Hoje acordei com aquele pressentimento típico de
quem mora na periferia com quintal grande e árvores frondosas: “Será que hoje é
dia de cobra coral?” E não é que era? Acordei, rezei para o Anjo da Guarda,
Santo Bento e, por via das dúvidas, considerei incluir São Jorge e Indiana
Jones no pacote. Afinal, nunca se sabe quando um filhote de cobra faminta de 25
centímetros vai decidir fazer da sua perna o café da manhã.
A bichinha era magrinha, parecia recém-nascida e
com fome. Talvez estivesse só procurando um delivery de roedores, mas acabou
topando comigo e meu arrastão de folhas secas. Nosso encontro foi breve,
intenso e sem registro fotográfico — porque, claro, eu estava sem celular. Uma
pena, pois seria uma ótima prova em caso de denúncia por fogueiras ilegais.
Sim, porque aqui, além de enfrentar serpentes, escorpiões e micos acrobatas,
ainda temos que lidar com os fiscais de sofá, aqueles que denunciam com a mesma
velocidade que esquecem que também fazem fogueiras quando o teiú invade a sala.
A Prefeitura, sempre muito preocupada com o meio
ambiente (desde que o meio ambiente não esteja no quintal deles), proibiu as
fogueiras. Alegam que o “folheiro” passa uma vez por mês. Uma vez. Por mês.
Como se os escorpiões tivessem um calendário e dissessem: “Vamos esperar o
caminhão, pessoal, nada de picadas até o dia 30!”
Mas eu, rebelde com causa e com queimaduras leves,
fiz três fogueiras. Só de folhas secas, veja bem. Longe da fiação elétrica, com
direito a dança da fumaça para espantar as cobras do chão e das árvores. Um
ritual de sobrevivência que, infelizmente, não é contemplado nas diretrizes
ambientais dos justiceiros de aplicativo.
E antes que alguém sugira: “Por que não coloca
patos para comer os escorpiões?” — já
coloquei. Foram roubados. Sim, patos sequestrados. Aqui, até os animais têm que
lidar com a insegurança pública. As galinhas-d’angola, coitadas, estão em
greve. Não dão conta de comer todos os filhotes de escorpião que nascem aos
montes, venenosos e independentes, como adolescentes em férias escolares.
O dia seguiu com um teiú fazendo turismo pelo
quintal e uma trupe de micos na bananeira, provavelmente discutindo política ou
o preço do mamão. E eu, entre uma fogueira e outra, sigo firme, esperando o
próximo capítulo dessa novela selvagem. Quem sabe amanhã não aparece um
tamanduá pedindo açúcar?