Na
periferia, onde o chão é de terra e as noites são povoadas por sons que não vêm
apenas dos vizinhos, mas da própria natureza, aprendi que viver é estar sempre
em estado de alerta. Não se trata de metáfora: as serpentes que cruzaram meu
caminho não eram símbolos de traição, mas criaturas reais, silenciosas e
certeiras.
A
primeira, uma jibóia jovem, mostrou-me que o “bafo da jibóia” não é lenda. O
sopro que ela lançou foi aviso e milagre ao mesmo tempo: tive tempo de correr,
sem olhar para trás, como quem foge não apenas de um animal, mas da própria
morte que se insinua.
Meses
depois, uma cobra-coral, tão bela quanto letal, deslizou diante de mim. O som
da vassoura e o movimento do meu corpo foram suficientes para que ela se
afastasse. A beleza da natureza, às vezes, é também sua armadilha.
Ontem, o
encontro foi com uma cobra-cipó, escondida entre folhas secas caídas da
mangueira. A lei proíbe queimadas, mas quem recolhe folhas sabe: entre elas
pode estar o bote certeiro. E chamar Bombeiros ou Polícia Ambiental é quase um
ritual inútil — quando chegam, a serpente já encontrou outro esconderijo.
A vida na
periferia é trincheira. Dormir numa casa térrea é vigiar como soldado: um olho
aberto, outro fechado, porque o inimigo pode ser uma barata, um rato, um
escorpião ou uma serpente que insiste em nos expulsar do próprio quintal.
E é nesse
cenário que a fé se torna escudo. São Bento, com sua oração contra os perigos
invisíveis e visíveis, é o santo a quem recorro. Não apenas para afastar o mal
espiritual, mas para me dar coragem diante da natureza que, embora sábia e
necessária, também é implacável.
Entre
folhas secas e noites tensas, aprendi que cautela é sobrevivência, mas fé é
descanso. Só ela permite que, por alguns segundos, eu cochile em paz,
acreditando que há uma proteção maior do que qualquer cerca ou vassoura: a
celestial.
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