terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Papo em Posto de Saúde

              

          Uma nova cepa do coronavírus assombra os brasileiros, principalmente os mais velhos, que já não podem aconchegar-se  debaixo das asas maternas, porque elas já alçaram voo para além das nuvens. Eles  agora são as asas que abrigam os netos e bisnetos, razão pela qual precisam resistir e com o exemplo, mostrar a importância das medidas  preventivas anunciadas pelo governo e especialistas e que são acessíveis a todos: usar máscara e lavar as mãos com sabão. A rotina está insuportável e o dinheiro escasso. O décimo terceiro foi  pago a  meses e  os ruidosos encontro  familiares não acontecerão, as festividades religiosas reduzidas a 40% do público. A população está orientada a não ir as igrejas, para não se contaminarem e  em todos os lugares os assuntos e as especulações sãos as mesmas:

-Rodízio de carro continua, a pessoa dentro do carro  corre sério risco de se contaminar, mas dentro do transporte público  lotado não?

-  Dentro das igrejas, dos estabelecimentos comércios, com máscara, correm o risco de serem contaminados, mas aglomerados  nas filas dos bancos para receber o auxílio emergencial, nos hospitais e postos de saúde e nas  ruas de comércio popular não?

          Mesmo quando alguém, já cansado do assunto da Covid-19 tenta mudar de assunto, mantém a  temática doença e um corajoso começa a expor o seu drama em busca de atendimento médico com um urologista para ver se precisa operar a próstata ou se o problema será sanado apenas com um tratamento medicamentoso. E  continua a afirmar que  não tem nada a esconder de ninguém, que não é vergonha o homem admitir que está em tratamento, e que não teme qualquer tipo de resultado e diagnóstico.  Alega estar consciente, lúcido e sabe que terá de fazer uma batelada de exames. E, sem  perceber que as pessoas presentes não estão interessadas no assunto, continua com a sua ladainha. O pai morreu aos 77 anos de idade, vitimado pelo câncer de próstata, metástase  generalizada e outras e outras complicações que está  moléstia acarreta aos  demais órgãos, quando espalha pelo organismo. Embora ciente  de sua genética de cancerígenos, não se amedronta, não se apavora porque em sua vida, já enfrentou  várias batalhas, como a Revolução de 1964, a traição, a covardia, a canalhice , a pouca vergonha, a desconsideração,o desrespeito da mulher amada e do amigo de infância, a quem devotava confiança, não, ele não merecia isso, mas superou tudo e agora está pronto para mais uma batalha e de peito aberto e aceitará tudo com resignação, paciência e  que lutará até o seu último suspiro.  Relembrou a fala de seu pai, quando diagnosticado com câncer de próstata. – “ filho, chegou a minha hora, os homens de nossa família  morrem por baixo igual uma panela velha, que o fundo não aguenta mais o calor e fura. Estou como uma panela velha. Um dia será a sua vez, depois de  netos e meus,bisnetos e assim infinitamente. Meu pai era depressivo, eu não, sou forte, valente, lutador, corajoso. A cada dia que passa, minha coragem aumenta, vou respirando fundo e superando, olhando as coisas por outro lado, sem  lágrimas nos  olhos, minha força de vontade vai aumentando e  mostro a todos, que apesar da doença, continuou  o guerreiro de sempre. Eu enfrento e enfrentarei o que der e vier.” Uma pessoa tenta mudar de assunto, fala da possibilidade da  continuidade do auxílio emergencial, mas alguém retoma a exaustiva narrativa do  idoso e pergunta:

- Como estão os preparativos para a cirurgia?

Preparado emocionalmente para dar adeus ao problema e iniciar uma nova fase?

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