sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Crônica de um Quintal Selvagem

 


Hoje acordei com aquele pressentimento típico de quem mora na periferia com quintal grande e árvores frondosas: “Será que hoje é dia de cobra coral?” E não é que era? Acordei, rezei para o Anjo da Guarda, Santo Bento e, por via das dúvidas, considerei incluir São Jorge e Indiana Jones no pacote. Afinal, nunca se sabe quando um filhote de cobra faminta de 25 centímetros vai decidir fazer da sua perna o café da manhã.

A bichinha era magrinha, parecia recém-nascida e com fome. Talvez estivesse só procurando um delivery de roedores, mas acabou topando comigo e meu arrastão de folhas secas. Nosso encontro foi breve, intenso e sem registro fotográfico — porque, claro, eu estava sem celular. Uma pena, pois seria uma ótima prova em caso de denúncia por fogueiras ilegais. Sim, porque aqui, além de enfrentar serpentes, escorpiões e micos acrobatas, ainda temos que lidar com os fiscais de sofá, aqueles que denunciam com a mesma velocidade que esquecem que também fazem fogueiras quando o teiú invade a sala.

A Prefeitura, sempre muito preocupada com o meio ambiente (desde que o meio ambiente não esteja no quintal deles), proibiu as fogueiras. Alegam que o “folheiro” passa uma vez por mês. Uma vez. Por mês. Como se os escorpiões tivessem um calendário e dissessem: “Vamos esperar o caminhão, pessoal, nada de picadas até o dia 30!”

Mas eu, rebelde com causa e com queimaduras leves, fiz três fogueiras. Só de folhas secas, veja bem. Longe da fiação elétrica, com direito a dança da fumaça para espantar as cobras do chão e das árvores. Um ritual de sobrevivência que, infelizmente, não é contemplado nas diretrizes ambientais dos justiceiros de aplicativo.

E antes que alguém sugira: “Por que não coloca patos para  comer os escorpiões?” — já coloquei. Foram roubados. Sim, patos sequestrados. Aqui, até os animais têm que lidar com a insegurança pública. As galinhas-d’angola, coitadas, estão em greve. Não dão conta de comer todos os filhotes de escorpião que nascem aos montes, venenosos e independentes, como adolescentes em férias escolares.

O dia seguiu com um teiú fazendo turismo pelo quintal e uma trupe de micos na bananeira, provavelmente discutindo política ou o preço do mamão. E eu, entre uma fogueira e outra, sigo firme, esperando o próximo capítulo dessa novela selvagem. Quem sabe amanhã não aparece um tamanduá pedindo açúcar?

 

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