terça-feira, 24 de março de 2020

Diário do isolamento social 7º dia

               
            Apesar do susto de ontem, hoje acordei melhor, sem vestígios de febre e com  mais disposição para efetuar algumas tarefas domésticas. Movimentar me faz muito bem. Lavei tapetes,  varri e  passei pano  com água sanitária,  o apto está um primor. Depois que terminei tudo, a campainha tocou, era o Zelador,  veio entregar o boleto do condomínio e avisar que a reunião para eleição do  novo síndico não foi cancelada, acontecerá no  domingo. Achei um horror! Em um condomínio onde os proprietários são  majoritariamente idosos, reuni-los  em um pequeno recinto fechado, com pessoas   da administrada  é, em meu entender, de uma grande irresponsabilidade. Mas não protestei, estou sem forças para isto, tantos dias dentro de casa  mina as forças de qualquer cidadã acima dos 60 anos. Findo  o trabalho do funcionário, o interfone não parou de tocar, moradores aflitos com a perspectiva de um aumento  do valor do condomínio, nem sei se é pauta Sei  que fui irresponsável ao jogar fora, sem ler a convocação, prestei atenção somente no dia e horário. Fui ingênua, tudo que acontece  no  prédio, recai sobre o meu bolso.
                 O isolamento social fez-me mais observadora da natureza que está ao alcance de minha vista, pela pequena janela do meu quarto. Nunca tinha prestado atenção em quão belo é o céu de abril, um azul único, quebrado aqui e acolá por nuvens brancas e vez  ou outra, cruza a imensidão pássaros felizes, sem a consciência do que a humanidade está  sofrendo, uma pandemia, uma  peste que veio para lembrar- nos que somos seres humanos e que precisamos uns dos outros e, pior, o que acontece a um, recaí sobre todos. Assim é a lei da natureza, somos todos dependentes uns dos outros. A quarentena  aquieta o corpo e acelera a mente, o  pensamento voa e fica difícil acompanhá-lo. Penso no pequeno produtor rural, aquele que prepara a terra, semeia, cuida  e colhe o alimento que nos mantém vivos e de pé. Se o vírus  chegar ao campo  e dizimar a população rural, tão desprovida de assistência sanitária e médica o  que será dos citadinos, como eu, que faz mais de 20 anos que não coloco meus pés sobre  a terra , tudo concreto. Precisamos deles para viver!  Antes do confinamento, nunca tinha refletido seriamente sobre a dependência da cidade do  campo, dos  profissionais dos transportes, dos atacadistas, dos profissionais da saúde, da limpeza urbana, das usinas de energia elétrica, são tantos e tão distantes de nós, mas precisamos deles para  viver. Que assistência estes profissionais   estão recebendo do governo?  Sem eles  todos  perecerão de  inanição ou peste.
            Este inimigo invisível veio para nos  ensinar humildade, de nada adianta o dinheiro, se  não tem a força de trabalho para produzir, e são as pessoas simples,  muitas vezes, com pouco estudo,  que trabalham muito e recebem pouco, a força motriz que faz  girar a roda do capitalismo. A estes profissionais  essenciais, o meu  sincero agradecimento.
            São 18h28min de 24 de dezembro de 2020 Temperatura de 28ª graus, umidade do ar, 57%  e eu estou feliz porque estou viva e assim quero permanecer, sem nenhuma doença, o sacrifício  a de  ser válido.

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