quarta-feira, 17 de julho de 2024

A Cassandra ignorada

 

Sempre estive certa, mas perpetuamente ignorada. É como se eu carregasse a maldição de Cassandra de Troia: o dom da previsão concedido por Apolo, apenas para ser recebido com descrença. Nos aconchegos familiares, minhas intuições eram toleradas, mas no âmbito profissional, meus alertas causaram perdas substanciais, e minha frustração cresceu.

A saga começou com um vazamento oculto, uma gota insidiosa que ameaçava os alicerces de nosso condomínio. Implorei ao síndico, sempre ocupado, que prestasse atenção. ‘Contratem um engenheiro civil qualificado’, implorei. Mas eles escolheram outro caminho, favorecendo seus comparsas: os autoproclamados bombeiros hidráulicos. Sua gambiarra não segurou água, literalmente.

E então, o Corpo de Bombeiros—sentinelas vigilantes da segurança dos edifícios—chegou. Seus olhos treinados escanearam nossas paredes, seus instrumentos detectando uma teia de problemas. Eles emitiram ultimatos: ‘Resolvam isso ou enfrentem consequências.’ Mas nossos cofres condominiais estavam vazios, sem fundo de reserva.

Por que isso aconteceu? Porque eu, a persistente Cassandra, fui silenciada. Desde o dia em que adquiri minha unidade, advoguei por um fundo de contingência. ‘Preparem-se para emergências’, implorei em todas as reuniões do condomínio. Mas minha voz ecoava em uma câmara vazia.

Quando o vazamento eclodiu, fiquei sozinha, lançando meu voto a favor de um verdadeiro profissional. Mas a maioria zombou, ignorando meu apelo. Agora, enquanto o prazo do Corpo de Bombeiros se aproxima, corremos para encontrar recursos, nossas paredes ainda chorando.

Talvez eu seja amaldiçoada—uma Cassandra moderna, minhas profecias caindo em ouvidos moucos. Mas me recuso a ser silenciada. Da próxima vez, gritarei mais alto, escreverei com mais ousadia e lutarei pelas ameaças invisíveis que rondam nosso refúgio."

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