segunda-feira, 9 de março de 2020

Seis décadas de ilusão

               Hoje, 09 de março de 2020,  o sol brilha intensamente e faz calor. Rosalina olha pela janela e sente-se desanimada  para sair em busca de algo especial para o almoço, mesmo sozinha, ela deseja comemorar o 60º  aniversário natalício.  Sem querer, sua mente é invadida com a  lembrança de sua mãe, relatando-lhe a  madrugada fria e chuvosa em que ela veio  ao mundo à luz de uma lamparina, condição está que deixou  mais difícil o trabalho da também inexperiente comadre, que por  sorte, pedira pouso porque não conseguiria chegar em seu casebre, com todo o lamaceiro   decorrente de  dias de chuvas fortes e contínuas. Duas mulheres lutando sozinhas para trazer ao mundo  uma criança que teria como marca em todas as décadas de sua  vida, dificuldades a serem enfrentadas  e sempre sozinha.
            A primeira década da vida de Rosalina,  aos olhos de terceiros, parecia perfeita. Morava em uma boa casa com seus pais,  que  apesar de pobres, eram trabalhadores e honrados. Mas a  criança não era feliz, trazia dentro do peito  uma angústia indescritível, um desejo inexplicado  de  partir e percorrer outros caminhos, de voltar falando outro idioma e surpreender a todos a com a sua inteligência e experiência de mundo. Às voltas com a sua infelicidade interior, nunca percebeu a beleza da paisagem á sua volta e das fortes relações de afeto  que a envolviam. Sempre a desejar  o que estava além das montanhas.
            Na segunda década da vida de Rosalina, suas angustias   e dores existências  atingiram o ápice, tudo  à sua volta  parecia-lhe feio e antiquado e já não conseguia concentrar nos  estudos,   envolver-se com os  tradicionais namoricos da juventude. Ninguém parecia estar á sua altura e de ser capaz de compreendê-la. Sempre infeliz, começou a trabalhar e economizar para mudar para a capital, onde acreditava que viveria feliz e próspera longe de pessoas simples e humildes, com uma visão de mundo limitada, segundo a sua percepção, que também era limitada.
            A terceira década da vida de Rosalina foi marcada pelas  dificuldades de enfrentar a vida sozinha e  de viver  a terrível experiência de ser apenas  mais uma migrante em busca de  uma vida profissional  bem sucedida  e que,  como centenas de milhares  de jovens,  com muitos sonhos, planos e pouco preparo profissional,  enfrentou assédio moral, sexual, traições de colegas, calunias e difamações e o tão sonhado dinheiro e prestígio,  cada dia mais distante.
            A quarta década da vida de Rosalina foi marcada pelo desespero de  ainda conseguir realizar, pelo menos uns dez por centos de seus sonhos de juventude. Procurou preparar-se   para  conseguir um trabalho melhor que lhe rendesse na velhice, pelo menos uma aposentadoria de  um salário mínimo e meio.Trabalhou com afinco,  dentro de suas limitações de tempo e dinheiro,  estudou, mas fez  a escolha errada e não conseguiu nem o dinheiro, nem o prestígio profissional, sentimental e  familiar.
            A quinta década de vida de Rosalina foi  marcada pela angustiante espera  da aposentadoria, com as especulações sobre as mudanças de regime previdenciário, o medo de ter que  pagar pedágio e continuar a trabalhar por mais alguns anos em uma atividade que não lhe proporcionava nenhum prazer, somente dissabores  e de baixa remuneração, assim,  Rosalina foi   parar no consultório das despreparadas psiquiatras  do serviço público e passou a fazer uso diário do tarja preta.
            A sexta década da vida de Rosalina, que se inicia hoje, com certeza, será marcada pela reflexão de suas falhas ao direcionar a sua vida  e pelo erro que cometeu ao menosprezar a importância dos laços familiares e de amizades porque  a espécie humana é grupal e precisa uns dos outros para serem felizes e que dinheiro? Ele traz conforto, facilidade, mas alegria plena, somente é adquirida no convívio diário com  o outro.

Como foram as décadas de sua vida? Deixe aqui os seus comentários.

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