Ontem, dia consagrado à memória dos mortos, em que
os vivos se curvam diante da eternidade, pus-me a caminho do campo santo, onde
jazem os ossos venerandos de meus antepassados. Mal havia iniciado minha
peregrinação fúnebre, quando o destino, cruel e zombeteiro, lançou-me ao chão
com violência inaudita: caí, como se a terra quisesse me engolir, e ralei os
joelhos e a mão direita, esta que agora pulsa como se nela residisse toda a dor
do mundo.
No instante da queda, fui tomada por um pavor
lancinante, um medo ancestral de que mais uma vez os ossos se rebelassem contra
mim, e eu, pobre criatura, fosse condenada ao suplício do gesso, à imobilidade
forçada, à prisão do corpo. Hesitei em levantar-me, como se o chão fosse mais
seguro que o incerto erguimento. Mas, ao me erguer, vi que o estrago era menor
que o susto — ainda que o susto fosse imenso, como um trovão que ressoa na
alma.
Enquanto ali jazia, caída como uma mártir sem
altar, movimentei o pé com cautela, como quem interroga os ossos: estais
íntegros? E eles, silenciosos, responderam com ausência de dor. Os joelhos,
ainda que feridos, não clamavam por socorro. Mas a mão — ah, a mão! — esta que
se interpôs entre meu corpo e o chão, esta sofre, esta geme, esta se ressente.
Os punhos, embora não perfeitos, ainda obedecem à vontade.
E então, quando enfim alcancei o túmulo de meu
esposo — aquele que em vida abominava o artifício e reverenciava a natureza —
fui acometida por uma visão que me fez empalidecer como quem vê um fantasma ao
meio-dia: flores de plástico! Sim, flores de plástico, profanas, impuras,
indignas! E eu não as levei. Não tivemos filhos, seus irmãos precederam-no na
morte, os sobrinhos são sombras distantes, o afilhado nunca existiu. Quem,
então, ousa adornar o túmulo de meu marido com tais simulacros da beleza
natural?
Não é pessoa de posses, pois as flores — miseráveis
flores! — são das mais baratas, vendidas em lojas de conveniência como quem
vende esquecimento. Ou então, é uma alma miserável, que transita entre túmulos
como ladra de homenagens, arrancando flores de um para depositar noutro, como
quem joga dados com os mortos.
E o mais estarrecedor: as visitas são regulares! As
flores, azuis como o céu que ele tanto amava, foram colocadas há pouco, antes
de minha chegada. Isto é obra de mulher, sim, mulher sem juízo, sem pudor, sem
reverência! Pois ele, meu esposo, defensor da natureza, jamais aceitaria tal
afronta. Flores artificiais! Que insulto à memória de quem viveu em comunhão
com o verde, com o vento, com o ciclo sagrado da vida!
E agora, como me sinto? Não é preciso perguntar.
Sinto-me como quem carrega um fardo invisível, um peso que não se vê, mas que
esmaga a alma. Minha cabeça é um templo de angústia, e meu coração, um
relicário de indignação.
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