segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Vantagem em tudo

                          
            Dora é uma capixaba esperta. Se faz de ingênua, insegura e vítima das  circunstâncias familiares. E assim vai conseguindo um favor aqui, outro ali, e vai levando a vida de maneira mais fácil. Que o digam as colegas de trabalho! Na hora da escrita de um projeto, sempre  está com a cabeça ruim em virtudes dos problemas familiares ou passando mal, consegue   ajuda  e não fica prejudicada em seus vencimentos. Coloca-se sempre a disposição para ajudar  quando precisarem, na realidade, quando aparece a oportunidade de pagar um dos milhares de favores, por incrível que pareça, sempre é o dia da consulta do filho ou dos pais idosos e, as vezes, dela.
            Em ambiente de trabalho, prima-se pela boa convivência, toda pessoa com o mínimo de inteligência sabe que  certas atitudes de  colegas não podem ser comentadas com a melhor amiga, porque ela também tem uma melhor amiga que é a melhor amiga de outra e assim sucessivamente. E quando percebem a esperteza de  Dora, procuram se afastar dela e já tem uma desculpa na ponta da língua para  justificar o porque de não poder ajudá-la naquele momento. Como a rotatividade  de profissionais é grande  na empresa que trabalha, sempre há uma próxima vítima,  e não  foi diferente com Rosalina.
            Rosalina era de outra cidade, e  rapidamente Dora se prontificou para ajudá-la no que precisasse, já que moravam perto. Ambas não possuíam carro assim, a recém – chegada ficou feliz em ter alguém para  orientá-la, já que não tinha experiência em cidade grande, com transportes urbanos. Rapidamente ela percebeu que a máxima: “ uma mão lava a outra, não era bem assim.” Na realidade estava mais para:  “ para mim tudo e para você, nada.”  Sempre que telefonava à colega para pedir uma informação sobre um estabelecimento comercial, itinerário de um ônibus, ela prontamente se oferecia para ir com ela.
            Além de  ter que passar na casa dela, esperar  no mínimo  quarenta minutos até ficasse pronta, ainda tinha que ajudar a carregar  a criança, que naquela época estava com dez meses de idade. Tendo quem aliviasse a carga materna, o pior estava por vir, entrava  em todos estabelecimentos verificando preços e novidades, e, na hora da compra, percebia que tinham que retornar, porque a loja mais  barata era uma das primeiras. Somente depois de dar  vazão a sua gana  de economia, é que  Rosalina podia, enfim, resolver as  questões,  que de fato, motivaram a ida ao centro da cidade.
            O suplício de  Rosalina começou de fato, quando Dora descobriu que ela tinha computador e internete. Telefonava nas horas mais improváveis pedindo que digitasse algum documento, que  fizesse uma pesquisa  e o pior, que passasse os pedidos da Avon,  tudo  de última hora.  Sem avisar,  chegava pedindo para deixar o bebê sob sua responsabilidade enquanto ia ao mercado, farmácia,  Casa Lotérica  e muito mais, tudo em nome da amizade.
            Rosalina  teve certeza que a solidariedade delas era de mão única quando    tirou licença médica , diagnosticada com dengue. Ficou prostrada na cama, com fortes dores, febre alta e sem família na cidade. Ao notar a ausência da colega, Dora telefonou para  saber  o motivo da falta, porém, não se ofereceu  para ajudá-la com a documentação necessária para conseguir licença, acompanhá-la à perícia   e não apareceu para fazer uma visita.
            A solidariedade é uma  das maiores virtudes humanas, deve ser incentivada, porém, ela deve ser recíproca. Não de deve confundir  favor, com exploração, com levar vantagem em tudo.    

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