Nesta quinta-feira ensolarada e de
temperatura amena estou completando exatamente cem dias de quarentena, e como
todo sofrimento traz um aprendizado,
este valeu-me para saber que eu estou
sozinha e que a solidariedade humana não é muito persistente. Logo nos
primeiros dias, recebi mensagens de algumas pessoas que se dispuseram a ajudar-me com as compras, mas
já no final dos primeiros trintas dias
nem sequer enviavam mensagens para saber como eu estava. Registro também
que até as mensagens padronizadas e as terríveis figurinhas cessaram com o decorrer dos dias. Nenhum
vizinho tocou a campainha para saber como eu estou. Caí no esquecimento. Apenas
a amiga, aquela que lhe enviei o doce de Araxá, MG, telefonou uma vez, pedindo
noticias, mas como ela tem quase vinte anos a mais do que eu, nada pode fazer
por mim, caso eu precise de ajuda. O calor de uma voz humana, mesmo por telefone, já é um acalanto. Estou só!
Tenho que enfrentar esta dura realidade de que não tenho amigos, apenas colegas
de academia e demais atividades sociais. E parentes? Não fui agraciada com a dádiva
de gerar uma vida, o marido se foi a
anos e agora amargo a solidão, consequência de não ter dado atenção necessária
a minha família de origem, após o meu casamento e até o meu namorado afastou-se
de mim. Doravante meu nome é solidão!
E nestes cem dias de isolamento social, pude comprovar a teoria dos educadores
financeiros que afirmam que o vazamento de dinheiro acontece principalmente em coisas pequenas. Tive
uma redução considerável nos gastos
mensais e devo manter este dinheiro em caixa porque já circulam noticias que as
contas de luz e água estão sendo cobradas por média e não por consumo real e
que após a quarentena, a correção será feita e
com certeza virá um valor bem acima
e também terei gastos com
cabeleireira e manicura. Com um
protocolo rigoroso, já ouvi notícias da reabertura de salão de beleza, bares e
restaurantes. Os shoppings estão batalhando para que o horário de atendimento
seja expandido de 4 horas para 6, e de
20% para 30% de clientes circulando porque o total de faturamento está em
apenas 15% o que não dá para cobrir os custos. Tempos difíceis!
Em cem dias de reclusão, acompanhei
a vida lá fora segundo o ponto de vista dos jornalistas que priorizam em
noticiar as desgraças e com esta atitude
faz minar a esperança em dias melhores. A corrupção esteve em pauta, e não
apenas dos políticos, mas também de pessoas comuns. Até o momento, já foram apurados que oito milhões
de brasileiros usaram de má fé e
conseguiram receber o auxílio emergencial, o qual não tinham direito. Sobre os
governantes, não houve um dia sequer que não noticiou desviou de verbas,
superfaturamentos, na compra de respiradores e medicamentos, e principalmente, na construção de hospitais de campanha, e que já estão falando
em desmontá-los, o que não é prudente, porque estamos no início do inverno, época em que aumentam as
doenças respiratórias naturalmente, e com a chegada do coronavírus, é a combinação
perfeita para conhecer São Pedro, bem antes do previsto. E para completar este quadro tétrico, as ações
contraditórias no transporte público
continuam. Acabei de ver na televisão
que o a frota de ônibus de São Paulo foi
reduzida em 9%. Recomenda-se evitar aglomerações mas o trabalhador depende do transporte público.
O discurso é um e a prática é outra!
Durante os cem dias de quarentena,
noticia-se todos os dias o aumento da violência doméstica e do crescente número
de assaltos em residências e no trânsito,
sendo as principais vítimas, os motoristas. O impensável está acontecendo. Até
a inocente e saudável brincadeira popular de empinar pipa está sendo usada
para cometer crimes. Em um ponto do Rodoanel,
que não consegui identificar, criminosos
disfarçam de jovens soltando pipa e
quando percebem o momento propício, em bandos, cercam as vítimas
e levam todos os seus pertences e em
muitas vezes até a vida.
Nestes cem
dias de isolamento social, acompanhei o sofrimento dos povos indígenas, que enfrentam a mais de
quinhentos anos, grileiros, mineradores,
madeireiros, incêndios criminosos e agora a Covid-19 e estão praticamente esquecidos pelo poder público.
Bravos guerreiros que lutam a cinco séculos pelo direito de viver e manter
as suas tradicionais milenares. Que Tupã olhe por eles!
Em cem dias de isolamento social,
pude observar o quanto é grande a distância entre a teoria e a prática. Fale-se
constantemente em solidariedade, em união dos brasileiros, em poupar vidas e na
prática, cria-se situações para aglomerações e não há uma orientação a pedestres que circulam sem máscaras
e em bandos. Fecha-se
áreas comuns em condomínio, parques e
praias, tira-se da população a oportunidade de tomar sol e melhorar a imunidade do corpo e aliviar o
estresse e reduz a frota de ônibus
e volta o rodízio de carro. Repete-se a
exaustão a recomendação do uso da máscara,
lavar as mãos e do álcool gel, porém, milhões de brasileiros não dispõem de
saneamento básico, água potável e vivem abaixo da linha pobreza. Nestas condições,
terão eles meios para seguir este protocolo?
Durante cem dias de isolamento social, tenho acompanhado pela
imprensa, a politização da pandemia e
com tristeza, percebo que a oposição brasileira, não está nem um pouco
preocupada com os seus eleitores, mas sim, em derrubar o governo para voltar ao poder e agir em benefício próprio. E o mais preocupante são as notícias que
circulam pelas redes sócias de que os protocolos de tratamento da Covid-19 estão veiculados a
ideologia política. Se isto for verdade, é assustador!
Cem dias em isolamento social,
acompanhando a vida pela janela e pela televisão, vejo que não houve uma mudança para melhor nos brasileiros, apenas a intensificação de uma discurso humanitário
e uma prática egoísta.
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