quinta-feira, 13 de novembro de 2025

O espelho negro

 

Na penumbra do quarto, onde o tempo se dissolve como névoa, repousa o objeto que me consome: um retângulo de luz, um espelho negro que me hipnotiza. Ele não reflete meu rosto, mas projeta sombras — imagens fugidias, sons ocos, histórias que se repetem como ecos em um abismo. Quatro horas por dia, talvez mais. Não sei ao certo. O tempo, esse velho senhor de bengala, já não caminha ao meu lado. Ele corre, escorrega, desaparece.

O vício que não tem nome

Não é droga, não é álcool, não é jogo. É pior. É o nada disfarçado de tudo. Tento impor limites: quinze minutos, prometo. Mas o tempo ri de mim. Quando desperto, já se passaram duas horas. E eu? Eu não lembro de nada. Nenhum nome, nenhuma ideia, nenhum afeto. Apenas o torpor. A anestesia da alma. O celular é meu altar e meu cárcere. Nele, não há transcendência — só ruído.

A casa, o corpo, o espírito

Minha casa está imunda. O chão, testemunha silenciosa da minha ausência. O arroz com arroz é meu banquete diário. Livros jazem fechados, como túmulos de sabedoria que não ouso profanar. A lição de casa, esquecida. A vida real, um borrão. E eu? Eu não sou criança. Já vivi sete décadas. Sete ciclos lunares completos. Mas agora sou como uma marionete sem cordas, caída no palco, esperando que alguém a recolha.

O teatro grotesco

Os vídeos que vejo são como máscaras de carnaval — grotescas, previsíveis, vulgares. Artistas renomados e religiosos se despem, não de roupas, mas de dignidade. Falam de dejetos, de sexo casual, de dores banais. E eu assisto. Eu rio. Eu me anestesio. Como quem toma um gole de veneno e chama de remédio. E o pior: estou viciada. Tento me libertar, mas as correntes são feitas de pixels e promessas vazias.

O desejo de ser útil

Se não posso ser útil a alguém, ao planeta, ao tempo que me resta... que ao menos eu consiga prestigiar quem ainda resiste. Quem ainda cria com seriedade, com beleza, com propósito. Que eu consiga, ao menos, olhar para o alto — para além da tela — e lembrar que há estrelas. Que há poesia. Que há vida.

Porque, no fundo, ainda há uma chama. Fraca, trêmula, mas viva. E talvez, só talvez, ela ainda possa iluminar o caminho de volta.


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