sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Cidade Sem Hotel

 

Cheguei de ônibus a uma cidade que não me devia nada e à qual eu não devia explicações. Palestra. O nome soava antigo demais para uma cidade pequena, dessas que cabem numa tarde. Não lembrava por que tinha ido, nem quando decidira ir. Só estava lá — e isso parecia bastar ao mundo.

A rodoviária não se deixava encontrar. Caminhei como quem anda dentro de um pensamento confuso, dobrando esquinas que não levavam a lugar algum. Perguntava, mas as respostas vinham vagas, como se ninguém quisesse ser responsável pelo meu retorno. Hotel também não havia. Na cidade, aparentemente, ninguém dormia fora de casa. Ou ninguém descansava.

Era noite quando aceitei o abrigo. Não por confiança — por cansaço. A loja cheirava a coisa usada, a promessa velha. O casal falava baixo, como quem já decidiu tudo antes. Estenderam colchões no chão, com a naturalidade de quem já fez aquilo outras vezes. Dormiam ali. Viviam ali. Eu me encaixei como mais um objeto deslocado.

Deitei. E foi no instante em que o corpo começou a ceder que ouvi a verdade atravessar o ar.

O homem falava ao telefone como quem negocia mercadoria. Voz prática, sem hesitação. Um cliente, uma mulher, dinheiro. Sem camisinha. Sem rodeios. Sem alma. A mulher era eu — embora ele não tivesse dito meu nome. Não precisava. Em Palestra, mulheres perdidas não têm nome; têm utilidade.

O medo não veio em grito. Veio em silêncio. Um medo lúcido, desses que não paralisa — esclarece. Pensei em falar. Pensei em levantar. Pensei em fugir. Pensei em todas as vezes em que aceitei ficar porque era tarde demais para procurar saída.

Acordei antes do desfecho. Como quem escapa por um triz daquilo que já conhece bem demais.

Há sonhos que não inventam monstros. Apenas organizam os reais. Esse não falava de sexo, mas de atravessamentos. De lugares onde não há hotel porque descanso é um luxo. De cidades onde a hospitalidade cobra o corpo. De noites em que o perigo veste o disfarce da ajuda.

Desde então, desconfio mais do abrigo fácil. E aprendi: quando não há rodoviária, não é porque o mapa falha — é porque alguém espera que você fique.

E ficar, às vezes, custa caro demais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário