segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

A Dor como Companhia

 

Caro leitor,

o que poderia ser pior do que oferecer aos idosos pobres um momento gratuito de lazer — e, ainda assim, vê-lo recusado?

A proposta era simples e, confesso, feita com o cuidado de quem conhece a pobreza por dentro. Sou trabalhadora braçal, dessas que contam moedas no fim do mês para garantir o pão do dia seguinte. Talvez por isso tenha acreditado que um gesto pequeno pudesse ter algum valor. Consegui, com esforço, uma sala emprestada numa escola municipal e convidei alguns idosos para uma tarde de leitura coletiva. A ideia não era erudição nem fuga da realidade, mas socialização: polinizar conversas, trocar histórias, reconhecer-se no texto curto, simples, parecido com a vida de quem vive contando faltas.

Levei salgadinhos — não por gentileza, mas por lucidez. Quem vive com pouco sabe: sem comida, não há retorno. Estava tudo pronto. O espaço, as leituras, o tempo.

O que não veio foram as pessoas.

Convidei justamente aqueles que mais reclamam da falta de lazer gratuito, da solidão, do abandono, das dores do corpo e da ausência de medicamentos na farmácia do SUS. E ninguém apareceu. Sempre havia uma razão: um esquecimento, um compromisso surgido de última hora, uma justificativa vaga, dessas que não se confirmam.

Foi então que a decepção abriu espaço para a reflexão. Talvez — digo isso como leiga — não seja falta de oportunidade. Talvez seja escolha. Porque ir significaria sentir-se bem. E sentir-se bem exige abandonar, ainda que por algumas horas, a dor que já virou companhia antiga.

Se a reclamação vai embora, o que sobra?

Filhos mal criados? Netos distantes? Um celular que ocupa o lugar da conversa? Jogos eletrônicos que substituem o afeto? Não afirmo — questiono. O que percebo é que os compromissos sempre coincidem exatamente com o dia do encontro. E quem deseja, de verdade, costuma reorganizar a agenda.

Por isso lhe pergunto, caro leitor:
quantas vezes você mesmo tem se boicotado dos momentos simples e agradáveis por medo de perder a dor — essa velha companheira de longa data que, apesar de tudo, dá sentido às horas vazias?

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