quarta-feira, 24 de julho de 2024

Pó de memórias

                   

Hoje, 22 de julho de 2024, Clara e Helena partiram juntas em direção ao velho casarão herdado de seus pais. A casa, mergulhada em um inventário interminável e necessitando de uma reforma urgente, permanecia indisponível para locação. Situada em um bairro periférico, na rota do tráfico, Clara nunca ousava ir sozinha; assim, dependia da companhia de Helena, que ficava no quintal, vigilante, observando qualquer sinal de perigo.

No universo dos mais pobres, possuir um casebre já é sinônimo de riqueza, e esse era o caso delas. Ninguém ponderava que, dividida entre tantos herdeiros, a herança mal daria para comprar uma bicicleta nova. Mas, com a economia do país cambaleando, qualquer real recebido era um lucro inesperado.

O suplício começou cedo, quando Clara passou na casa de Helena. Helena resmungava sobre o horário, o frio matinal que lhe cortava a pele. Clara sugeriu um casaco, mas Helena recusou veementemente, convicta de que o calor da tarde dissiparia qualquer frio.

Ao adentrarem a casa, foram recebidas por uma nuvem de poeira, traças nas paredes, aranhas no teto e fezes de morcego no chão. A magnitude do esforço necessário para a limpeza se revelava ali, em cada canto escuro e empoeirado. As chaves, emaranhadas em confusão, adicionavam uma camada extra de frustração à tarefa.

Enquanto Clara se dedicava à limpeza e à organização, Helena perambulava pela casa e quintal, em busca de algo que pudesse levar. Alguns móveis e utensílios domésticos dos pais ainda não tinham destino certo. Clara, paciente, separava o que podia ser doado e o que só servia para o lixão. Entre tantas coisas, encontrou uma jarra de plástico bem conservada e separou para si. Mas Helena, sem uma palavra, apoderou-se da jarra, enchendo-a com itens do quintal, com uma naturalidade que assustava Clara.

Foi nesse instante que Clara compreendeu a transformação de Helena. Ela se tornara o espelho do que mais criticava no vizinho que vivia à direita da casa, aquele que recolhia tudo por pura cobiça, acumulando inutilidades em seu lar. A percepção desse reflexo entre Helena e o vizinho trouxe uma tristeza silenciosa ao coração de Clara, enquanto continuava seu trabalho, imersa na poeira do passado e nas sombras do presente.

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