quarta-feira, 10 de junho de 2020

diário do isolamento social- 85º dia

                                        Era uma vez uma  vida anterior ao isolamento social, na qual, eu não percebia ás sutilezas da natureza, o  acelerado e automático  ritmo da população paulistana. Agora, da janela de minha  casa, eu vejo o belo e distante horizonte e fico a imaginar  quais sãos os mistérios que a minha vista não alcança. Quem são as pessoas que por lá vivem e  o que estão fazendo para sobreviver  a dureza do convívio diário com a família, como estão lidando com  a queda  repentina do orçamento doméstico e o aumento  do consumo de energia, água, internet e alimento. A certeza de não poder sair  gera ansiedade e para controlar a crise, nada  melhor do que abrir a porta da  geladeira, mas e se ela estiver vazia? O desemprego cresce na mesma proporção  do avanço do coronavírus e não há esperança a vista.
            Da janela de minha casa eu vejo  as nuvens formando diversas  imagens: anjos, cavalos, borboletas e vários pássaros cruzando os ares independentes  do sofrimento que assolou a população., porém, não vejo mais aviões cruzando o céu,  transportando cargas  ou  turistas ávidos para conhecer a terra  da garoa, a cidade que nunca dorme, do agito e trabalho  vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por ano e agora, triste e solitário,  o centro financeiro do país empobrece em um ritmo jamais imaginado.
            Da janela de minha casa eu vejo portas fechadas de restaurantes de onde exalavam deliciosos aromas  que se misturam as risadas dos  fregueses. E agora?  Quando ouvirei novamente o tilintar das moedas no caixa e o sorriso de satisfação dos proprietários vendo os seus negócios prosperarem?  Quando poderei  adentrar em museus e admirar  as relíquias do passado?
            Da janela de minha vejo a expansão da criminalidade. Transeuntes andam rápidos e assustados, temendo  que  haja algum meliante a espreita e  pronto para levar embora os R$600,00 do auxílio emergencial, o cartão de transporte. Em tempos de carestia, tudo tem valor para aquele que não  tem nada porque representa  uma possibilidade de escambo. Quando a fome corrói o estômago, os escrúpulos desaparecem e o instinto de sobrevivência  fica mais forte, é a lei da selva. Gente trabalhadora e decente se marginaliza na tentativa desesperadora de alimentar a família.
            Da janela de minha casa eu vejo família inteiras  morando na rua e estendendo a mão aos escassos pedestres, pedindo um pedaço de pão para os filhos. Um bebê suga afoitamente o seio materno já seco, enquanto uma lágrima desce suavemente pela face da mãe que sofre por não conseguir alimentar a sua cria. Os bares e restaurantes estão fechados e sobras de comidas não são  encontradas nas lixeira e eles estão completamente desamparados.
            Da minha janela eu vejo  a dor no rosto daqueles que perderam entes queridos para a Covid-19 e  ouço o  lamento  deles se indagando o que poderiam ter feito para que esta tragédia não  tivesse abatido sobre eles.
            Da janela de minha casa eu vejo a  nova realidade imposta pela pandemia: atritos famílias,  desemprego, falências, fome, morte e aproveitadores inescrupulosos fazendo fortuna  as custas da desgraças da população.  Mas  no meio  da desgraça, também vejo florescer a fé em Deus e a solidariedade de algumas pessoas, que  se expõem ao risco para  estender a mão  aqueles que foram esquecidos pelo poder público.  Que Deus em sua infinita misericórdia olhe pela nação brasileira!

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