segunda-feira, 22 de julho de 2024

Crônicas de um edifício anônimo

             Sob o céu de concreto, nos prédios populares, a vida dança no fio tênue entre segurança e incerteza. Cada passo no corredor é um compasso na sinfonia dos vizinhos, e o que se desenrola ao lado reverbera em nosso próprio espaço.

No apartamento contíguo, o gás escapa em suspiros silenciosos, e o cheiro se infiltra pelas frestas. Panelas de pressão estouram como trovões domésticos, ecoando histórias de pressa e descuido. E os vazamentos ocultos, esses fantasmas líquidos, sussurram segredos nas paredes, infiltrando-se como intrusos indesejados.

Os incêndios, como brasas adormecidas, aguardam o momento certo para se inflamar. Não ousamos mencioná-los, pois o medo é um fogo que arde sem chama aparente. E os arrastões, as brigas apaixonadas, são dramas que se desenrolam nas sombras dos corredores, como atos de uma peça trágica.

E a insônia, essa companheira noturna, nos visita com seus olhos insondáveis. Deitamos sob lençóis finos, temendo que o sono seja um abismo do qual não retornaremos. A certeza do repouso é um luxo reservado aos que habitam outros mundos, enquanto nós, inquilinos da urgência, nos equilibramos na corda bamba entre o sono e a vigília.

Assim, nos prédios populares, a vida se desdobra em capítulos anônimos, e cada porta guarda segredos que jamais serão contados.

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