quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Leste do Sol e o Oeste da Paciência


No coração pulsante da cidade — ou pelo menos de um quarteirão que pulsa mais por reclamações do que por vida — ergue-se o majestoso Prédio Leste do Sol. Um edifício misto, como dizem os corretores, com oito lojas comerciais e quatro apartamentos, todos orgulhosamente alugados. Um verdadeiro milagre da ocupação total, se não fosse pelo detalhe: o proprietário está a um latido de perder a sanidade.

O andar superior abriga um escritório que, além de trabalhar com algo que ninguém sabe ao certo, se especializou em um ramo muito mais lucrativo: a arte de implicar. Implicam com o barulho, com o cheiro, com o vento, com o sol que entra torto pela janela. Mas, claro, tudo isso em nome da política da boa vizinhança, aquela que eles mesmos rasgaram e jogaram pela janela — provavelmente reclamando que o papel fez sujeira.

A última pérola da saga? O cachorro do apartamento ao lado. Um ser de quatro patas, focinho curioso e latido honesto. Segundo os especialistas do andar de cima, o cão está aterrorizando os clientes. Sim, porque nada diz “terror” como um animal atrás de uma grade, latindo com a convicção de quem defende seu território — e talvez sua dignidade.

O prédio, diga-se de passagem, opera num universo paralelo onde convenção de condomínio e regulamento interno são lendas urbanas. O que existe é um manual invisível de “como reclamar sem resolver nada”. E o dono do cachorro? Um inquilino exemplar, solidário, e ainda por cima parente do proprietário. Ou seja, um combo que, para os reclamantes, é quase uma afronta pessoal.

E aí entra o dilema moderno: o direito dos animais. Como impedir um cão de latir? Treinamento? Terapia? Um podcast sobre mindfulness canino? Difícil. Afinal, o latido é sua forma de dizer “bom dia”, “sai do meu portão” e “esse território é meu, mesmo que eu não pague IPTU”.

No fim das contas, o cachorro não representa perigo real. Está atrás da grade, como um presidiário inocente, cumprindo pena por ser... um cachorro. Enquanto isso, o escritório do andar de cima segue firme em sua missão de transformar o Leste do Sol no epicentro da discórdia passivo-agressiva.

E o proprietário? Bem, ele continua ali, tentando administrar um prédio onde o sol nasce, mas a paciência se põe. 

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