Era um dia qualquer de março de 2020, Rosalina estava feliz com a possibilidade de comemorar seu octogésimo aniversário natalício com as amigas em alguma pizzaria, mas foi surpreendida pelo firme pronunciamento do governador no qual dizia que era para os idosos ficarem em casa e sem receber visitas, lavar as mãos e usar álcool em gel e que os familiares jovens deixassem as compras na porta. Tendo como companhia o rádio, o televisor e o medo do que estava por vir, ela dedicou-se a ouvir o noticiário e como é sabido, coube a imprensa a incumbência de aumentar o grau de pavor a que estavam submetidos ao alertá-los insistentemente, sob o risco do coronavírus adentrar aos lares pelas embalagens das compras, pelo ar, pelos calçados e para completar o cenário de terror, o Ministro da Saúde deu várias entrevistas às emissoras recomendando o uso de máscaras e a importância do distanciamento social.
Algumas emissoras de rádio alteraram a programação para manter a população atualizada e enfatizavam que o número de mortos, e que a grande maioria eram de pessoas “idosas,” que também ocupavam a maioria dos leitos nas Unidades de Terapias Intensivas e necessitavam de respiradores. Entrevistavam especialistas que não poupavam esforços para alamar a população sobre o perigo eminente, “ o inimigo invisível está em todos os lugares,” alertavam. O cenário de guerra ficou ainda mais tenso quando começou a ser veiculado as polêmicas sobre a eficácia dos medicamentos, dos respiradores e que a politização da pandemia da Covid-19 já havia se tornado fato. Com a chegada do inverno, o que já estava ruim ficou pior porque é sabido que as doenças respiratórias apreciam climas amenos e noticias falsas sobre um possível aumento do número de morte circulavam nas redes sociais e conversar ficou impossível, sempre o mesmo assunto, o Coronavírus; A proibição de velório suscitou uma dúvida na população de risco: O que é pior, não poder ter ao lado de seu caixão, filhos, netos, bisnetos e algum amigo de infância que ainda não partiu ou ser lembrando pelos descendentes como o parente que morreu vítima da Covid-19?
Com receio de viajar para a “Terra dos Pés” juntos, bem antes do esperado, Rosalina seguia a risca todas as orientações dos profissionais de saúde entrevistados e quase teve uma crise de pânico quando a Agente de Saúde telefonou avisando que a sua consulta de rotina, no Posto de Saúde, estava cancelada porque somente atenderiam casos suspeitos de Covid-19. Apavorada por vislumbrar a impossibilidade de atendimento pelo SUS, para curar as mazelas da idade, limpava afoitamente as compras, a casa e acabou desenvolvendo Transtorno Obsessivo Compulsivo.
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