O
dia amanheceu ensolarado e propício para furar a quarentena e ir dar uma volta
pela rua, porém, optei para iniciar uma
arrumação rigorosa do guarda-roupa porque o inverno se aproxima e com
eles os tradicionais mofos. Faz alguns dias que comprei os sacos com zíper próprios para embalar roupas, e segundo as
amigas, protegem bem contra o cheiro característico de coisas guardadas por um
longo tempo e sem ventilação. Chegou a um três dias e apesar da etiqueta dizer que foram embalados
seguindo os protocolos de higiene, achei
melhor deixá-los isolados durante 72 horas, tempo em que os virologistas afirmam que o coronavírus consegue sobreviver
em superfícies plásticas e, durante este
período, ele contamina. Acordei disposta a lavar e passar toda a roupa e somente
depois embala-la e confiar
que não mais terei crises
intermináveis de espirro quando for abrir
as gavetas onde guardo as peças de pouco
uso e menos ainda, sair desfilando pelas ruas com aquele odor insuportável
de guardado. A hora de sair vai chegar, apenas não sei quando.
Inacreditável,
mas esta quarentena tem o lado bom para
nós pensionistas, que vivemos a contar o
dinheiro e negociar trocas: trocar o sorvete por uma caixa de grampos, o bolo
de chocolate por um par de meias e por aí afora. Pudemos economizar um pouco
e conseguimos sobreviver a abstinência de liquidações por mais de
noventa dias. O mulherio deve estar dividido em dois grupos. 50% radiantes,
comemorando a vitória sobre os seus
impulsos de compras e os outros 50%, roendo unhas, tomando Rivotril a contar
os dias para a próxima temporada de ofertas que vai demorar porque o governo
autorizou a abertura do comércio, porém, sem promoções para evitar as aglomerações características do evento.
Liquidação
é um evento social tão importante para as mulheres que os pesquisadores
deveriam debruçar-me mais sobre ele. É um verdadeiro espetáculo, a começar pela
demora nas longas filas
para adentrar dentro dos estabelecimentos. Impossível não se encantar ao ver as peças
serem disputadas mão a mão, os
braços das mais baixas
sendo esticados para alcançar nas
araras e nas prateleiras, um casaco felpudo da estação passada, uma
bolsa que parece ser uma verdadeira
pechincha e assim vão enchendo as sacolas com coisas que não estão na lista de compras e no calor do
momento, é visto como um bom negócio e sem a menor preocupação com a fatura do
cartão de crédito que tarda mas jamais falta.
Afastada
destes eventos populares por mais de noventa dias, pela primeira vez refleti sobre eles. Quantas vezes eu comprei
movida apenas pelo clamor da propaganda de boas ofertas e entulhei mais os armários
com quinquilharias desnecessárias, que
nunca usei e o pior, tenho dificuldade em livrar-me delas e fico a
pensar que um dia poderei precisar. Devo
confessar que gosto de comprar em
liquidações e tenho grande dificuldade para jogar fora ou doar, acredito que tenho duas
aptidões inatas: Comprar e acumular.
Não
tenho disposição para contar quantos itens sem uso estão guardados em um canto
qualquer do armário, mas nesta operação limpeza, encontrei a roupinha que usei em meu batismo, da primeira comunhão
e o vestido de noiva. São peças que
jamais usarei, mesmo se o desejasse, seria impossível vestir o corpo de uma idosa e bem acima do peso
ideal. E a lista não para por aí. Tenho
guardado comigo uma toalha de mesa, que
era do enxoval de casamento de minha mãe e não tem serventia porque a minha
mesa é bem menor. E por uma suposta
questão afetiva vou acumulando. O vestido manequim 42 permanece no cabide
porque foi presente de minha madrinha. A saia branca bordada porque comprei em uma viagem ao Mato
Grosso. A calça boca de sino porque
remonta a uma época em que eu era feliz;
a blusa vermelha e desbotada porque foi presente do marido e
são tantas as histórias e guardados que somente fazem bem as traças e ácaros.
Mas é difícil desapegar e não resta a menor dúvida de que sofrimento de
desfazer-se de algo que faz parte da nossa história supera em muito o
prazer do ato da compra.
Comprar
é um prazer! Compramos porque necessitamos de
roupas, acessórios, calçados,
mas, principalmente, compramos por ostentação, projetando nos olhos dos outros a imagem que teremos com
nossas novas aquisições. O lado ruim é
que o consumidor fiel das liquidações, que prioriza
o preço, adquire mercadoria das coleções anteriores ou com leves defeitos. E se a maioria das compras é por impulsos,
acumula-se por medo de precisar no futuro e por razões afetivas como a Xuxa. Várias
vezes foi mostrado, pela imprensa, que a eterna Rainha dos Baixinhos construiu
uma casa somente para guardar memorabilia,
os presentes dados pelos fãs. Que
meigo!
Após este longo período de isolamento social, temo
que ao retomar minha vida normal, eu não consiga controlar o meu impulso de
compras e gastar tudo o que consegui economizar em quinquilharias. Espero
manter firme o meu propósito de fazer uma viagem, mesmo que seja apenas um bate
e volta. Veremos!!!
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