Dizem que
todas as mudanças trágicas na vida das pessoas
passam por cinco fases e
neste meu recolhimento domiciliar
forçado, acredito que já estou na última, a da aceitação. Olhando agora,
percebo que passei por todas. A primeira - a
negação. No início, quando o
governo colocou em quarentena, os
brasileiros resgatados da China, pensei
que não haveria contaminação em massa no
país. Não me preocupei em estocar alimentos,
retirar dinheiro no banco. Confesso que fiquei obcecada, ouvindo ás
noticias, como a esperar que nada fosse acontecer. Mas aconteceu. Depois veio o
segundo estágio – a raiva - Esta fase
começou quando comecei a receber mensagens dos lugares sociais que freqüento, como academia, avisando que o atendimento estava suspenso
temporariamente. O terceiro estágio – a negociação. Aconteceu comigo mesma, negociando as mudanças que
precisavam ser feitas para eu não
ser contaminada, melhorar a minha
imunidade e para isto, fez-se necessário trocar comida saborosa por uma alimentação saudável, novos hábitos de
higiene. O quarto estágio – a depressão
– Esta quase pegou-me, tive uns momentos
de terrível desânimo e fui salva pelo livro:
Crônicas do pássaro de cordas, de Haruki Murakami. Fazia tanto tempo que
eu não lia um romance, tinha esquecido
de como é bom viajar sem sair do lugar,
em um diálogo contínuo com os personagens, exercitar a imaginação porque a edição não contém imagens e fico a criar os
ambientes em minha mente. Agora estou na última fase, a da aceitação do fato. A
pandemia é uma realidade e eu terei que
adaptar-me as orientações dos
governo e demais profissionais
de saúde.
Tenho evitado
ler mensagem de WhatsApp, porém, uma mensagem chegou até mim, oriunda de uma pessoa que não é atuante em redes sociais, razão pela qual abri e assisti o vídeo. Era um caminhoneiro,
relatando as dificuldades que eles estão encontrando pelas rodovias para
conseguir fazer as refeições porque
muitos restaurantes e lanchonetes, estão fechados, alguns estão passando
fome, transportando alimentos por este mundão de Deus. Pelo que eu entendi, a Vigilância
Sanitária esqueceu que motorista não é
peça do carro, é um ser humano e precisa se alimentar.
Hoje recebi a visita do síndico e do zelador, eles vieram trazer uma máscara, confeccionada à
mão, pela sua esposa e álcool gel. Apesar
da preocupação deles, com os idosos do condomínio, acredito que não será de
grande valia, primeiro porque eu duvido
que estas senhoras preguiçosas que aqui residem, irão se preocupa em lavar com
sabão e colocar a máscara ao sol, o melhor bactericida que existe, depois,
o álcool, está com o grau inferior ao
indicado pelos profissionais da saúde. Mas fique feliz com o cuidado deles, lembrando que até agora, não
recebi uma mensagem de nenhum parente
mais jovem, oferecendo ajuda. Em
meu círculo de amizades a situação é difícil, todas estão acima dos 65 anos de
idade, ou seja, vulneráveis. Aos
janeiros, acrescenta-se diabetes, pressão alta,
todas as doenças terminadas ite,
portanto, não podemos cuidar umas das outras. Quanto mais distante
melhor para todas.
Os
alimentos estão acabando. Verduras não há
uma folha sequer em minha geladeira, o último
ovo, virou omelete para o jantar de hoje. A proteína de soja durará
somente para duas refeições e abri o último pacote de feijão. Pão, biscoito, bolachas, leite, nada disso tem
mais. Para o café da manhã, apenas
aveia e água e café preto. Amanhã terei que ir ao banco, comprar algum
mantimento, colocar crédito no celular
e pedir o cartão de visita do mercado,
que eu, na fase da negação, joguei fora, quando eles gentilmente
ofereceram os serviços de entrega
na redondeza, quando ainda era uma
especulação, o isolamento vertical de idosos e demais grupos de risco. Quando tudo passar, porque vai passar,
procurarei as amigas mais espertas do que eu e
pedirei ajuda para aprender a
usar aplicativos de banco, cada dia estarei mais frágil e mais abandonada pelas novas gerações e também pela minha geração que irá para a sua última morada, a fila está andando.
25 de março de 2020 – 20h02min. Temperatura 28º graus e
umidade relativa do ar 56%
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