Em uma preguiça morna, na solidão de seu quarto, Tião reflete sobre os últimos acontecimentos de sua vida amorosa. Amorosa, é maneira de falar, pois seu relacionamento com Cely sempre foi pautado em seu autoritarismo e na obediência de sua esposa. Mas o inesperado aconteceu! Um dia, que nem mesmo ela acreditava que chegaria, a jovem esposa não suportou mais a rotina do regime totalitário em que vivia e explodiu; no ímpeto da raiva, colocou o marido para fora de casa e ele se viu obrigado a refugiar-se na edícula, construída no fundo do quintal para alojar os seus pais, em suas demoradas visitas de final de ano.
Cely bem alterada, aos berros – “
saia daqui, saia daqui, desapareça daqui, suma da minha frente, da minha vida
seu tirano maquiavélico, sovina.” Enquanto gritava os piores impropérios, foi pegando as coisas de Tião: roupas,
sapatos, material de higiene pessoal, caixa de remédios, documentos, álbuns de
fotografia e atirando tudo no quintal.
Assustado com
a cena inusitada da doce e obediente
companheira de mais de vinte anos, Tião não disse uma palavra, não reclamou e
nem perguntou a razão de tanta fúria, apenas juntou suas coisas e dirigiu-se
para a edícula. O valente Tião conseguiu
fazer o que a esposa ordenou: “fora,
fora, vá embora daqui.” Literalmente, ele foi colocado no olho da rua e naquele instante, ele percebeu que o seu
casamento acabara e lastimava não saber
o motivo. Nunca levantara a mão para ela, era um pouco exigente, admitia, mas
nunca partiu para a agressão física, nunca deixou faltar nada em casa; assim
que recebia o salário, ia ao mercado e
fazia a compra do mês e já pagava as contas,
independente da data do vencimento; se sobrava dinheiro, aí sim, ele
saia para beber com os amigos. Sim, ele estava sendo vítima de uma injustiça,
bem dizia seu velho pai, que as mulheres desejam mesmo é dominar os homens,
sempre querem mais e mais.
Para quem não
sabia fritar um ovo e lavar uma meia, a adaptação foi difícil, mas ele não deu
o braço a torcer, não pediu ajuda. Continuou como o homem chefe da casa,
arcando com as despesas das duas residências até a saída do divórcio, do
qual, Cely sairia sem nada, porque
casaram com separação total de bens, e então,
finalmente, ele poderia retornar ao seu lar, que ele construiu bem antes de
conhecê-la. Ela fora uma boba ao acatar
a sugestão dele de parar de trabalhar, mas isto já não era problema dele,
refletia. Separação dói, é difícil, mas dá para superar bem, quando você
não tem que dividir o patrimônio adquirido com o suor de seu rosto.
Agora é procurar outra companheira, sorria malicioso.
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