Caro leitor,
o que poderia ser pior do que oferecer aos idosos pobres um momento gratuito de
lazer — e, ainda assim, vê-lo recusado?
A proposta era
simples e, confesso, feita com o cuidado de quem conhece a pobreza por dentro.
Sou trabalhadora braçal, dessas que contam moedas no fim do mês para garantir o
pão do dia seguinte. Talvez por isso tenha acreditado que um gesto pequeno
pudesse ter algum valor. Consegui, com esforço, uma sala emprestada numa escola
municipal e convidei alguns idosos para uma tarde de leitura coletiva. A ideia
não era erudição nem fuga da realidade, mas socialização: polinizar conversas,
trocar histórias, reconhecer-se no texto curto, simples, parecido com a vida de
quem vive contando faltas.
Levei salgadinhos
— não por gentileza, mas por lucidez. Quem vive com pouco sabe: sem comida, não
há retorno. Estava tudo pronto. O espaço, as leituras, o tempo.
O que não veio
foram as pessoas.
Convidei
justamente aqueles que mais reclamam da falta de lazer gratuito, da solidão, do
abandono, das dores do corpo e da ausência de medicamentos na farmácia do SUS.
E ninguém apareceu. Sempre havia uma razão: um esquecimento, um compromisso
surgido de última hora, uma justificativa vaga, dessas que não se confirmam.
Foi então que a
decepção abriu espaço para a reflexão. Talvez — digo isso como leiga — não seja
falta de oportunidade. Talvez seja escolha. Porque ir significaria sentir-se
bem. E sentir-se bem exige abandonar, ainda que por algumas horas, a dor que já
virou companhia antiga.
Se a reclamação
vai embora, o que sobra?
Filhos mal
criados? Netos distantes? Um celular que ocupa o lugar da conversa? Jogos
eletrônicos que substituem o afeto? Não afirmo — questiono. O que percebo é que
os compromissos sempre coincidem exatamente com o dia do encontro. E quem
deseja, de verdade, costuma reorganizar a agenda.
Por isso lhe
pergunto, caro leitor:
quantas vezes você mesmo tem se boicotado dos momentos simples e agradáveis por
medo de perder a dor — essa velha companheira de longa data que, apesar de
tudo, dá sentido às horas vazias?
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