitandas
sempre a falar sorridente para pegar
mais, insistindo muito o que gerava um
conflito interno na garotada porque antigamente,
antes de sair de casa, as mães tinham o cuidado de oferecer uma refeição aos
pequenos e recomendá-los mil vezes que comessem pouco para que os vizinhos não
pensassem que
passavam fome em casa.
E havia fartura.
Pé-de-moleque, bolo de milho, de farinha
de trigo, de mandioca, pão de queijo, milho assado na brasa, milho cozinho,
pipoca, canjica e para adultos, quentão. E as crianças que se contentassem com água, leite e laranjada.
E o desfile de peneiras seguia até o galo cantar e a fogueira apagar quando, na
hora da partida, a anfitriã ainda dizia: coloca um pedaço no bolso para você
comer quando chegar a casa.
Que saudades
daqueles tempo em que tudo era
simples, alegre e afetuoso. Tudo era preparado com muito carinho. Uma
semana antes, já começavam os preparativos das quitandas e dos enfeites típicos.
O Mastro com a imagem de São João era
enfeito com primor. Havia abundâncias de bandeirinhas de papel de seda de todas
as cores distribuídas no terreiro
e sempre um pouco afastadas de onde seria acesa a fogueira. As crianças
participavam de tudo, desde recortar e colar bandeirinhas a montagem da
fogueira, que por sinal, é bem demorada. E este participar era
o sentimento de pertencimento a uma família, a uma comunidade que se
articulava para rezar e festejar o santo
de sua devoção. Oração, alimento, dança,e bate papo, assim era o dia de São João
Batista antigamente.
E dizia a tradição que a noite de São
João era a minha fria do ano. Hoje o clima mudou, aquela névoa matinal
misturada à fumaça que vinha das últimas brasas das fogueiras e das
bandeirantes úmidas pelo sereno da madrugada é apenas uma
saudade do terço de São João dos tempos antigos e que eu
fiz parte e hoje, sequer posso ir a uma quermesse na igreja porque elas estão
fechadas para os fiéis. Até isso o coranavírus tirou de nós. Felizmente ainda
existe pessoas que mantém esta
salutar tradição de rezar em família e
eu pude, pelo Facebook, acompanhar a reza do terço e
fique com água na boca ao ver sobre a mesa, uma peneira repleta de
saborosas quitandas caseiras. Em plena
quarentena quem eram os convidados? Apenas filhos, noras e netos. A fogueira
outrora com cinco metros de altura, foi reduzida a cinquenta centímetros e as labaredas vinham de uma vela em seu
interior, o mastro de São João, que ficava exporto até o final do mês, reduzido
ao cabo de uma vassoura em um canto da
sala. São outros tempos, porém, a essência do terço de São João em família não se perdeu e
aqueceu o meu coração solitário.
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