domingo, 26 de abril de 2020

Diário do isolamento social- 40 dia

                                    Domingo, 26 de abril de 2020, 19h30minutos, temperatura de 76º graus e  umidade do ar 69% e já está findando o meu quadragésimo  dia de isolamento social e não tem sido fácil. A rotina massacrante absorve a conta gotas a minha  vontade de viver  porque tudo é tão repetitivo: ver TV, ouvir rádio,  jornais, redes sociais. Admito que eu ainda não entrei em processo depressivo graças aos vídeos da palestrante Márcia Luz; nestas duas  últimas semanas, tenho assistido  religiosamente um, e graças a sua autoconfiança e sua  inabalável crença no poder da gratidão, eu estou reagindo ao ócio e a solidão. Márcia Luz faz perguntas instigantes  e algumas delas, abriu a porta secreta de meu  coração, onde estavam armazenados a mais de 50 anos, ingratidão e vergonha. Confesso que deixar sair estes dois sentimentos está sendo libertador.  Eu tenho muita vergonha e bastante remorso por ter indo embora da casa de minha cunhada sem me despedir, na calada da noite, como uma ladra. Ela recebeu-me em sua casa, alimentou-me  no momento mais difícil de minha e nada cobrou. Amparou-me  quando  ninguém mais me valeu, nem mesmo meus pais, que têm  o dever moral de amparar-me, porque sou filha deles. Graças aos exercícios de Márcia Luz, este episódio de meu passado vergonhoso  surgiu das trevas e, passados tantos anos, eu não consigo entender porque eu  agi daquela maneira: insegurança?  No anoitecer de minha maturidade, vejo que tudo poderia ter sido tão simples:  bastava dizer  que eu agradecia muito  a acolhida, mas  era o momento de  eu partir, de iniciar nova vida em outra querência.  E  esta não  é a única razão de minha angústia. Durante todo o período que lá morei, eu nunca ofereci uma ajuda em dinheiro para cobrir os gastos com alimentação, água e luz. Meu Deus! Como fui  oportunista e ingrata. Que vergonha! E tem mais! Eu parti e recomecei a vida em outro   rincão e não dei mais noticias.  Sei que ela ainda vive e minha covardia sequer permite que cogite a possibilidade de ir vê-la e pedir - lhe  perdão pelo que eu  fiz.
            Fazendo uma retrospectiva, vejo que a covardia  em  relacionamentos familiares é o meu maior tormento, minha fiel fraqueza. É doloroso perceber, agora, com  mais de sete décadas de vida, que o meu discurso não é compatível  com as minhas ações. Sou defensora do diálogo, mas nunca fui capaz de conversar para resolver os problemas e sempre acabei optando pela fuga e distanciamento da situação e, com esta atitude covarde, feri pessoas boas e solidárias, e o mais triste, acabei com a possibilidade de uma convivência familiar harmoniosa. Se estou sozinha  hoje é porque há muitos anos eu plantei as sementes da solidão.  Estou com um aperto no peito, quero chorar e não consigo. Que bom seria se as lágrimas  rolassem generosamente em meu rosto e pudessem lavar esta angústia que cresce em meu peito.  A quarentena propicia a gente estar a sós com os nossos fantasmas. Que o Deus de Abraão , Jacó e Isaac  derrame suas bênçãos sobre mim e  já que eu não posso mudar o meu passado, que eu  saia uma pessoa melhor deste isolamento social.
Com humildade eu peço perdão  e expresso minha profunda gratidão, embora que tardiamente, querida  cunhada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário