quinta-feira, 25 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 100º dia

                               Nesta quinta-feira ensolarada e de temperatura amena estou completando exatamente cem dias de quarentena, e como todo sofrimento  traz um aprendizado, este valeu-me  para saber que eu estou sozinha e que a solidariedade humana não é muito persistente. Logo nos primeiros dias, recebi mensagens de algumas pessoas que  se dispuseram a ajudar-me com as compras, mas já  no final dos primeiros trintas dias nem sequer  enviavam mensagens  para saber como eu estava. Registro também que até as mensagens padronizadas e as terríveis figurinhas  cessaram com o decorrer dos dias. Nenhum vizinho tocou a campainha para saber como eu estou. Caí no esquecimento. Apenas a amiga, aquela que lhe enviei o doce de Araxá, MG, telefonou uma vez, pedindo noticias, mas como ela tem quase vinte anos a mais do que eu, nada pode fazer por mim, caso eu precise de ajuda. O calor de uma voz humana, mesmo  por telefone, já é um acalanto. Estou só! Tenho que enfrentar esta dura realidade de que não tenho amigos, apenas colegas de academia e demais atividades sociais. E parentes? Não fui agraciada com a dádiva de gerar uma  vida, o marido se foi a anos e agora amargo a solidão, consequência de não ter dado atenção necessária a minha família de origem, após o meu casamento e até o meu namorado afastou-se de mim. Doravante meu nome é solidão!
             E nestes cem dias de  isolamento social,  pude comprovar a teoria dos educadores financeiros que afirmam que o vazamento de dinheiro  acontece principalmente em coisas pequenas. Tive uma redução considerável nos  gastos mensais e devo manter este dinheiro em caixa porque já circulam noticias que as contas de luz e água estão sendo cobradas por média e não por consumo real e que após a quarentena, a correção será feita e  com certeza virá um valor bem acima  e também terei gastos com  cabeleireira  e manicura. Com um protocolo rigoroso, já ouvi notícias da reabertura de salão de beleza, bares e restaurantes. Os shoppings estão batalhando para que o horário de atendimento seja expandido de 4 horas para 6,  e de 20% para 30% de clientes circulando porque o total de faturamento está em apenas 15% o que não dá para cobrir os custos. Tempos difíceis!
            Em cem dias de reclusão, acompanhei a vida lá fora segundo o ponto de vista dos jornalistas que priorizam em noticiar as desgraças e  com esta atitude faz minar a esperança em dias melhores. A corrupção esteve em pauta, e não apenas dos políticos, mas também de pessoas comuns. Até o  momento, já foram apurados que oito milhões de brasileiros  usaram de má fé e conseguiram receber o auxílio emergencial, o qual não tinham direito. Sobre os governantes, não houve um dia sequer que não noticiou desviou de verbas, superfaturamentos, na compra de respiradores e medicamentos, e  principalmente, na construção de  hospitais de campanha, e que já estão falando em desmontá-los, o que não é prudente, porque estamos no  início do inverno, época em que aumentam as doenças respiratórias naturalmente, e com a chegada do coronavírus, é a combinação perfeita para conhecer São Pedro, bem antes do previsto. E  para completar este quadro tétrico, as ações contraditórias  no transporte público continuam. Acabei de ver na  televisão que o  a frota de ônibus de São Paulo foi reduzida em 9%. Recomenda-se evitar aglomerações  mas o trabalhador depende do transporte público. O discurso é um e a prática é outra!
            Durante os cem dias de quarentena, noticia-se todos os dias o aumento da violência doméstica e do crescente número de assaltos em residências e   no trânsito, sendo as principais vítimas, os motoristas. O impensável está acontecendo. Até a inocente e saudável brincadeira popular de empinar pipa está sendo usada para  cometer crimes. Em um ponto do Rodoanel, que não consegui identificar,  criminosos disfarçam de jovens soltando  pipa e quando  percebem   o momento propício, em bandos, cercam as vítimas e levam  todos os seus pertences e em muitas vezes até a vida.
            Nestes  cem  dias de isolamento social, acompanhei o sofrimento  dos povos indígenas, que enfrentam a mais de quinhentos anos, grileiros, mineradores,  madeireiros, incêndios criminosos e agora a Covid-19  e estão praticamente esquecidos pelo poder público. Bravos guerreiros  que lutam a  cinco séculos pelo direito de viver e manter as suas tradicionais milenares. Que Tupã olhe por eles!
            Em cem dias de isolamento social, pude observar o quanto é  grande  a distância entre a teoria e a prática. Fale-se constantemente em solidariedade, em união dos brasileiros, em poupar vidas  e  na prática, cria-se situações para aglomerações e não há uma  orientação a pedestres que circulam sem máscaras e em bandos. Fecha-se  áreas comuns em condomínio, parques e praias, tira-se da população a oportunidade de tomar sol e  melhorar a imunidade do corpo e aliviar o estresse e  reduz a frota de ônibus e  volta o rodízio de carro. Repete-se a exaustão  a recomendação do uso da máscara, lavar as mãos e do álcool gel, porém, milhões de brasileiros não dispõem de saneamento básico, água potável e vivem abaixo da linha pobreza. Nestas condições, terão eles meios para seguir este protocolo?
            Durante cem dias  de isolamento social, tenho acompanhado pela imprensa,  a politização da pandemia e com tristeza, percebo que a oposição brasileira, não está nem um pouco preocupada com os seus eleitores, mas sim, em derrubar o governo para  voltar ao poder e agir em benefício próprio.  E o mais preocupante são as notícias que circulam pelas redes sócias de que os protocolos de  tratamento da Covid-19 estão veiculados a ideologia política. Se isto for verdade, é assustador!
            Cem dias em isolamento social, acompanhando a vida pela janela e pela televisão, vejo que não houve uma  mudança para melhor  nos brasileiros, apenas  a intensificação de uma discurso humanitário e uma prática egoísta.

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