quarta-feira, 25 de março de 2020

Diário do isolamento social - 8º dia

                              Dizem que todas as mudanças trágicas na vida das pessoas   passam por cinco fases e  neste   meu recolhimento  domiciliar  forçado, acredito que já estou na última, a da aceitação. Olhando agora, percebo que passei por todas. A primeira - a  negação. No  início, quando o governo   colocou em quarentena, os brasileiros  resgatados da China, pensei que  não haveria contaminação em massa no país. Não me preocupei em estocar alimentos,  retirar dinheiro no banco. Confesso que fiquei obcecada, ouvindo ás noticias, como a esperar que nada fosse acontecer. Mas aconteceu. Depois veio o segundo estágio – a raiva -  Esta fase começou quando  comecei a  receber mensagens dos  lugares sociais que freqüento, como academia,  avisando que o atendimento estava suspenso temporariamente. O terceiro estágio – a negociação. Aconteceu  comigo mesma, negociando as mudanças   que  precisavam ser feitas para  eu não ser contaminada,  melhorar a minha imunidade e para isto, fez-se necessário trocar comida saborosa por  uma alimentação saudável, novos hábitos de higiene.   O quarto estágio – a depressão – Esta quase  pegou-me, tive uns momentos de terrível desânimo  e  fui salva pelo  livro:  Crônicas do pássaro de cordas, de Haruki Murakami. Fazia tanto tempo que eu não lia um romance, tinha  esquecido de como é bom viajar sem sair do lugar,  em um diálogo  contínuo com  os personagens,  exercitar a imaginação porque  a edição não contém imagens e fico a criar os ambientes em minha mente. Agora estou na última fase, a da aceitação do fato. A pandemia  é uma realidade e eu terei que adaptar-me as orientações dos   governo  e demais profissionais de  saúde.
            Tenho evitado ler mensagem de WhatsApp, porém, uma  mensagem chegou até mim, oriunda de  uma pessoa que não é atuante  em redes sociais, razão pela qual abri e  assisti o vídeo. Era um caminhoneiro, relatando as dificuldades que eles estão encontrando pelas rodovias para conseguir fazer as refeições porque   muitos restaurantes e lanchonetes, estão fechados, alguns estão passando fome, transportando alimentos por este mundão de Deus. Pelo que eu entendi, a Vigilância Sanitária esqueceu  que motorista não é peça do carro, é um ser humano    e precisa se alimentar.
            Hoje  recebi a visita do síndico e do zelador,  eles vieram trazer uma máscara, confeccionada à mão, pela  sua esposa e álcool gel. Apesar da preocupação deles, com os idosos do condomínio, acredito que não será de grande valia, primeiro porque  eu duvido que estas senhoras preguiçosas que aqui residem, irão se preocupa em lavar com sabão e colocar a máscara ao sol, o melhor bactericida que existe, depois, o  álcool, está com o grau inferior ao indicado pelos profissionais da saúde. Mas fique feliz com  o cuidado deles, lembrando que até agora, não recebi uma mensagem de nenhum parente  mais jovem, oferecendo ajuda.  Em meu círculo de amizades a situação é difícil, todas estão acima dos 65 anos de idade, ou seja, vulneráveis.  Aos janeiros, acrescenta-se diabetes, pressão alta,  todas as  doenças terminadas ite, portanto, não podemos cuidar umas das outras. Quanto mais  distante  melhor para todas.
            Os alimentos estão acabando. Verduras não  há uma folha sequer em minha geladeira,  o último ovo,  virou omelete para o  jantar de hoje. A proteína de soja durará somente para duas refeições e abri o último pacote de feijão.  Pão, biscoito, bolachas, leite, nada disso tem mais. Para o café da manhã,   apenas aveia  e água  e café preto.  Amanhã terei que ir ao banco, comprar algum mantimento,  colocar crédito no celular e  pedir o cartão de visita do mercado, que eu, na fase da negação, joguei fora, quando eles gentilmente ofereceram  os serviços de entrega na  redondeza, quando ainda era uma especulação, o isolamento vertical de idosos e demais grupos de risco.  Quando tudo passar, porque vai passar, procurarei as amigas mais espertas do que eu e  pedirei ajuda para aprender  a usar aplicativos de banco, cada dia estarei mais frágil e mais abandonada  pelas novas gerações  e também  pela minha geração que irá para a sua  última morada, a fila está andando.
25 de março de 2020 – 20h02min. Temperatura 28º graus e umidade relativa do ar 56%

Nenhum comentário:

Postar um comentário