sábado, 2 de janeiro de 2021

Separação inesperada

      Em uma preguiça  morna, na solidão de seu quarto, Tião reflete sobre os últimos acontecimentos de sua vida amorosa. Amorosa, é maneira de falar, pois seu relacionamento com Cely sempre foi pautado  em seu autoritarismo e na obediência de sua esposa. Mas o inesperado aconteceu!  Um dia, que nem mesmo ela acreditava que chegaria, a jovem esposa  não suportou mais  a rotina do regime totalitário em que vivia e explodiu; no  ímpeto da raiva, colocou o marido para fora de casa e ele se viu obrigado a refugiar-se na edícula, construída  no fundo do quintal para alojar os seus pais, em suas demoradas visitas de final de ano.

          Cely bem alterada, aos berros – “ saia daqui, saia daqui, desapareça daqui, suma da minha frente, da minha vida seu tirano maquiavélico, sovina.” Enquanto gritava os piores impropérios,  foi pegando as coisas de Tião: roupas, sapatos, material de higiene pessoal, caixa de remédios, documentos, álbuns de fotografia e atirando tudo no quintal.

          Assustado com a cena inusitada  da doce e obediente companheira de mais de vinte anos, Tião não disse uma palavra, não reclamou e nem perguntou a razão de tanta fúria, apenas juntou suas coisas e dirigiu-se para a edícula.  O valente Tião conseguiu fazer o que  a esposa ordenou: “fora, fora, vá embora daqui.” Literalmente, ele foi colocado no olho da rua e  naquele instante, ele percebeu que o seu casamento acabara e  lastimava não saber o motivo. Nunca levantara a mão para ela, era um pouco exigente, admitia, mas nunca partiu para a agressão física, nunca deixou faltar nada em casa; assim que recebia o salário,  ia ao mercado e fazia a compra do mês e já pagava as contas,  independente da data do vencimento; se sobrava dinheiro, aí sim, ele saia para beber com os amigos. Sim, ele estava sendo vítima de uma injustiça, bem dizia seu velho pai, que as mulheres desejam mesmo é dominar os homens, sempre querem mais e mais.

          Para quem não sabia fritar um ovo e lavar uma meia, a adaptação foi difícil, mas ele não deu o braço a torcer, não pediu ajuda. Continuou como o homem chefe da casa, arcando com as despesas das duas residências até a saída do divórcio, do qual,  Cely sairia sem nada, porque casaram com separação total de bens, e  então, finalmente, ele poderia retornar ao seu lar, que ele construiu bem antes de conhecê-la. Ela  fora uma boba ao acatar a sugestão dele de parar de trabalhar, mas isto já não era problema dele, refletia. Separação dói, é difícil, mas dá para superar bem, quando  você  não tem que dividir o patrimônio adquirido com o suor de seu rosto. Agora é procurar outra companheira, sorria malicioso.

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