Sob o manto do tempo, em um dia frio de julho, a figura da herança se desdobrou diante dos olhos de duas irmãs. A casa velha, legada por seus pais, erguia-se como um relicário de memórias e sombras. O inventário, como um pergaminho envelhecido, clamava por atenção, mas a reforma, como uma epopeia esquecida, permanecia à margem.
Era uma
morada periférica, nos confins da cidade, onde os ventos sussurravam segredos e
os muros guardavam cicatrizes. Na rota do tráfico, a casa se encolhia,
temerosa, enquanto os herdeiros, como personagens de um drama barroco, dançavam
entre o medo e a necessidade.
A irmã,
sempre vigilante, mantinha-se no quintal, olhos atentos à aproximação de
qualquer ameaça. Ela era o escudo, a sentinela das sombras. Enquanto isso, a
irmã, no interior da casa, enfrentava o pó e a decadência. Traças dançavam nas
paredes, aranhas teciam teias como fios do destino, e fezes de morcego
manchavam o chão como versos obscuros.
As
chaves, como símbolos enigmáticos, resistiam à identificação. Cada porta
guardava segredos, e o esforço para desvendá-los era como decifrar um enigma
divino. A irmã, impaciente, percorria os cômodos, ávida por algo que pudesse
carregar consigo. A irmã, solitária em sua tarefa, separava móveis e
utensílios, como um alquimista dividindo elementos em busca da pedra filosofal.
E ali, no
limiar entre o passado e o presente, a jarra plástica emergiu como um artefato
sagrado. Com tampa intacta, ela brilhava como uma relíquia. A irmã a separou,
sem saber que a irmã, como uma bruxa gananciosa, já a enchia com fragmentos do
quintal. Coisas sem valor, mas carregadas de cobiça.
E assim,
na penumbra da casa velha, o drama se desenrolava. As herdeiras, como
personagens de uma tragédia, enfrentavam a ganância e a decadência. A jarra,
agora repleta de insignificâncias, era o símbolo de suas vidas fragmentadas. E
o barroco, com suas curvas e excessos, tecia a teia do destino, onde a casa
velha, como um altar profano, aguardava sua redenção ou sua ruína.
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