Hoje, 22 de julho de 2024, Clara e Helena partiram
juntas em direção ao velho casarão herdado de seus pais. A casa, mergulhada em
um inventário interminável e necessitando de uma reforma urgente, permanecia
indisponível para locação. Situada em um bairro periférico, na rota do tráfico,
Clara nunca ousava ir sozinha; assim, dependia da companhia de Helena, que
ficava no quintal, vigilante, observando qualquer sinal de perigo.
No universo dos mais pobres, possuir um casebre já
é sinônimo de riqueza, e esse era o caso delas. Ninguém ponderava que, dividida
entre tantos herdeiros, a herança mal daria para comprar uma bicicleta nova.
Mas, com a economia do país cambaleando, qualquer real recebido era um lucro
inesperado.
O suplício começou cedo, quando Clara passou na
casa de Helena. Helena resmungava sobre o horário, o frio matinal que lhe
cortava a pele. Clara sugeriu um casaco, mas Helena recusou veementemente,
convicta de que o calor da tarde dissiparia qualquer frio.
Ao adentrarem a casa, foram recebidas por uma nuvem
de poeira, traças nas paredes, aranhas no teto e fezes de morcego no chão. A
magnitude do esforço necessário para a limpeza se revelava ali, em cada canto
escuro e empoeirado. As chaves, emaranhadas em confusão, adicionavam uma camada
extra de frustração à tarefa.
Enquanto Clara se dedicava à limpeza e à
organização, Helena perambulava pela casa e quintal, em busca de algo que
pudesse levar. Alguns móveis e utensílios domésticos dos pais ainda não tinham
destino certo. Clara, paciente, separava o que podia ser doado e o que só
servia para o lixão. Entre tantas coisas, encontrou uma jarra de plástico bem
conservada e separou para si. Mas Helena, sem uma palavra, apoderou-se da
jarra, enchendo-a com itens do quintal, com uma naturalidade que assustava
Clara.
Foi nesse instante que Clara compreendeu a
transformação de Helena. Ela se tornara o espelho do que mais criticava no
vizinho que vivia à direita da casa, aquele que recolhia tudo por pura cobiça,
acumulando inutilidades em seu lar. A percepção desse reflexo entre Helena e o
vizinho trouxe uma tristeza silenciosa ao coração de Clara, enquanto continuava
seu trabalho, imersa na poeira do passado e nas
sombras do presente.
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