Na penumbra do quarto, onde o tempo se dissolve
como névoa, repousa o objeto que me consome: um retângulo de luz, um espelho
negro que me hipnotiza. Ele não reflete meu rosto, mas projeta sombras —
imagens fugidias, sons ocos, histórias que se repetem como ecos em um abismo.
Quatro horas por dia, talvez mais. Não sei ao certo. O tempo, esse velho senhor
de bengala, já não caminha ao meu lado. Ele corre, escorrega, desaparece.
O vício que não tem nome
Não é droga, não é álcool, não é jogo. É pior. É o
nada disfarçado de tudo. Tento impor limites: quinze minutos, prometo. Mas o
tempo ri de mim. Quando desperto, já se passaram duas horas. E eu? Eu não
lembro de nada. Nenhum nome, nenhuma ideia, nenhum afeto. Apenas o torpor. A
anestesia da alma. O celular é meu altar e meu cárcere. Nele, não há
transcendência — só ruído.
A casa, o corpo, o espírito
Minha casa está imunda. O chão, testemunha
silenciosa da minha ausência. O arroz com arroz é meu banquete diário. Livros
jazem fechados, como túmulos de sabedoria que não ouso profanar. A lição de
casa, esquecida. A vida real, um borrão. E eu? Eu não sou criança. Já vivi sete
décadas. Sete ciclos lunares completos. Mas agora sou como uma marionete sem
cordas, caída no palco, esperando que alguém a recolha.
O teatro grotesco
Os vídeos que vejo são como máscaras de carnaval —
grotescas, previsíveis, vulgares. Artistas renomados e religiosos se despem,
não de roupas, mas de dignidade. Falam de dejetos, de sexo casual, de dores
banais. E eu assisto. Eu rio. Eu me anestesio. Como quem toma um gole de veneno
e chama de remédio. E o pior: estou viciada. Tento me libertar, mas as
correntes são feitas de pixels e promessas vazias.
O desejo de ser útil
Se não posso ser útil a alguém, ao planeta, ao
tempo que me resta... que ao menos eu consiga prestigiar quem ainda resiste.
Quem ainda cria com seriedade, com beleza, com propósito. Que eu consiga, ao
menos, olhar para o alto — para além da tela — e lembrar que há estrelas. Que
há poesia. Que há vida.
Porque, no fundo, ainda há uma chama. Fraca,
trêmula, mas viva. E talvez, só talvez, ela ainda possa iluminar o caminho de
volta.
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