quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Carta a Francesca

 

           

         Francesca querida, na solidão deste quarto de  hospital, vendo a luta da equipe médica para que eu viva,  quando o corpo já não quer mais viver e a alma, por ser imortal, apenas deseja voltar ao seu local de origem que ninguém, de fato sabe onde é, minha vontade   é neutra, apenas espera com resignação, os designos de Deus.  Posso dizer que estou  cansado de viver, porém, sem vontade de morrer e como nada posso fazer, senão esperar, dedico minhas horas ociosas a pensar e revivo as viagens que fiz por este Brasil amado. Percorri o chão mineiro, saboreei  o  delicioso bife com jiló, no mercado municipal de Belo Horizonte, visitei o conjunto arquitetônico da Pampulha, e fiz umas compras básicas na feira de artesanato, na av. Afonso Pena, em frente ao parque municipal e claro, assisti uma peça teatral no Palácio das Artes, visitei  a fazenda onde joão Guimarães Rosa nasceu, vi tudo, observei cada detalhe. Depois, segui viagem rumo a Diamantina, uma preciosidade que todos deveriam conhecer, onde  havia um homem da inteira confiança da coroa portuguesa, que controlava as rendas advindas da extração de diamantes e que ficou na história por ter amado profundamente uma escrava. Mas, ao  passar pelo circuito dos lagos, na parte mineira, entrei em todas as cavernas, uma mais linda que a outra e pude constatar que lá não existe mais homem primata, todos morreram a milhões de anos.

          Talvez eu seja  o único sobrevivente da dinastia dos homens das cavernas brasileiro, ciumento ao extremo, paranóico, mas que adora um colo macio para descansar a carcaça, após a labuta diária para conseguir botar a comida na mesa. Na alvura deste leito,  meus escassos momentos de cores, são oriundos de minhas recordações, quando a revejo junto ao fogão, preparando-me, guloseimas  deliciosas, receitas de família que você guarda a sete chaves. A refeição aqui é equilibrada, própria para convalescente, consequentemente, desprovida de sabores familiares.

          Com bastante frequência,  imagens da convivência familiar dos homens primatas povoam a minha, claro,  sem nenhum embasamento científico, fruto de minha imaginação. Sim, em meus devaneios, sou o último dos primatas, que está a correr risco de vida e precisa ser tratado com muito carinho, calor humano, para ele perder o medo de morrer.  Caso eu vença a Covid-19, sem sequelas, quem sabe,  possávamos refazer estas viagens  juntos, sei que você está ávida para acolher-me em sua caverna que já não tenho mais certeza onde fica, se no Vale do Pereaçu, Botumirim,ou Lagoa Santa. Meu futuro é incerto, minha mente está confusa, as recordações estão entrelaçadas e sinto saudade de tudo aquilo que não vivemos.

Com carinho,

Pedro Henrique

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