terça-feira, 2 de junho de 2020

Diário do isolamento social- 77º dia

               
            Despertei-me com o som do vento do oeste em minha janela e com ele veio o frio e  uma chuva fina e constante o que fez desaparecer a vontade de sair  da cama e iniciar as atividades domésticas, sempre as mesma limpar a casa e preparar os alimentos, sentar à mesa sozinha e esperar  o lento passar das  horas, que nestes dias de confinamento parece ser mais longas. Não há como negar! Estou triste e solitária a esperar...
            Estou sozinha, olhando pela janela a chuva que cai silenciosamente e que não irá abastecer o lençol freático porque a  capital dos Bandeirantes é uma metrópole impermeável; a água irá  escorrer pelas ruas até um bueiro e de lá  seguirá rumo aos rios.  Frio de inverno em pleno outono. Entardecer triste e bucólico e não há como  afastar da mente os pensamentos da infância feliz  quando as palavras pandemias  e isolamento social não eram conhecidas e não é necessário revolver os neurônios para retornar aos idos tempos   e sentir o aroma do café passado em um coador de pano   e do bolo de fubá  que acabara de  sair do forno. Que saudades do colar da lenha queimando, no fogão a lenha,  que aquecia toda a cozinha, o lugar preferido da criançada quando a temperatura caia um pouco. Lá ficávamos brincando até o horário de dormir e a alegria maior era quando nosso pai chegava do trabalho, faminto, cansado e suado, mas com disponibilidade para contar  como fora  o seu dia e ouvir as reclamações de nossa mãe, sobre as nossas peraltices.
            Observo com alegria a chuva tamborilando no telhado e escorrendo pela janela e assim vai lavando  a poeira decorrente dos meses de estiagem e faz o trabalho de limpeza para mim. O brilho das folhas das árvores parece agradecer a água que  mata a sede de suas raízes e parecem felizes a balançar ao sabor do vento que sopra gelado e suave. Neste silêncio, fico a imaginar  que bom seria se nós tivéssemos a capacidade de ouvir  o som da grama  a crescer e das flores a desabrochar. Vez ou outra, ouço  o pio distante de um pássaro, o miado de um gato solitário que deve estar  distante de casa e sem disposição para  molhar o pelo brilhante.  Em meu ângulo de visão, percebo que a natureza agradece o trabalho das nuvens em  saciar  a sede da terra. E eu, como  milhares de brasileiro estou triste, sem conseguir externar alegria  e gratidão  ao céu que faz com que  os ciclos das estações acontecem naturalmente, independente da pandemia.
            A tarde se vai e com elas as doces lembranças de uma época em que vivi no seio de uma família  ruidosa. Todos já se foram. A solidão é a companheira inseparável de quem vive muito e  se não fosse as lembranças do que se viveu, ninguém suportaria o peso dos anos. As recordações doem no  coração, mas acalentam a alma.
            É outono! Mas o outono mais triste que já vivi porque estou em isolamento social e sem perspectiva de que tudo volte ao normal antes do inverno que se iniciará em 20 de junho. É assustador passar o outono inteiro  em quarentena!  A natureza está se preparando para o repouso do inverno e os seres humanos na esperança de  andar livremente pela cidade, observar as folhas secas no chão, sentir o cheiro das árvores e o ritmo alucinante da   maior metrópole da América do Sul e dentro desta aceleração,  encontrar subitamente um beija-flor em busca de uma flor para saciar a sua fome, quiçá  também poder apreciar os voos suaves das borboletas coloridas em contrastes com o cinza  do asfalto. A natureza está fechando  um ciclo para iniciar outro e eu tenho a esperança que este ciclo de quarentena se feche logo e que nunca mais se repita  nesta proporção  gigantesca.  A única certeza que temos é que estamos aqui de passagem e devemos fazer com que esta estadia seja uma experiência bela e valiosa.  Aqui chegamos de mãos vazias e assim  voltaremos ao pó, de onde viemos. Para a derradeira morada, levamos apenas as  nossas lembranças e o passaporte de nossas  ações, boas e más.
Terça-feira, 02 de junho de 2020
Temperatura-22º
Umidade relativa do ar:74%

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