Dulce era diferente das outras moças da década de 1970, porque sempre lutara para ter uma vida financeiramente
independente. Se revoltava ao ver sua mãe ter que pedir dinheiro até para tomar um sorvete. Achava uma
humilhação! Diferente das irmãs que
tinham por meta, casar e ter muitos
filhos, ela dizia: “ primeiro o
trabalho, a casa própria e depois o
marido” E os filhos? Segundo ela, era
uma decisão a ser tomada a dois em um
futuro distante.
Dulce
conheceu um rapaz divorciado, dois filhos,
dez anos mais velho que ela. Era
aquele tipo, bom de papo, carinhoso, situação financeira estável, porém,
logo nos primeiros encontros, ela percebeu a
sua instabilidade emocional e
prepotência, isto sem falar na mania de grandeza. Como estava só levou o namoro por uns dois anos, até que
ele terminou o relacionamento, porque
mamãe a achava moderna demais, para ser esposa
dele e fazer parte de sua tradicional família. Detalhe interessante: Os
dois nunca conversaram sobre casamento, vida a dois, filhos, apenas passeavam, iam ao cinema, se divertiam.
A jovem era
moderna, mas também muito amorosa e
apegada aos seus e tudo fazia por eles, e, amor e uma cabana, nunca fora a sua filosofia de vida. Caso encerrado seguiu sua vida e quando alguma amiga
se referia a ele, prontamente perguntava: O Falecido? Para ela, ele era
passado, morto e enterrado.
Mas um dia, ele
surgiu do túmulo fictício para comunicar o falecimento do seu primogênito.
Ela não sabia o que a chocou mais: A
morte do jovem ou a maneira como ela foi comunicada, pelo próprio pai. O texto da missiva parecia noticia de
jornal, exaltando os feitos profissionais do filho e explicando que não iria comparecer ao
velório e missa de sétimo dia porque
eles não se falavam há anos, desde a
adolescência, quando este o expulsou de
casa, porque o rebento não estava acatando às suas ordens. Dulce ficou
estarrecida! Embora fosse uma defensora dos direitos femininos, ela acreditava
que os laços de sangue não deviam ser rompidos e, nas dificuldades, deveriam se
ajudar mutuamente.
Lembrou de sua
irmã quando sofreu um aborto espontâneo, em estado adiantado de gravidez, de um
bebê deficiente físico; nem a consciência das dificuldades que a criança teria ao longo da vida,
abrandou o sofrimento dela, pela perda
do filho. Lembrou do acidente em que faleceu a sua tia. A sua avó chorou
por anos a fio a partida prematura da filha. Chorava e dizia: “ Não existe dor maior do
que enterrar um filho” Ao longo da vida,
pela característica do seu trabalho, Dulce conviveu com mães que sepultaram
seus filhos que, aos olhos da razão, a
morte foi o melhor para a criança, em virtude das condições em que seria
criada e jamais uma delas, comunicou-lhe o falecimento
com tanta frieza e até um certo
exibicionismo.
Recuperada do
trauma, ela compreendeu porque, intuitivamente, após romper o namoro, ela lhe
deu a alcunha de “Falecido.” Não há como amar e conviver com um homem que não
cumpriu com a responsabilidade de pai, que preferiu abandonar a educar. Assim,
refletia Dulce.
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