domingo, 7 de dezembro de 2025

Entre Terços, Luzes e Memórias

 


A minha primeira percepção de Natal cabia inteira dentro de um terço. Era assim: noite de vinte e quatro, e também no dia eguinte, todos reunidos para rezar. Longas orações, daquelas que até meu pai, homem firme e impaciente, não conseguia escapar.
E havia o almoço especial: frango ensopado, simples e saboroso. Nada mais. Nenhum brilho, nenhum enfeite, tampouco Papai Noel. E sabe que eu nem sofria? Como sentir falta daquilo que nunca se viu? Eu vivia sem perceber a pobreza — cultural e financeira — que nos rodeava. Era o que era. E ponto.

Quando adolescente, mudei para a cidade e descobri um novo vocabulário natalino: missa do galo, decoração, luzes. Fui, claro, à famosa missa. E, veja só, o galo não cantou. Voltei frustrada. Também não havia dinheiro para decorar a casa, nem para aquela tal ceia que eu apenas ouvira falar. Mas, como antes, eu não sentia falta: desconhecimento também é uma forma de anestesia.

No início da vida profissional, porém, meu repertório natalino ganhou aromas e sabores. A empresa onde trabalhava oferecia uma ceia farta aos funcionários do turno noturno. Eu amava — sem culpa! Trabalhava feliz, e sejamos honestos: era, sobretudo, pela comida diferente e deliciosa. Reclamava quando a regra interna me impedia de trabalhar dois feriados seguidos, porque eu queria repetir a dose. Jovem é assim: sincera até a raiz.

Mais tarde, em outro emprego, desta vez diurno, fui obrigada a pesquisar sobre o Natal. A partir desse estudo, compreendi a grandiosidade dessa festa que, ao que tudo indica, é um dos maiores exemplos de sincretismo religioso e de pluralidade cultural do mundo ocidental.
E, se você me permite, leitor, vou testar aqui a memória e revisitar os muitos elementos que compõem esse mosaico natalino.

Jesus de Nazaré — o aniversariante — nasceu, viveu e morreu como judeu, num tempo em que os judeus sequer tinham o costume de comemorar aniversários natalícios. Celebrar o nascimento de alguém é hábito antigo, mas veio de outras bandas. No Egito, o aniversário do faraó marcava sua transformação em divindade; na Grécia, acendiam-se velas em bolos oferecidos à deusa Ártemis. Os romanos, guerreiros e práticos que são, instituíram as comemorações de aniversários das pessoas comuns.

Do norte gelado da Europa, durante o solstício de inverno, vem outra peça importante desse quebra-cabeça: Odin, o deus nórdico, que percorria o céu montado em seu cavalo de oito patas. As crianças deixavam comida para o animal em suas botinhas — e ganhavam presentes em troca.

Com o avanço do cristianismo e a proibição das festas pagãs, Odin foi aos poucos se transmutando em outra figura: Papai Noel. A generosidade do bispo Nicolau de Mirra ajudou a dar forma ao bom velhinho, que trocou o cavalo por renas, as botas por meias e entrou pelas chaminés como o bispo que lançara dotes pela janela para ajudar três jovens pobres.
Nos Estados Unidos, a Coca-Cola completou o serviço, fixando a imagem que conhecemos hoje.

A árvore de Natal e a guirlanda também são elementos pagãos que foram abraçados pela tradição cristã. E que beleza elas emprestam às ruas, não?
Já o presépio, esse sim, veio pela mão sensível de São Francisco de Assis. E os Reis Magos? Sua origem é incerta, mas a tradição aponta para a Pérsia. Trouxeram ouro para reconhecer o rei, incenso para honrar o divino e mirra para lembrar a humanidade — símbolos que continuam tocando a imaginação até hoje.

E então chegamos ao presente, onde o Natal costuma ser acusado de excessivamente comercial. Mas, se olharmos com calma, veremos que ele também é profundamente inclusivo. É a festa que gera trabalho durante o ano inteiro: da extração da matéria-prima à confecção dos enfeites, do cuidado com os animais ao preparo das bebidas e pratos natalinos. Para muitos, é oportunidade de renda, dignidade e esperança.

As igrejas, por sua vez, oferecem o espaço para o ritual, para o mergulho espiritual e para a mensagem central do Menino Deus: a fraternidade. E as prefeituras que decoram os espaços públicos merecem aplauso, pois o ser humano precisa do belo — e não apenas por capricho.

A neurociência e a psicologia ambiental já comprovaram que lugares cuidados, iluminados e visualmente harmoniosos diminuem indicadores de tristeza e violência, além de aumentar o senso de pertencimento e bem-estar.
O belo nos humaniza. O feio nos endurece. Talvez por isso tantas cidades floresçam em dezembro — e com elas, nós também.

No fim das contas, percebo que o Natal é, acima de tudo, uma celebração inclusiva. Honra um judeu com elementos de culturas diversas, incorpora tradições antigas sem perder a essência da mensagem original: comunhão. Jesus também ceou com seus apóstolos; não é à toa que a ceia se tornou símbolo dessa noite.

O Natal não é apenas espiritualidade: é reflexão, é memória, é adaptação ao tempo presente. E, curiosamente, é também um lembrete do princípio bíblico de ajudar o próximo — porque poucas formas de ajuda são tão dignas quanto oferecer trabalho. O trabalho, afinal, dignifica o homem.

E você, leitor?
Que memórias de Natal lhe visitam quando as luzes se acendem?
Talvez, como eu, você descubra que, no fundo, o Natal sempre esteve menos nas coisas e mais naquilo que elas despertam em nós.

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