No coração pulsante da cidade — ou pelo menos de um
quarteirão que pulsa mais por reclamações do que por vida — ergue-se o
majestoso Prédio Leste do Sol. Um edifício misto, como dizem os
corretores, com oito lojas comerciais e quatro apartamentos, todos
orgulhosamente alugados. Um verdadeiro milagre da ocupação total, se não fosse
pelo detalhe: o proprietário está a um latido de perder a sanidade.
O andar superior abriga um escritório que, além de
trabalhar com algo que ninguém sabe ao certo, se especializou em um ramo muito
mais lucrativo: a arte de implicar. Implicam com o barulho, com o cheiro, com o
vento, com o sol que entra torto pela janela. Mas, claro, tudo isso em nome da política
da boa vizinhança, aquela que eles mesmos rasgaram e jogaram pela janela —
provavelmente reclamando que o papel fez sujeira.
A última pérola da saga? O cachorro do apartamento
ao lado. Um ser de quatro patas, focinho curioso e latido honesto. Segundo os
especialistas do andar de cima, o cão está aterrorizando os clientes. Sim,
porque nada diz “terror” como um animal atrás de uma grade, latindo com a
convicção de quem defende seu território — e talvez sua dignidade.
O prédio, diga-se de passagem, opera num universo
paralelo onde convenção de condomínio e regulamento interno são lendas urbanas.
O que existe é um manual invisível de “como reclamar sem resolver nada”. E o
dono do cachorro? Um inquilino exemplar, solidário, e ainda por cima parente do
proprietário. Ou seja, um combo que, para os reclamantes, é quase uma afronta
pessoal.
E aí entra o dilema moderno: o direito dos animais.
Como impedir um cão de latir? Treinamento? Terapia? Um podcast sobre
mindfulness canino? Difícil. Afinal, o latido é sua forma de dizer “bom dia”,
“sai do meu portão” e “esse território é meu, mesmo que eu não pague IPTU”.
No fim das contas, o cachorro não representa perigo
real. Está atrás da grade, como um presidiário inocente, cumprindo pena por
ser... um cachorro. Enquanto isso, o escritório do andar de cima segue firme em
sua missão de transformar o Leste do Sol no epicentro da discórdia
passivo-agressiva.
E o proprietário? Bem, ele continua ali, tentando administrar um prédio onde o sol nasce, mas a paciência se põe.
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