terça-feira, 16 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 91º dia

                                O dia amanheceu ensolarado e propício para furar a quarentena e ir dar uma volta pela rua, porém, optei para iniciar uma  arrumação rigorosa do guarda-roupa porque o inverno se aproxima e com eles os tradicionais mofos. Faz alguns dias que comprei os sacos com zíper  próprios para embalar roupas, e segundo as amigas, protegem bem contra o cheiro característico de coisas guardadas por um longo tempo  e sem ventilação. Chegou  a um três dias e  apesar da etiqueta dizer que foram embalados seguindo os protocolos de higiene,  achei melhor deixá-los    isolados durante  72 horas, tempo em que os virologistas  afirmam que o coronavírus consegue sobreviver em superfícies  plásticas e, durante este período, ele contamina. Acordei disposta a lavar e passar toda a roupa  e somente  depois embala-la e confiar  que  não mais terei crises intermináveis de espirro quando for abrir  as gavetas onde guardo as peças de pouco  uso e menos ainda, sair desfilando pelas ruas com aquele odor insuportável de guardado. A hora de sair vai chegar, apenas não sei quando.
            Inacreditável, mas esta quarentena tem o  lado bom para nós pensionistas, que vivemos  a contar o dinheiro e negociar trocas: trocar o sorvete por uma caixa de grampos, o bolo de chocolate por um par de meias e por aí afora. Pudemos economizar um pouco e  conseguimos sobreviver  a abstinência de liquidações por mais de noventa dias. O mulherio deve estar dividido em dois grupos. 50% radiantes, comemorando a vitória sobre os  seus impulsos de compras e os outros 50%, roendo unhas, tomando Rivotril a contar os  dias para a próxima   temporada de ofertas que vai demorar porque o governo autorizou a abertura do comércio, porém, sem promoções para  evitar as aglomerações  características do evento.
            Liquidação é um evento social tão importante para as mulheres que os pesquisadores deveriam debruçar-me mais sobre ele. É um verdadeiro espetáculo, a começar pela demora  nas  longas filas  para adentrar dentro dos estabelecimentos.  Impossível não se encantar ao ver as peças serem disputadas mão a mão,  os braços  das mais  baixas  sendo  esticados para alcançar nas araras   e nas prateleiras,  um casaco felpudo da estação passada, uma bolsa  que parece ser uma verdadeira pechincha e assim vão enchendo as sacolas com coisas que  não estão na lista de compras e no calor do momento, é visto como um bom negócio e sem a menor preocupação com a fatura do cartão de crédito que tarda mas jamais falta.
            Afastada destes eventos populares por mais de noventa dias, pela primeira vez  refleti sobre eles. Quantas vezes eu comprei movida apenas pelo clamor da propaganda de boas ofertas e entulhei mais os armários com quinquilharias desnecessárias, que  nunca usei e o pior, tenho dificuldade em livrar-me delas e fico a pensar que um dia  poderei precisar. Devo confessar que  gosto de comprar em liquidações   e tenho  grande dificuldade para  jogar fora ou doar, acredito que tenho duas aptidões inatas: Comprar e acumular.      
            Não tenho disposição para contar quantos itens sem uso estão guardados em um canto qualquer do armário, mas nesta operação limpeza, encontrei a roupinha  que usei em meu batismo, da primeira comunhão e o vestido de noiva. São peças que  jamais usarei, mesmo se o desejasse, seria impossível vestir  o corpo de uma idosa e bem acima do peso ideal. E   a lista não para por aí. Tenho guardado comigo uma  toalha de mesa, que era do enxoval de casamento de minha mãe e não tem serventia porque a minha mesa é bem menor. E por uma  suposta questão afetiva vou acumulando. O vestido manequim 42 permanece no cabide porque foi presente de minha madrinha. A saia branca  bordada porque comprei em uma viagem ao Mato Grosso.  A calça boca de sino porque remonta a uma  época em que eu era feliz; a blusa vermelha e desbotada porque foi presente do  marido e  são tantas as histórias e guardados que somente fazem bem as traças e ácaros. Mas é difícil desapegar e não resta a menor dúvida de que sofrimento de desfazer-se de algo que faz parte da nossa história supera em muito o prazer  do ato da compra.
            Comprar é um prazer! Compramos porque necessitamos de   roupas, acessórios, calçados,  mas, principalmente, compramos por ostentação, projetando  nos olhos dos outros a imagem que teremos com nossas novas  aquisições. O lado ruim é que o  consumidor fiel das liquidações,  que prioriza  o preço, adquire mercadoria das coleções anteriores  ou com leves defeitos.  E se a maioria das compras é por impulsos, acumula-se por medo de precisar no futuro e por razões afetivas como a Xuxa. Várias vezes foi mostrado, pela imprensa, que a eterna Rainha dos Baixinhos construiu uma casa  somente para guardar  memorabilia,  os presentes  dados pelos fãs. Que meigo!  
            Após  este longo período de isolamento social, temo que ao retomar minha vida normal, eu não consiga controlar o meu impulso de compras e gastar tudo o que consegui economizar em quinquilharias. Espero manter firme o meu propósito de fazer uma viagem, mesmo que seja apenas um bate e volta. Veremos!!!

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