Você já sentiu um fascínio repentino por
algo que nem sabia que desejava? Pois sente aqui comigo, leitor, que
hoje a conversa é sobre esses pequenos magnetismos do cotidiano — e sobre como
um pedaço de renda puída ou uma cadeira aparentemente comum podem despertar
emoções improváveis.
Era dia de reencontro
com minhas amigas veteranas da escola primária. Eu, a “cinquentinha”, era a
caçula do grupo — e a única ainda na ativa no mercado de trabalho. Não quis
inventar moda: escolhi uma blusa de renda de bilro comprada numa viagem ao
Nordeste. Já estava gasta, pedindo aposentadoria, mas decidi dar a ela um
último passeio.
Assim que entrei no
salão, uma das colegas quase teve um arrebatamento místico. Tocou na minha
blusa como quem toca num relicário e disse sentir uma felicidade
“inexplicável”, dessas que não cabem nas palavras. Para ela, era a blusa mais
linda que já tinha visto. Expliquei que era velha, já puída, mas que poderia
dá-la, se quisesse. Ela aceitou com a mesma rapidez com que quem encontra um
tesouro aceita a sorte. “Não precisa lavar, eu mesma lavo”, disse. Fiquei chocada
— e, confesso, curiosa. A blusa, aquela mesma que nunca arrancou um elogio, nem
pela raridade nem pelo preço alto, de repente se transformava em objeto de
desejo absoluto.
Entreguei a blusa
dias depois, lavada e passada. Achei que o episódio morreria ali. Mas o mundo
tem um senso de humor peculiar.
Fui visitar uma
amiga enlutada e, sem pensar muito, sentei numa cadeira de madeira ao lado do
sofá. Era confortável como abraço de avó. Comentei isso em voz alta. O marido
dela, sem hesitar, disse: “Leva. Mandei fazer para a minha sogra. Como ela não
está mais entre nós, não faz sentido deixarmos aqui. A cadeira praticamente nem
foi usada.” Aceitei, surpresa. Paguei caro pelo carreto. E agora, leitor, olha
só a ironia: virei a colega encantada com a blusa. A cadeira me enfeitiçou.
Além do conforto, parece carregar uma energia mansa — como se quem senta nela
se conectasse a algo antigo, silencioso, bom.
E então chegamos à pergunta inevitável: mistério
do mundo ou ciência?
A psicologia
comportamental tem uma resposta interessante: o que chamamos de “cobiça” ou
“desejo pelo objeto do outro” não nasce apenas do objeto em si. Pesquisas sobre
viés de valor atribuído mostram que
tendemos a considerar mais valioso aquilo que percebemos como valioso para
outra pessoa. É um reflexo social, quase primitivo, estudado por nomes como
Robert Cialdini, que descreve como a validação pelo outro aumenta
instantaneamente a percepção de qualidade.
Além disso, a
neurociência explica que objetos carregam significados emocionais — o chamado efeito halo emocional. Quando vemos alguém
demonstrar afeto, entusiasmo ou apego por algo, nossos neurônios-espelho ativam
a sensação de que aquele objeto também é especial. Não desejamos a coisa; desejamos a experiência que imaginamos estar vinculada à coisa.
Talvez por isso
minha colega tenha sentido “felicidade inexplicável” ao ver uma blusa velha. E
talvez por isso eu mesma tenha sentido uma energia diferente ao sentar na
cadeira herdada. A ciência chama de viés, ativação cerebral, transferência
emocional. A gente, na vida prática, chama de mistério — e gosta de acreditar
que objetos guardam histórias invisíveis.
No fim das contas,
talvez os dois estejam certos. Porque se há algo que a ciência não explica
totalmente — e que a vida insiste em provar — é que algumas coisas chegam às
nossas mãos exatamente quando precisam chegar.
E você, leitor, qual foi o último objeto que o escolheu?
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