sábado, 6 de dezembro de 2025

O Mistério por Trás do Desejo: Por que Queremos as Coisas dos Outros?

 


Você já sentiu um fascínio repentino por algo que nem sabia que desejava? Pois sente aqui comigo, leitor, que hoje a conversa é sobre esses pequenos magnetismos do cotidiano — e sobre como um pedaço de renda puída ou uma cadeira aparentemente comum podem despertar emoções improváveis.

Era dia de reencontro com minhas amigas veteranas da escola primária. Eu, a “cinquentinha”, era a caçula do grupo — e a única ainda na ativa no mercado de trabalho. Não quis inventar moda: escolhi uma blusa de renda de bilro comprada numa viagem ao Nordeste. Já estava gasta, pedindo aposentadoria, mas decidi dar a ela um último passeio.

Assim que entrei no salão, uma das colegas quase teve um arrebatamento místico. Tocou na minha blusa como quem toca num relicário e disse sentir uma felicidade “inexplicável”, dessas que não cabem nas palavras. Para ela, era a blusa mais linda que já tinha visto. Expliquei que era velha, já puída, mas que poderia dá-la, se quisesse. Ela aceitou com a mesma rapidez com que quem encontra um tesouro aceita a sorte. “Não precisa lavar, eu mesma lavo”, disse. Fiquei chocada — e, confesso, curiosa. A blusa, aquela mesma que nunca arrancou um elogio, nem pela raridade nem pelo preço alto, de repente se transformava em objeto de desejo absoluto.

Entreguei a blusa dias depois, lavada e passada. Achei que o episódio morreria ali. Mas o mundo tem um senso de humor peculiar.

Fui visitar uma amiga enlutada e, sem pensar muito, sentei numa cadeira de madeira ao lado do sofá. Era confortável como abraço de avó. Comentei isso em voz alta. O marido dela, sem hesitar, disse: “Leva. Mandei fazer para a minha sogra. Como ela não está mais entre nós, não faz sentido deixarmos aqui. A cadeira praticamente nem foi usada.” Aceitei, surpresa. Paguei caro pelo carreto. E agora, leitor, olha só a ironia: virei a colega encantada com a blusa. A cadeira me enfeitiçou. Além do conforto, parece carregar uma energia mansa — como se quem senta nela se conectasse a algo antigo, silencioso, bom.

E então chegamos à pergunta inevitável: mistério do mundo ou ciência?

A psicologia comportamental tem uma resposta interessante: o que chamamos de “cobiça” ou “desejo pelo objeto do outro” não nasce apenas do objeto em si. Pesquisas sobre viés de valor atribuído mostram que tendemos a considerar mais valioso aquilo que percebemos como valioso para outra pessoa. É um reflexo social, quase primitivo, estudado por nomes como Robert Cialdini, que descreve como a validação pelo outro aumenta instantaneamente a percepção de qualidade.

Além disso, a neurociência explica que objetos carregam significados emocionais — o chamado efeito halo emocional. Quando vemos alguém demonstrar afeto, entusiasmo ou apego por algo, nossos neurônios-espelho ativam a sensação de que aquele objeto também é especial. Não desejamos a coisa; desejamos a experiência que imaginamos estar vinculada à coisa.

Talvez por isso minha colega tenha sentido “felicidade inexplicável” ao ver uma blusa velha. E talvez por isso eu mesma tenha sentido uma energia diferente ao sentar na cadeira herdada. A ciência chama de viés, ativação cerebral, transferência emocional. A gente, na vida prática, chama de mistério — e gosta de acreditar que objetos guardam histórias invisíveis.

No fim das contas, talvez os dois estejam certos. Porque se há algo que a ciência não explica totalmente — e que a vida insiste em provar — é que algumas coisas chegam às nossas mãos exatamente quando precisam chegar.

E você, leitor, qual foi o último objeto que o escolheu?

 

 

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