domingo, 14 de junho de 2020

Diário do isolamento social - 89º dia

                                 São nove horas e trinta minutos e  ainda estou com a luz acessa porque o céu está coberto  por densas nuvens escuras e uma garoa fina cai sem cessar. Faz frio e eu estou só neste domingo e imersa em pensamentos que recusam   a resgatar as lembranças dos tempos anteriores a pandemia e que parecem tão distantes, quase três meses em quarentena e tenho a sensação de que são trinta anos. Longos   tem sido os dias e as noites!
            Eu penso naquelas  mães que assim que abriu o comércio, saíram  ás compras ávidas por encontrar roupas boas e baratas para os pequenos que cresceram e já não tinham mais o que usar e com as mudanças repentinas do tempo, uma característica marcante da capital dos Bandeirantes, os pequerruchos estavam passando frio.  As ruas de comércio popular  ficaram lotadas de sacoleiras, em busca  de mercadorias para tocarem os seus negócios e refazerem as finanças, ambas enfrentaram  transporte lotado, aglomerações correndo o risco de se contaminarem e levarem o maldito vírus para a  família, mas a vida precisa seguir os seu curso, o que elas podiam fazer? São mulheres/mães que lutam até  exaurirem suas forças pelo bem da família!
            Eu penso nos   lojistas e proprietários de shopping que  já estão autorizados a funcionar apenas quatro horas por dia e com  normas sanitárias mais rígidas do que as hospitalares, será que eles  tem condições de arcar com os custos de todos dos insumos exigidos e mais  os funcionários para controlarem a entrada de pessoas e uma característica  tradicional dos paulistanos é o apreço por uma volta em shopping apenas para arejar a cabeça.
            Eu penso nos manifestantes que independente do tempo e da quarentena saem às ruas para protestarem contra ou a favor do governo, lotam a av. Paulista,  o Largo da Batata, o Vale do Anhangabaú, com cartazes e gritando palavras de ordens. Quais serão os cuidados que eles tomam ao regressaram  aos seus lares?  Eles que, dentro de sua convicção, acreditam estar lutando pelo  bem de todos, será que ao chegar em casa, eles deixam os sapatos na entrada, tomam banho,  lavam a roupa, a máscara, desinfetam as maçanetas, os sapatos, bolsas e carteiras? Estar em um grupo gritando palavras de ordem  é fácil, difícil é o cuidado diário para se proteger e  proteger o próximo,  a rotina de estudo, trabalho, prática religiosa, a solidariedade diária. Palavras o vento leva, mas as atitudes diárias transformam.
            Eu penso  naqueles que   estão preocupados em aumentar a frota de táxis adaptados para pessoas portadoras de necessidades especiais e fico a indagar se  os passageiros em potencial terão condições financeiras para arcar com os custos deste meio de transporte e poder enfim, usufruir do direito   de ir e vir com mais conforto? Os taxistas  são uma das categorias mais prejudicadas pela pandemia, será que há profissionais  em condições de  rodar com um veículo adaptado?
            Eu penso naqueles  25.000 advogados que estão entrando com pedidos a O.A.B, solicitando um auxílio de R$100,00, porque estão em dificuldades financeiras. Outrora, ser advogado era símbolo de status social e boa conta bancária e hoje, estão em situação de penúria em decorrência do fechamento da economia e escassez de clientes. Fome e incerteza ronda  até as famílias dos universitários!
            Eu penso nas vítimas dos falsos médicos que estão atuando em hospitais e atendendo  pacientes  com sintomas de  Covid-19.  Onde está a falha no departamento de recursos  humanos  que não percebe que o profissional não dispõe dos conhecimentos necessários para assumir a função e que os documentos são falsos? O hospital  do Irmã Dulce, em Praia Grande, SP, contratou um profissional que clonou  os documentos de um oftalmologista   que trabalha em Bogotá, Colômbia, e assinou o atestado de óbito de um paciente, que segundo ele, morreu em decorrência da Covid-19.  O paciente poderia ter  sobrevivido  se  tivesse sido atendido por   um médico  autêntico porque o protocolo da cidade é eficiente, o número de cura  é de 92% e vai saber se os 8% de  óbitos são de responsabilidade deste falso médico?
            Eu penso na irresponsabilidade e ganância dos profissionais  de alguns cemitérios  de São Paulo que, mediante propina de aproximadamente R$3.500,00 , permitem velórios abertos aos familiares de vítimas do coranavírus.  Tanto os que pagaram quanto os que receberam estão errados. Será que a dor da perda do ente querido  é  grande ao ponto de proporcionar o discernimento da família que eles podem ser os próximos se insistirem em  desrespeitar as normas de  prevenção estipuladas por epidemiologistas, virologistas e médicos?
 Com os armários vazios e sem a possibilidade testar novas receitas e com  as ruas lotadas de pessoas sem máscaras e meliantes ávidos para atacar aposentados, pensar e esperar o fim desta quarentena  sãos as únicas coisas que estão verdadeiramente à minha disposição.
Domingo, 14 de junho de 2020 
Temperatura: 22º graus
Umidade relativa do ar 67%  e  lá fora continua a garoa fina
           

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