segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

João do Cerrado

                           Sô João é dos antigos. Nasceu na década de 1930, não sabe precisar bem o ano. Naqueles tempos, não se registrava as crianças ao nascer; eram somente batizadas, tão logo  terminava o resguardo da mãe. Freqüentou a escolinha rural, multisseriada, até o 3º ano. Aprendeu a ler, escrever e é melhor nas  contas do que muitos  universitários e olhe que ele faz de cabeça. Embora  com pouco estudo, quando o assunto é o cerrado, sabe mais até do que muitos especialistas no tema. Aprendeu empiricamente e também com seu o pai, avô e o bisavô, todos criados na lida do campo, sempre em harmonia com a natureza.
Em sua pequena propriedade, da  qual ele retira o sustento da família, nunca precisou de  leis ambientais para preservar  as espécies nativas  e as  nascentes. “ Cuidar para não faltar” é o lema da família, transmitido de geração em geração. Diferente da  maioria das pessoas, que tem animal de estimação, Sô João tem árvores de estimação. Ele se preocupa com a preservação de todas as espécies, mas o seu coração  pulsa forte é pelos  pequizeiros, abundantes em sua gleba e que já foram defendido à bala, pelo seu avô, quando madeireiros tentavam  derrubá-las  na calada da noite e  vender a madeira  clandestinamente para  a construção civil. Quando os  pequis estão maduros, ele abre as porteiras para as pessoas de baixa renda colherem os frutos e aumentarem a sua renda, garantindo assim, a compra do material escolar das crianças e outras despesas.
Em sua simplicidade, ele diz que o cerrado, o segundo maior bioma nacional, é a caixa d’água do Brasil,  é o berço das águas, já que abriga várias nascentes  que beneficiam grandes rios, entre eles o Velho Chico, o rio da integração nacional. E para ter  este recurso em abundância, é preciso ter centenas de  milhares de árvores nativas. Cientificamente, ele não sabe explicar, mas tem  firme convicção que,  menos  árvores é igual a menos água para todos, menos alimento e menos energia elétrica.
Tem coisas   que estão além  da compreensão do Sô João, por exemplo: Os jovens, após  um período mínimo de nove anos estudando, deixam  a escola sem conhecer a importância do cerrado como fonte de recursos hídricos, biodiversidade de fauna e flora,  e que o desperdício  comum, das populações urbanas,   tem reflexos  diretos no campo. Ele costuma dar exemplos, como estes: Se  espécies como angico, aroeira, cedro, peroba, jacarandá, ipê, vinhático, e outras,  são utilizadas na construção civil, indústria moveleira, fabricação de instrumentos  musicais entre outros objetos utilitários; então  a responsabilidade da preservação, do que resta do cerrado original,  é  de todos; como exemplo se o jovem músico, cuida de seu instrumento, ele durará mais. A máxima vale também para os móveis. Trabalhadores da construção civil,  que    preocupam –se em reduzir e reutilizar a madeira,  também estão contribuindo para  diminuir o desmatamento.
Outro ponto que o Sr João também não compreende é porque o fruto  do cerrado não é largamente utilizado na gastronomia urbana. Por que as pessoas da cidade preferem  alimentar-se dos frutos que foram introduzidos  em vez de se deliciarem com o sabor marcante do pequi e do jatobá, ambos de riquíssimo teor nutricional.
A exploração dos frutos do cerrado na  gastronomia urbana, contribui na redução do desmatamento, porque são espécie nativas e o manejo da agricultura sintrópica se torna  mais fácil, e também  reduz  a quantidade de agrotóxicos, consequentemente, aumenta-se a produção de mel silvestre, com o retorno das abelhas, que são vítimas  dos inseticidas utilizadas nas lavouras.
Como diz o  Sô João,  “É de responsabilidade do Poder Público zelar  pelo bem estar na nação. Mas também é dever de todos fazer a sua parte. Onde está a falha? Por que as pessoas se distanciaram tanto da natureza? Se  na escola  lhes foi ensinado que o cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, porque não fazem a sua parte para preservá-lo?” Ele sempre se pergunta! Informação  somente não basta, é preciso atitude!
Um dos caminhos para a preservação do bioma deve começar no seio da família, ensinando os filhos a consumirem frutos nativos. A igreja, que sempre promove quermesses para angariar fundos, também deve ter uma barraca de produtos típicos da região. A escola, por onde passa todas as crianças, deve ser uma incentivadora, não somente com a  informação intelectual, mas com atitude e exigir do Estado ou Município, a introdução  dos frutos do cerrado na merenda escolar. A popular em geral, deve exigir de seus governantes, que criem  incentivos aos  produtores rurais e indústrias alimentícias para que possam explorar  o potencial  gastronômico do cerrado, de maneira mais natural possível,   visando o bem comum.
Embora com quase noventa anos, Sô João costuma dizer  que  vem do cerrado a sua força e desejo de viver. É lá que retira grande parte de seu alimento   e  é lá também que  encontra-se a sua farmácia e que as  Universidades devem pesquisar mais as espécies medicinais e juntos com a indústria farmacêutica nacional, curarem as dores da nação.  Na visão  de  Sô João,   é preciso que   a nação brasileira entenda que o cerrado não precisa o homem, mas o homem precisa dele e, preservá-lo  é  uma necessidade, para a continuidade da espécie  humana, porque sem água e alimento ninguém sobrevive.  E o pequizeiro? È o ouro do cerrado!  Isto já diz tudo.

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