O coronavírus fez o que nenhum pai
conseguiu: manter os filhos em casa durante uma estação do ano. O outono chega ao
fim com ventos moderados, ar seco e com a generosidade do céu azul que ao entardecer permite que os reflexos dos mais lindos tons de
vermelho desperte a gratidão por mais um dia de vida com saúde a todos os viventes
enclausurados e temerosos, sempre a pensar quem será a próxima vítima do
inimigo invisível. Admirando as delicadas
nuances de cores no horizonte, fecho os olhos
e os fios da saudade vão puxando
as memórias dos primórdios dos anos de 1950 e vejo a garotinha
morena, de nariz chato e muito curiosa,
ávida para experimentar os novos
sabores oferecidos pela natureza a cada safra. E não é necessário muito esforço
para sentir o cheiro e o sabor da pitanga, do coco macaúba, murici e do cheiro
do frango com ora- pro –nóbis, que
cozinhava lentamente em um fogão de lenha, sob o olhar vigilante de minha mãe,
cujo maior prazer parecia ser proporcionar
à família uma alimentação saborosa e nutritiva.
O isolamento social é cruel e graças
ás lembranças de minha infância,
atualmente, minhas melhores companhias, ele tem sido suportável. Era um tempo
difícil, de pouco dinheiro e muito trabalho, mas éramos felizes e livres até os
limites de nossas pernas e do medo da onça pintada, que eventualmente, ouvia-se um miado distante. Minha mãe não era uma mulher de muitas palavras, porém, expressava o seu amor no cuidado diário desde o nosso despertar, quando suavemente
ela acariciava meus cabelos e pronunciava meu nome baixinho, para que eu não acordasse assustada. O ritual repetia-se todas as noites, quando ela
ia fechar a janela do quarto, ajeitava a velha colcha de
retalho e rezava, pedindo ao anjo da
guarda que me protegesse durante à noite. Sinto saudade da ternura dela. Era uma
mulher pobre e analfabeta, porém, oferecia generosamente
o bem mais precioso que um filho pode receber: o amor materno.
Não tenho lembranças de ter ganho bonecas compradas, mas recordo com
ternura, daqueles dias frios e chuvosos,
em que minha mãe sentava próximo ao fogão
para se aquecer, ela não tinha nem sapatos, menos ainda blusa de frio, mas não se queixava, aproveitava aqueles momentos de pausa na labuta diária
para confeccionar bonecas de
pano para mim. Este mimo só era possível porque ela tinha a humildade
pedir retalhos de tecidos à cunhada, que era costureira. Eram bonecas bem rústicas,
mas para mim, as mais lindas do mundo porque estavam impregnadas de amor. E quando meu pai chegada
da lida era uma alegria só, ele contava histórias, as mais absurdas possíveis,
como se ele tivesse vivenciado tudo
durante o dia, e minha mãe, ria
como se acreditasse em todas as palavras pronunciadas por ele. Eu,
que desconhecia o mundo além das cercas
do quintal, acreditava piamente em tudo.
Eram tempos felizes porque não havia parâmetro
para comparação. O amanhecer era alegre com o canto do galo e de várias espécies
de pássaros que faziam seus ninhos nas proximidades.
Quando se ouvia o aboio do Senhor Manoel, eu sabia que
era a hora de pegar o balde para ir buscar o leite, que meu pai pagava somente
no final do mês quando recebia. Não havia necessidades de anotar, ele guardava
tudo na cabeça. Mas o progresso chegou, a fazenda foi loteada, novos vizinhos chegaram e novos
sons passaram a fazer parte do meu
despertar e minha alegria nunca mais foi a mesma porque eu descobri que havia
um outro mundo e eu queria conhecê-lo.
Atualmente, em uma quarentena forçada, sempre a temer o
perigo real que o coronavírus
representa, tenho acesso as coisas que
acontecem no mundo inteiro e meu coração
sangra de dor ao ouvir, toda vez que ligo o televisor, noticias sobre os
desvios da verba direcionada ao
tratamento da Covid-19, e eu agarro com força as lembranças do conforto
do colo da minha mãe, da segurança que
a presença paterna proporcionava. Lembranças, o melhor alento para esta minha alma cansada de tantos desmandos
na política e tanta gente necessitando
de políticas públicas eficientes para conseguir o essencial: comida na mesa.
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