sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Entre Serpentes e Orações

 


Na periferia, onde o chão é de terra e as noites são povoadas por sons que não vêm apenas dos vizinhos, mas da própria natureza, aprendi que viver é estar sempre em estado de alerta. Não se trata de metáfora: as serpentes que cruzaram meu caminho não eram símbolos de traição, mas criaturas reais, silenciosas e certeiras.

A primeira, uma jibóia jovem, mostrou-me que o “bafo da jibóia” não é lenda. O sopro que ela lançou foi aviso e milagre ao mesmo tempo: tive tempo de correr, sem olhar para trás, como quem foge não apenas de um animal, mas da própria morte que se insinua.

Meses depois, uma cobra-coral, tão bela quanto letal, deslizou diante de mim. O som da vassoura e o movimento do meu corpo foram suficientes para que ela se afastasse. A beleza da natureza, às vezes, é também sua armadilha.

Ontem, o encontro foi com uma cobra-cipó, escondida entre folhas secas caídas da mangueira. A lei proíbe queimadas, mas quem recolhe folhas sabe: entre elas pode estar o bote certeiro. E chamar Bombeiros ou Polícia Ambiental é quase um ritual inútil — quando chegam, a serpente já encontrou outro esconderijo.

A vida na periferia é trincheira. Dormir numa casa térrea é vigiar como soldado: um olho aberto, outro fechado, porque o inimigo pode ser uma barata, um rato, um escorpião ou uma serpente que insiste em nos expulsar do próprio quintal.

E é nesse cenário que a fé se torna escudo. São Bento, com sua oração contra os perigos invisíveis e visíveis, é o santo a quem recorro. Não apenas para afastar o mal espiritual, mas para me dar coragem diante da natureza que, embora sábia e necessária, também é implacável.

Entre folhas secas e noites tensas, aprendi que cautela é sobrevivência, mas fé é descanso. Só ela permite que, por alguns segundos, eu cochile em paz, acreditando que há uma proteção maior do que qualquer cerca ou vassoura: a celestial.

 

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