sábado, 27 de abril de 2019

Carta à Afonsina



          Olho o relógio, são dezenove e fico a imaginar você, em frente ao espelho a embelezar-se para ir a uma quermesse  ou  a alguma reunião de filatelistas com o intuito de preencher o seu tempo, o vazio de sua vida sem a minha proteção e  riqueza cultural de  minha família, que você deseja secretamente uma vaga  na aba de meu chapéu e enfim, ter uma ascensão social casando-se comigo já que és  de família pobre e desprovida de saber científico, tanto  é verdade, que sempre que tem que redigir algum texto, envia-me o original pedindo que eu faça a correção porque você  é fruto de escola pública e não lhe foi  ensinado as regras gramaticais mínimas  da forma padrão da língua materna.
          Pessoas como você, que  não tem argumentos para discutir com um letrado como eu, quando se vê sem palavras apela para  a intercessão de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, de São Paulo, padroeiro do estado  e Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade, como se essas entidades, frutos da criação humana tivessem o poder de colocar em sua boa as palavras corretas para vencer uma discussão. E quer saber mais? Não quero a sua companhia nem mesmo para um encontro casual. Eu não compactuo com tradições populares de  rezas, benzedeiras e garrafadas; sou cético, um  homem das ciências exatas, o que eu não impediu-me de ampliar meus conhecimentos em  outras áreas do saber graças as minhas inúmeras viagens pelo mundo, estudos científicos  e convívio com gente de elevadíssimo nível cultural; eu  consigo dialogar sobre qualquer assunto, com qualquer pessoa e você não consegui ir além das noticias vistas nos telejornais, novelas, receitas e  dos  altos preços das verduras nas feiras livres, tanto que fique apreensivo quando soube que frequenta  clube filatélico e fico a imaginar  a pobreza dos diálogos entre os membros  do grupo. Será que eles conseguem discorrer sobre a história da filatelia brasileira?  Já pesquisaram sobre Olho-de-boi? Eu tenho uma coleção de selo valiosíssima  e, se nunca lhe mostrei é porque sei que o seu nível intelectual  não lhe permite compreender  o seu valor cultural e  de mercado. Para ser um filatelista é preciso ter discernimento, disposição para pesquisa e contato com outros apaixonados por este tipo de colecionismo. Vou encerrar porque  tenho   muito trabalho a fazer  porque à noite irei jantar com os meus familiares em um elegante shopping, estes são os lugares que eu frequento. Adeus!  Afrânio



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