Casos de disputas sucessórias envolvendo casamentos celebrados na velhice tornaram-se cada vez mais frequentes nos tribunais brasileiros. Em muitos deles, o conflito ultrapassa o campo patrimonial e revela situações de vulnerabilidade, desequilíbrio relacional e uso estratégico do sistema judicial.
O exemplo é recorrente: um profissional liberal, já idoso, viúvo, constrói patrimônio ao longo da vida — muitas vezes em conjunto com a primeira esposa — e decide contrair novo matrimônio em idade avançada. Após o falecimento, instaura-se o litígio entre herdeiros necessários e o cônjuge sobrevivente, que busca ampliar o alcance da meação, ainda que os bens tenham sido adquiridos anteriormente ao novo casamento.
Do ponto de vista jurídico, a questão é clara. Nos termos do Código Civil, a meação somente incide sobre bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, conforme o regime de bens adotado. Patrimônio particular, constituído antes da união, não se comunica. Ainda assim, a prática forense demonstra que a discussão raramente é simples, sobretudo quando acompanhada de disputas emocionais e estratégias protelatórias.
Há também um aspecto sensível, muitas vezes negligenciado: a proteção do idoso. O ordenamento jurídico brasileiro, por meio do Estatuto do Idoso e da própria evolução da jurisprudência, busca coibir abusos patrimoniais em relações conjugais assimétricas, especialmente quando há indícios de dependência emocional, manipulação ou exploração econômica.
Não se trata de negar direitos ao cônjuge sobrevivente, mas de reconhecer que igualdade formal não significa, necessariamente, justiça material. A lei não pode servir de instrumento para legitimar o enriquecimento sem causa ou a dilapidação de patrimônio construído ao longo de décadas por quem efetivamente trabalhou e contribuiu.
Outro ponto que merece reflexão é o impacto dessas disputas sobre os herdeiros necessários. Filhos que acompanharam o esforço dos pais, que contribuíram direta ou indiretamente para a preservação do patrimônio e que, muitas vezes, arcam com a manutenção de bens litigiosos enquanto os recursos permanecem bloqueados, acabam penalizados pela morosidade processual.
Quando o conflito se agrava e alcança a esfera da saúde mental, o Judiciário é chamado a intervir não apenas para partilhar bens, mas para preservar a dignidade das pessoas envolvidas. A interdição, ainda que medida extrema, pode tornar-se necessária quando há incapacidade de gestão da própria vida civil, produzindo efeitos diretos, inclusive, sobre o direito real de habitação.
Esses casos revelam uma realidade incômoda: a Justiça nem sempre acompanha o tempo da vida. Recursos, embargos e apelações prolongam litígios enquanto o patrimônio se deteriora e os vínculos familiares se rompem de forma irreversível.
A reflexão que se impõe vai além do caso concreto. É preciso compreender que trabalho, economia, contribuição previdenciária e planejamento sucessório são pilares de uma velhice digna. Casamentos tardios exigem cautela jurídica, transparência patrimonial e, sobretudo, responsabilidade ética.
O Direito das Sucessões não pode ser reduzido a uma disputa de números. Ele existe para proteger pessoas, evitar abusos e assegurar que a lei seja aplicada com equidade, não apenas com formalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário