quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O comunicado

                       Dulce  era diferente das outras  moças da década de 1970, porque  sempre lutara para ter uma vida financeiramente independente. Se revoltava ao ver sua mãe ter que  pedir dinheiro até  para tomar um sorvete. Achava uma humilhação!  Diferente das irmãs que tinham  por meta, casar e ter muitos filhos,  ela dizia: “ primeiro o trabalho,  a casa própria e depois o marido”  E os filhos? Segundo ela, era uma decisão  a ser tomada a dois em um futuro distante.
            Dulce conheceu um rapaz divorciado, dois filhos,  dez anos mais velho que ela. Era  aquele tipo, bom de papo, carinhoso, situação financeira estável, porém, logo nos primeiros encontros, ela percebeu a  sua instabilidade emocional e  prepotência, isto sem falar na mania de grandeza. Como estava só  levou o namoro por uns dois anos, até que ele  terminou o relacionamento, porque mamãe a achava moderna demais, para ser esposa  dele e fazer parte de sua tradicional família. Detalhe interessante: Os dois nunca conversaram sobre casamento, vida a dois, filhos, apenas  passeavam, iam ao cinema, se divertiam.
            A jovem era moderna, mas também muito amorosa e  apegada aos seus e tudo fazia por eles, e, amor e uma cabana, nunca fora a sua filosofia de vida. Caso encerrado seguiu sua vida e quando alguma amiga se referia a ele, prontamente perguntava: O Falecido? Para ela, ele era passado, morto e enterrado.
            Mas um dia, ele surgiu do túmulo fictício para comunicar o falecimento do seu primogênito. Ela  não sabia o que a chocou mais: A morte do jovem ou a maneira como ela foi comunicada, pelo próprio pai.  O texto da missiva parecia noticia de jornal,  exaltando os feitos  profissionais do filho  e explicando que não iria comparecer ao velório  e missa de sétimo dia porque eles não se falavam há  anos, desde a adolescência, quando este  o expulsou de casa, porque o rebento não estava acatando às suas ordens. Dulce ficou estarrecida! Embora fosse uma defensora dos direitos femininos, ela acreditava que os laços de sangue não deviam ser rompidos e, nas dificuldades, deveriam se ajudar mutuamente.
            Lembrou de sua irmã quando sofreu um aborto espontâneo, em estado adiantado de gravidez, de um bebê deficiente físico; nem a consciência das dificuldades  que a criança teria ao longo da vida, abrandou o sofrimento dela, pela perda  do filho. Lembrou do acidente em que faleceu a sua tia. A sua avó chorou por  anos a fio  a partida prematura da filha.  Chorava e dizia: “ Não existe dor maior do que enterrar um filho”  Ao longo da vida, pela característica do seu trabalho, Dulce conviveu com mães que sepultaram seus filhos que, aos olhos da razão, a  morte foi o melhor para a criança, em virtude das condições em que seria criada  e  jamais uma delas, comunicou-lhe o falecimento com tanta frieza  e até um certo exibicionismo. 
            Recuperada do trauma, ela compreendeu porque, intuitivamente, após romper o namoro, ela lhe deu a alcunha de “Falecido.” Não há como amar e conviver com um homem que não cumpriu com a responsabilidade de pai, que preferiu abandonar a educar. Assim, refletia Dulce.

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